I – CIRCUNSCRIÇÃO DO TEMA.
I. 1 – Breve histórico da questão.
Antes da vigência da Emenda Constitucional nº 20 de 15 de dezembro de 1.998, contribuição para a seguridade social denominada COFINS incidia sobre o “faturamento” nos termos do artigo 195, I da Constituição Federal. Após a citada Emenda passou a incidir sobre a “receita ou o faturamento”.
Tal contribuição foi regulada pela Lei Complementar nº 70 de 30 de dezembro de 1.991, a qual definia a hipótese de incidência (h.i.) daquele tributo em seus artigos 1º e 2º.
Nos termos da citada Lei Complementar, essa contribuição alcançava o “faturamento das pessoas jurídicas”, entendido este como a receita bruta das vendas de mercadorias, de mercadorias e serviços e de serviços de qualquer natureza.
Portanto, as chamadas vendas de serviços estão dentro do campo de incidência do mencionado tributo, quaisquer que sejam estes serviços.
Ocorre que a mesma lei específica e reguladora da exigência da COFINS, em seu artigo 6º, inciso II excluiu o crédito tributário que seria exigível das sociedades civis de prestação de serviços de profissão regulamentada, dentre estas as sociedades de advogados, nos seguintes termos:
“Art. 6° São isentas da contribuição:
IPROFISSÕES REGULAMENTADASI – as sociedades civis de que trata o art. 1° do Decreto-Lei n° 2.397, de 21 de dezembro de 1987”;
As sociedades civis de que trata o artigo 1º do Decreto-Lei nº 2.397, de 21 de dezembro de 1987, são aquelas constituídas por profissionais liberais; compostas exclusivamente por pessoas físicas domiciliadas no Brasil; que estejam registradas no Registro Civil das Pessoas Jurídicas (Cartório de Registro de Títulos e Documentos e outros como a Ordem dos Advogados do Brasil), e que tenham por objetivo a prestação de serviços profissionais relativos ao exercício da profissão legalmente regulamentada.
Acrescente-se também que o artigo 1º do DL 2.397/87 refere-se ao Imposto de Renda das Pessoas Jurídicas (IRPJ) e simplesmente especifica quais as sociedades que deixaram de pagar o IRPJ como pessoa jurídica e que passaram a pagar na pessoa física de cada um de seus sócios, a saber:
“Art. 1° A partir do exercício financeiro de 1989, não incidirá o Imposto de Renda das pessoas jurídicas sobre o lucro apurado, no encerramento de cada período-base, pelas sociedades civis de prestação de serviços profissionais relativos ao exercício de profissão legalmente regulamentada, registradas no Registro Civil das Pessoas Jurídicas e constituídas exclusivamente por pessoas físicas domiciliadas no País”. (Vide Decreto nº 2.429, de 1988) (Revogado pela Lei nº 9.430, de 1996) (grifado)
Com o advento dos arts. 71, da Lei nº 8.383/91 e os arts. 1º e 2º, da Lei nº 8.541/92 passou a ser possível a opção dessas sociedades civis de prestação de serviços de profissão regulamentada pela tributação do Imposto de Renda das Pessoas Jurídicas – IRPJ com base no lucro presumido.
O fisco, diante dessa possibilidade, entendeu que a isenção do inciso II do artigo 6º da Lei Complementar nº 70/91 não se aplicaria àquela sociedade que tivesse optado pelo IRPJ – Lucro Presumido, persistindo somente para aquelas que permanecessem tributadas nas pessoas físicas de seus sócios nos termos do artigo 1º do DL 2.397/87.
O Superior Tribunal de Justiça, entretanto, instado pelos contribuintes a se pronunciar a respeito da posição do fisco, entendeu que a opção ou não pelo IRPJ – Lucro Presumido não afetava a isenção em tela do inciso II do artigo 6º da Lei Complementar nº 70/91, bastando, para tanto, examinar as decisões que sustentaram a Súmula 276, a saber: AgRg no RESP 226386, AgRg no REsp 297461, AgRg no REsp 422342, REsp260960, REsp 221710, REsp 227939 SC e AgRg no REsp 422741[1].
Além dessa posição e pressupondo que o artigo 56 da Lei nº 9.430/96 tivesse revogado a isenção o E. Superior Tribunal de Justiça, ainda decidiu que:
a) há a supremacia da Lei Complementar formal sobre a Lei Ordinária em face de sua representatividade maior (aprovação por maioria absoluta); e,
b) por conseqüência, o artigo 56 da Lei nº 9.430/96, que a lei ordinária, não poderia revogar o inciso II do artigo 6º da Lei Complementar nº 70/91.
Supondo-se ainda a revogação do inciso II do artigo 6º da Lei Complementar nº 70/91 pelo artigo 56 da Lei nº 9.430/96, o Supremo Tribunal Federal, vem decidindo que uma Lei Complementar formal pode ser revogada por uma lei ordinária como se tem sentido de decisões recentes das quais é paradigma o AgRg no RE nº 516053/SP[2].
A questão ainda está sub judice no Excelso Tribunal por força de outros recursos intentados e não tem decisão definitiva embora a maioria dos Ministros daquela Corte, contrariamente ao que decidiu e sumulou o STJ, tenha por premissas que:
a) A lei ordinária pode revogar uma lei complementar formal (cuja matéria legislada não está submetida à reserva constitucional de lei complementar); e, por conseqüência,
b) Como a Lei Complementar nº 70/91 não é Lei Complementar material, o inciso II do seu artigo 6º pode ser revogado pelo artigo 56 da Lei nº 9.430/96 que é lei ordinária.
Deixou o Supremo Tribunal Federal (STF) de examinar se a Lei nº 9.430/96, que é uma lei geral em matéria tributária (trata de diversos tributos), poderia revogar uma lei específica de isenção tributária baixada nos termos do § 6º do artigo 150 da Constituição, a Lei Complementar nº 70/91[3].
De fato, não poderia fazê-lo porque tal questão é matéria infraconstitucional a ser examinada à luz da Lei de Introdução ao Código Civil.
I. 2 – Do objeto propriamente dito do presente estudo.
Visto o breve histórico da questão posta, cabe aqui ressaltar que o presente estudo pretende demonstrar que o artigo 56 da Lei nº 9.430/96 não revogou o inciso II do artigo 6º da Lei Complementar nº 70/91.
Com efeito, partindo-se da premissa de que o artigo 56 da Lei nº 9.430/96 não revogou o inciso II do artigo 6º da Lei Complementar nº 70/91, como demonstrado adiante,a matéria poderá ser novamente posta a exame do Judiciário. Este o escopo do presente estudo.
II – O artigo 56 da Lei nº 9.430/96 não revogou o inciso II do artigo 6º da Lei Complementar nº 70/91 sendo com ele compatível.
II. 1 – Considerações iniciais.
Para um melhor deslinde da questão a ser examinada, se faz necessário buscar o entendimento sobre os conceitos de incidência e isenção em matéria tributária, para posteriormente examinar-se a natureza da norma de incidência da COFINS contida nos artigos 1º e 2º da Lei Complementar nº 70/91 e a natureza da isenção contida no inciso II do artigo 6º seguinte.
Após este exame, é necessário saber a natureza da norma contida no artigo 56 da Lei nº 9.430/96, ou seja, se ela é norma definidora da incidência da COFINS ou se é norma revogatória da isenção contida no inciso II do artigo 6º da Lei Complementar nº 70/91.
Em seguida, deverá ser examinada a questão da vigência da lei no tempo cabendo também observar se o artigo 56 da Lei nº 9.430/96 é incompatível com os artigos 1º, 2º e 6º, II da Lei Complementar nº 70/91 e se o inciso II do artigo 6º da Lei nº 9.430/06 foi revogado expressamente por qualquer outro dispositivo de lei posterior.
Seguindo este roteiro, passo ao exame do tema proposto.
II. 2 – A incidência, a não-incidência e a isenção em matéria tributária.
II. 2. 1 – A isenção pressupõe sempre a incidência tributária.
A questão da incidência, da não-incidência e em especial da isenção em matéria fiscal vem sendo tratada constantemente pelos doutrinadores e cientistas do direito, pois tais institutos são de fundamental importância para a aplicação das normas tributárias e exigência dos tributos, mormente diante do princípio da legalidade estrita em matéria fiscal inserto no inciso I do artigo 150 da Constituição.
Para o professor Paulo de Barros Carvalho[4], a norma tributária em sentido estrito é aquela que define a incidência fiscal. Segundo o autor, a hipótese contida na citada norma
“(…) alude a um fato e a conseqüência prescreve os efeitos jurídicos que o acontecimento irá propagar, razão pela qual se fala em um descritor e um prescritor, o primeiro para designar o antecedente normativo e o segundo para indicar o seu conseqüente”.
Geraldo Ataliba[5] em clássica obra constatando a natureza ex lege da obrigação tributária acrescenta que
“(…) uma lei descreve hipoteticamente um estado de fato, um fato ou um conjunto de circunstâncias de fato, e dispõe que a realização concreta, no mundo fenomênico, do que foi descrito, determina o nascimento de uma obrigação de pagar um tributo.
Portanto, temos primeiramente (lógica e cronologicamente) uma descrição legislativa (hipotética) de um fato: ulteriormente, ocorre, acontece, realiza-se este fato concretamente.
18.3 A obrigação só nasce com a realização (ocorrência) deste fato, isto é: só surge quando este fato concreto, localizado no tempo e no espaço, se realiza.
Do exposto observa-se que a incidência tributária depende de lei específica que contenha norma jurídica tributária onde seu descritor seja uma hipótese nela prevista que, uma vez ocorrida no mundo fático, faça surgir uma relação jurídica pela qual o sujeito passivo desta relação se veja compelido ao pagamento de determinado tributo.
É, portanto, esta norma tributária específica que define o campo de incidência de determinado tributo ao lhe fixar as hipóteses legais de incidência. Assim, todo e qualquer fato que não se subsuma a esta hipótese de incidência estará fora do campo de incidência deste tributo e o caso será de não-incidência tributária.
Como visto acima, os institutos da incidência e da não-incidência tributária estão bem delineados e são de fácil compreensão.
O instituto da isenção, entretanto, encontra na doutrina diversas teses sendo a tradicional aquela de que a isenção representa a dispensa do pagamento de tributo devido, como se primeiramente fosse prevista a incidência do tributo, para excluir-se da obrigação tributária surgida o crédito tributário dela decorrente. Nesse sentido é a lição de Rubens Gomes de Souza[6] ao analisar os institutos da não-incidência e da isenção quando leciona que:
“Em outras palavras, na “não-incidência”, figura estrutural do tributo, a obrigação tributária não ocorre; na “isenção”, não estrutural ao tributo, a obrigação tributária ocorre, mas não é cobrável porque a lei dispensa o pagamento do crédito correspondente. Assim, no “Anteprojeto de Código Tributário” que redigi em 1953 e que serviu de base ao “Projeto” elaborado em 1954 por comissão de que fiz parte, a isenção vinha definida como dispensa de pagamento (Trabalhos da Comissão Especial do Código Tributário Nacional, ed.do Ministério da Fazenda, Rio, 1954, pp.61,229 e 3220). No CTN vigente, que resultou de uma segunda revisão do “Projeto” de 1954 por outra comissão de que também participei, a isenção tem esse mesmo caráter. Com efeito, o art.175, n.I a inclui entre as causas excludentes do crédito tributário o que evidentemente significa que a obrigação pré-existe mas é incobrável.”
Esta tese foi combatida por Alfredo Augusto Becker[7] pelo qual, a a regra de isenção é uma contranorma que mutila a norma de incidência tributária, quando assenta que a
“(…) regra jurídica que prescreve a isenção, em última análise, consiste na formulação negativa da regra jurídica que prescreve a tributação”.
Souto Maior Borges[8] também entende que a norma de isenção atinge a própria norma de incidência do tributo e, por conseqüência, a obrigação tributária e não somente o crédito tributário dela decorrente, ao concluir que
“(…) Por força do princípio da legalidade da tributação, o fato gerador existe “si et in quantum” estabelecido previamente em texto de lei: os contornos essenciais da hipótese de incidência (núcleo e elementos adjetivos) integram todos a lei tributária material. Sem a previsão hipotética dos fatos ou conjunto de fatos que legitimam a tributação, inexiste, portanto, fato gerador de obrigação tributária.
Por isso, afirma-se corretamente que o fato gerador é fato jurídico.
Sob outro ângulo, a análise jurídica revela ser a extensão do preceito que tributa delimitada pelo preceito que isenta. A norma que isenta é, assim, uma norma limitadora ou modificadora; restringe o alcance das normas jurídicas de tributação; delimita o âmbito material ou pessoal a que deverá estender-se o tributo ou altera a estrutura do próprio pressuposto da sua incidência”. (grifado).
Como visto, as teses divergem quanto ao alcance da norma de isenção, ou seja, se atinge somente o crédito tributário ou se alcança, além deste, a obrigação tributária da qual decorre.
A corrente tradicional foi, entretanto, encampada pelo Código Tributário Nacional, o qual prescreve que a isenção alcança somente o credito tributário. É o que se depreende do prescrito nos artigos 139, 140 e 175, I, parágrafo único do CTN, a saber:
Art. 139. O crédito tributário decorre da obrigação principal e tem a mesma natureza desta. (sublinhado)
Art. 140. As circunstâncias que modificam o crédito tributário, sua extensão ou seus efeitos, ou as garantias ou os privilégios a ele atribuídos, ou que excluem sua exigibilidade não afetam a obrigação tributária que lhe deu origem. (grifado e sublinhado)
Art. 175. Excluem o crédito tributário:
I – a isenção; (grifado e sublinhado)
Parágrafo único. A exclusão do crédito tributário não dispensa o cumprimento das obrigações acessórias dependentes da obrigação principal cujo crédito seja excluído, ou dela conseqüente.
Uma constatação, entretanto, deve ser ressaltada pelo presente estudo. Essa observação reside no fato de que para que exista uma norma jurídica de isenção deverá haver o pressuposto de incidência de determinado tributo também fixado em outra norma jurídica tributária específica e é exatamente sob este aspecto que a norma de isenção difere da não-incidência.
Possível a esta altura é chegar-se à primeira conclusão, qual seja.
A norma jurídica de isenção pressupõe sempre a preexistência da norma jurídica tributária de incidência.
II. 2. 2 – O alcance das normas de isenção.
Considerando-se que a isenção pressupõe sempre a preexistência da norma jurídica tributária de incidência como poderá esta norma de isenção atingir aquela norma que estabelece a hipótese de incidência de determinado tributo?
Para solucionar esta questão toma-se novamente a lição de Geraldo Ataliba[9] que destaca os aspectos material, pessoal, espacial e temporal da hipótese de incidência tributária.
O aspecto pessoal é o que determina o sujeito ativo da obrigação, titular do direito ao tributo e o sujeito passivo da obrigação, detentor do dever de pagamento deste tributo.
O aspecto temporal é aquele que determina o tempo da ocorrência desta hipótese de incidência, o qual pode ser expressamente determinado na norma ou simplesmente a norma prescreve que o tempo de sua ocorrência dar-se-á quando acontecer, na realidade fenomênica, o fato previsto na hipótese legal (fato imponível), surgindo nesse momento a obrigação tributária.
O aspecto espacial também está previsto na norma que determina o lugar do cumprimento da obrigação tributária que, em geral é aquele de ocorrência do fato imponível.
Finalmente, o aspecto material que “(…) contém a designação de todos os dados de ordem objetiva, configuradores do arquétipo em que ela (h.i.) consiste; é a própria consistência material do fato ou estado de fato descrito na h.i.; é a descrição dos dados substanciais que servem de suporte à h.i.”.
Este aspecto material juntamente com o aspecto pessoal são os mais importantes das hipóteses legais de incidência dos tributos e estão intimamente ligados. No aspecto material destaca-se a base de cálculo do tributo que Geraldo Ataliba chama de “perspectiva dimensível” do aspecto material da h.i. Faz também parte deste aspecto material da h.i. a alíquota. Esta se constitui em um termo que é indicativo de uma parte, uma fração, em geral determinada através de um percentual, da base imponível.
Assim, a norma de isenção que se contrapõe a uma norma de incidência pode excluir desta ou o aspecto pessoal, ou o temporal (isenção por tempo determinado) ou o espacial (com relação a determinado lugar) ou o material que pode também atingir a alíquota do tributo.
Nesse sentido é a lição do Prof. Paulo de Barros Carvalho[10] da qual se destaca o seguinte trecho:
“De que maneira atua a norma de isenção, em face da regra-matriz de incidência? É o que descreveremos.
Guardando a sua autonomia normativa, a regra de isenção investe contra um ou mais dos critérios da norma-padrão de incidência, mutilando-as, parcialmente. É óbvio que não pode haver supressão total do critério, porquanto equivaleria a destruir a regra-matriz, inutilizando-a como norma válida no sistema. O que o preceito de isenção faz é subtrair parcela do campo de abrangência do critério do antecedente ou do conseqüente. Vejamos o modelo: estão isentos do imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza os rendimentos do trabalho assalariado dos servidores diplomáticos de governos estrangeiros. É fácil notar que a norma jurídica de isenção do IR (pessoa física) vai de encontro à regra-matriz de incidência daquele imposto, alcançando-lhe o critério pessoal do conseqüente, no ponto exato do sujeito passivo. Mas não o exclui totalmente, subtraindo, apenas, no domínio dos possíveis sujeitos passivos, o subdomínio dos servidores diplomáticos de governos estrangeiros, e mesmo assim quanto aos rendimentos do trabalho assalariado. Houve uma diminuição do universo dos sujeitos passivos, que ficou desfalcado de uma pequena subclasse.
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Consoante o entendimento, que adotamos, a regra de isenção pode inibir a funcionalidade da regra-matriz tributária, comprometendo-a para certos casos, de oito maneiras distintas: quatro pela hipótese e quatro pelo conseqüente:
I – pela hipótese
a) atingindo-lhe o critério material, pela desqualificação do verbo;
b) atingindo-lhe o critério material, pela subtração do complemento;
c) atingindo-lhe o critério espacial;
d) atingindo-lhe o critério temporal;
II – pelo conseqüente
e) atingindo-lhe o critério pessoal, pelo sujeito ativo;
f) atingindo-lhe o critério pessoal, pelo sujeito passivo;
g) atingindo-lhe o critério quantitativo, pela base de cálculo;
h) atingindo-lhe o critério quantitativo, pela alíquota”.
Feitas as observações anteriores quanto ao alcance das normas jurídicas tributárias de isenção, chega-se a outra conclusão neste tópico do estudo.
A norma de isenção é claramente contraposta à norma de incidência e pode mutilar esta última em algum dos seus aspectos, o pessoal, o material, o espacial e o temporal.
II. 3 – Das normas de incidência e isenção da COFINS insertas na Lei Complementar nº 70/91.
Desenvolvidas as observações anteriores, é possível, a esta altura do estudo, examinar as normas de incidência e de isenção da COFINS especificamente para o caso presente.
Prescreve a Lei Complementar nº 70/ 91 em seus artigos 1º, 2º e 6º, II, o que segue:
Art. 1° Sem prejuízo da cobrança das contribuições para o Programa de Integração Social (PIS) e para o Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público (Pasep), fica instituída contribuição social para financiamento da Seguridade Social, nos termos do inciso I do art. 195 da Constituição Federal, devida pelas pessoas jurídicas inclusive as a elas equiparadas pela legislação do imposto de renda, destinadas exclusivamente às despesas com atividades-fins das áreas de saúde, previdência e assistência social. (grifado)
Art. 2° A contribuição de que trata o artigo anterior será de dois por cento e incidirá sobre o faturamento mensal, assim considerado a receita bruta das vendas de mercadorias, de mercadorias e serviços e de serviço de qualquer natureza. (grifado)
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Art. 6° São isentas da contribuição:
II – as sociedades civis de que trata o art. 1° do Decreto-Lei n° 2.397, de 21 de dezembro de 1987;
Como é possível concluir dos dispositivos legais acima, o artigo primeiro da citada lei define o aspecto pessoal da h.i. da citada contribuição elegendo como seus sujeitos passivos as “pessoas jurídicas inclusive as a elas equiparadas pela legislação do imposto de renda” e o sujeito ativo a União Federal detentora da competência constitucional para criar tal tributo.
Das observações anteriores verifica-se a vinculação patente entre o aspecto pessoal e o aspecto material da h.i. da COFINS, pois este último, o “faturamento mensal”, é inerente, é próprio e somente possível às pessoas jurídicas, pois somente estas podem realizar tal aspecto material. A pessoa física não está no campo de incidência da COFINS, é caso de não-incidência.
De outra parte este “faturamento mensal”também determina o aspecto temporal visto que o mesmo não é o “diário”, “trimestral” ou outro qualquer. Assim, sob o aspecto temporal, a h.i. da COFINS aperfeiçoa-se mensalmente.
Também o aspecto espacial colhe-se da competência impositiva da União, incidindo tal tributo em todo o território nacional.
Ainda do aspecto material, que é o “faturamento mensal, assim considerado a receita bruta das vendas de mercadorias, de mercadorias e serviços e de serviço de qualquer natureza”, é possível extrair que:
1º – a citada contribuição incide sobre a venda (contrato específico e determinado pela legislação); e,
2º – não qualquer venda; esta venda precisa ser de mercadorias ou de serviços ou de ambos quando vendidos conjuntamente.
Não está no escopo deste estudo a questão de ampliação da base de cálculo do citado tributo para alcançar outras receitas decorrentes de aluguel (que não é venda); da venda de imóveis (que não é mercadoria), etc.
Objetiva este estudo concluir neste tópico que todas as vendas de serviços sejam eles quais forem estão dentro do campo de incidência da COFINS.
Se assim não fosse, a contraposição da norma de isenção a que se refere o inciso II do artigo 6º da mesma Lei Complementar nº 70/91 seria impossível, pois esta norma estabelece que estejam isentas as sociedades civis de profissão regulamentada.
Assim, a venda de serviços (aspecto material) realizada por estas pessoas jurídicas assim definidas (aspecto pessoal) pode ser contraposta à norma de incidência geral que prevê a venda de serviços por pessoa jurídica como hipótese de incidência da COFINS.
Haver-se-á de concluir que a norma de isenção da COFINS inserta no inciso I do artigo 6º da Lei Complementar nº 70/91 contrapôs-se à norma de incidência mutilando parcialmente o seu aspecto pessoal.
II. 4 – Da natureza da norma contida no artigo 56 da Lei nº 9.430/96.
Seria a norma contida no artigo 56 da Lei nº 9.430/96 uma norma definidora da incidência da COFINS ou seria revogadora da contranorma de isenção encastoada no inciso II do artigo 6º da Lei Complementar nº 70/91?
Para o deslinde desta questão é necessário transcrever o citado dispositivo legal:
Art. 56. As sociedades civis de prestação de serviços de profissão legalmente regulamentada passam a contribuir para a seguridade social com base na receita bruta da prestação de serviços, observadas as normas da Lei Complementar nº 70, de 30 de dezembro de 1991. (grifado)
Parágrafo único. Para efeito da incidência da contribuição de que trata este artigo, serão consideradas as receitas auferidas a partir do mês de abril de 1997. (grifado)
Do exame do dispositivo legal citado acima, o mesmo traz em si uma norma jurídica tributária de incidência da COFINS definindo, inclusive os seus aspectos temporal (a partir de abril de 1997) e pessoal (as sociedades de prestação de serviços de profissão regulamentada).
Indaga-se novamente. Mas a incidência da COFINS sobre a venda de serviços por parte das sociedades de prestação de serviços de profissão regulamentada já não estava anteriormente prevista em norma jurídica de incidência tributária de acordo com os artigos 1º e 2º da Lei Complementar nº 70/91?
A resposta, como demonstrado até aqui é positiva. A incidência da COFINS sobre a venda de serviços por parte das sociedades de prestação de serviços de profissão regulamentada, de acordo com os artigos 1º e 2º da Lei Complementar nº 70/91 já estava prevista em norma jurídica de incidência tributária.
Por conclusão deste tópico é possível afirmar que:
a) O artigo 56 da Lei nº 9.430/91 tem natureza de norma jurídica tributária de incidência da COFINS especificando os aspectos pessoal e temporal da h.i. já prevista nos artigos 1º e 2º da Lei Complementar nº 70/91, não sendo incompatível com a norma geral de incidência da citada lei complementar;
b) Não revogou expressamente o inciso II do artigo 6º da Lei Complementar nº 70/91; e, inclusive,
c) Manda observar as normas da Lei Complementar nº 70/91, obviamente também o seu artigo 6º, II.
II. 5 – A questão da revogação do inciso II do artigo 6º da Lei Complementar nº 70/91. Vigência da lei no tempo.
Partindo da premissa de que o artigo 56 da Lei nº 9.430/91 tem natureza de norma jurídica tributária de incidência da COFINS e não de revogação expressa do inciso II do artigo 6º da Lei Complementar nº 70/91, passa-se agora à seguinte indagação a ser resolvida.
Uma norma jurídica (art. 56 da Lei 9.430/96) que reforça outra norma de incidência já prevista anteriormente, determinando expressamente que sejam observadas as normas da Lei Complementar nº 70, de 30 de dezembro de 1991 teve o condão de revogar a contranorma de isenção prevista no inciso II do artigo 6º desta mesma lei? Não seria mais correto a revogação expressa do citado inciso II do artigo 6º da Lei Complementar nº 70/91?
Estas indagações é que serão solvidas a seguir. Para tanto é necessário que seja examinada a questão da vigência da lei no tempo e, sendo assim, este estudo remete ao exame da Lei de Introdução ao Código Civil, especialmente em seu artigo 2º, §§ 1º e 2º adiante transcritos:
“Art. 2º. Não se destinando à vigência temporária, a lei terá vigor até que outra a modifique ou revogue.
§ 1º. A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior. (sublinhado)
§ 2º. A lei nova, que estabeleça disposições gerais ou especiais a par das já existentes, não revoga nem modifica a lei anterior”.(sublinhado)
Como visto supra a Lei de Introdução ao Código Civil (LICC) recebida pelo art. 5º, XXXVI da Constituição Federal, prescreve em seus artigo 2º que:
a) não se destinando à vigência temporária, a lei terá vigor até que outra a modifique ou revogue; e,
b) em seu § 1º, que a lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior. (grifado).
Por seu turno, o artigo 6º seguinte da mesma Lei prescreve que a lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, direito adquirido e a coisa julgada.
Miguel Maria Serpa Lopes[11], propedeuticamente ensina sobre o tema o que segue:
"41- Modalidades de revogação da lei. Em face do texto legal, os modos terminativos da lei podem ser classificados em três grupos: 1º) revogação da lei por causas ínsitas a ela própria; 2º) revogação expressa; 3º) revogação tácita.
…………………
“43 – Revogação expressa da lei. A revogação expressa ocorre, quando declarada pela própria lei, ou, em termos genéricos, mencionando a revogação de todas as disposições em contrário, ou, em termos particulares, dizendo revogadas nominativamente ou taxativamente determinadas leis ou disposições de leis anteriores. Em sentido contrário, Paulo de Lacerda entende haver revogação expressa tão-somente se houver sido indicada a lei revogada no que é contestado por E.Espínola, considerando que a fórmula “revogam-se as disposições em contrário” basta para caracterizar a revogação expressa, o que se nos afigura absolutamente exato, em face da própria noção de revogação tácita ou indireta, como passaremos a ver.”
…………..
44 – Revogação tácita ou indireta. Dá-se a revogação tácita ou indireta, quando, embora não expressamente estabelecida pela lei, tal resulta de circunstâncias inequívocas, direta ou indiretamente por ela previstas. Segundo se observa do art. 2º da Lei de Introdução, dois são os elementos identificadores da revogação tácita: 1º) no caso de incompatibilidade da lei nova com a anterior; 2º) a circunstância da lei nova regular inteiramente a matéria de que tratava a anterior. O primeiro elemento consiste na incompatibilidade ou contrariedade entre os dispositivos da lei nova e os da anterior, prevalecendo os da primeira sobre os da segunda: lex posterior derogat priori. Presume-se no legislador a pretensão de coisas razoáveis. Ilógico, pois, seria conceber-se a aplicação simultânea de duas leis contraditórias ou opostas. A pesquisa dessa incompatibilidade não deve orientar-se tão-só pela consideração da vontade do legislador, senão igualmente pela observação bem atenta dessa incompatibilidade (120). Força é ressaltar que a revogação tácita não se presume; para que ela se opere, é necessária a presença de uma incompatibilidade absoluta, formal (121). O segundo caso de revogação indireta opera-se quando a lei nova regula inteiramente a matéria contida na anterior. Assim, v.g., se um novo Código Comercial fosse promulgado, toda a legislação comercial anterior estaria, ipso facto, revogada. Pode-se dizer que a lei nova regula inteiramente a matéria da lei anterior quando, dispondo sobre os mesmos fatos ou idênticos institutos jurídicos, os abrange em sua complexidade. Fora desse caso especial que a lei destacou, nos demais prevalece sempre o princípio comum da revogação da lei anterior pela posterior, na proporção de sua incompatibilidade com a lei nova: posteriores leges ad priores pertinent nisi contrariae sint. Não pode alcançar outras leis ou disposições estranhas. Contudo a revogação indireta de uma disposição da lei antiga implica a de todas as outras disposições existentes com os seus corolários ou desenvolvimentos (122).
…………………………
“45- Caso de não revogação tácita. Estabelece o art.2º da Lei de Introdução que a lei nova não revoga nem modifica a lei anterior, se estabelecer disposições gerais ou especiais a par das já existentes.
Com essa expressão a par das já existentes pretendeu o legislador referir-se às normas que ficam a par das anteriores, por conseguinte iguais em qualidade e merecimento, podendo atuar lado a lado, sem incompatibilidade. Trata-se de uma redundância, pois apenas corrobora o princípio da incompatibilidade, critério geral e básico nessa matéria.”
Como se vê a lei nova interagindo com as demais leis do sistema jurídico pode provocar a revogação expressa ou tácita de outras leis ou mesmo, sendo a lei nova incompatível com as normas superiores do sistema jurídico, não encontrando nelas a sua sustentação de validez, tornar-se nula, inválida.
Alfredo Augusto Becker[12] ao comentar a interação da lei com as demais existentes, buscando o intérprete a norma resultante dessa interação, acrescenta o que segue:
“A regra jurídica contida na lei (fórmula literal legislativa) é a resultante lógica de um complexo de ações e reações que se processam no sistema jurídico onde foi promulgada. A lei age sobre as demais leis do sistema, estas, por sua vez, reagem; a resultante lógica é a verdadeira regra jurídica da lei que provocou o impacto inicial.
Estas ações e reações se processam tanto no plano vertical (interpretação histórica) quanto no plano horizontal (interpretação sistemática). Esta fenomenologia da regra jurídica é observada à luz do cânone hermenêutico da totalidade do sistema jurídico e que consiste em síntese: extrair a regra jurídica contida na lei, relacionando esta com as demais leis do sistema jurídico vigente (plano horizontal) e sistemas jurídicos antecedentes (plano vertical).
A regra jurídica embute-se no sistema jurídico e tal inserção não é sem conseqüências para o conteúdo da regra jurídica, nem sem conseqüências para o sistema jurídico. “Daí, quando se lê a lei, em verdade (deve) se ter na mente o sistema jurídico, em que ela entra, e se ler na história, no texto e na exportação sistemática”. Os erros de expressão da lei são corrigidos facilmente porque o texto fica entre esses dois componentes do material para a fixação do verdadeiro sentido.
……………….
O cânone hermenêutico da totalidade do sistema jurídico tanto serve para revelar a existência da regra jurídica (lei válida), como também pode acusar a inexistência da regra jurídica (lei não-válida). O intérprete constata na inexistência de regra jurídica, quando o referido cânone hermenêutico conduz o intérprete à antinomia (contradição entre duas ou mais leis) ou à inconstitucionalidade (lei violadora de regra jurídica criada por outro órgão legislativo de grau superior).(grifado)
Finalmente, cumpre lembrar que não é a interpretação que invalida a lei; na verdade, o que o intérprete faz é a necropsia da lei morta. Morte da lei antiga pelo impacto da nova lei ao se embutir no sistema jurídico; ou morte da nova lei pela reação do sistema jurídico; ou morte de ambas em virtude daquela ação e reação”.
Como é possível observar da Lei de Introdução ao Código Civil e da doutrina citada, a lei existente, se não for de vigência temporária, permanece em vigor até que lei posterior a revogue expressa e tacitamente. A revogação tácita se dá pela antinomia total ou parcial entre a lei nova e a lei existente, prevalecendo a nova regulamentação da matéria.
A revogação expressa se dá quando a lei nova expressamente revoga a lei anterior e a lei geral ou especial que estabeleça disposições a par das já existentes, não revoga nem modifica a lei anterior.
Feitas as observações preliminares anteriores, buscar-se-á adiante aplicar a norma da Lei de Introdução ao Código Civil e os ensinamentos da doutrina citada ao caso sob exame.
Cabe preliminarmente acrescentar observação de importância fundamental. Consiste ela no fato de que O INCISO II DO ARTIGO 6º DA LEI COMPLEMENTARnº 70/91 NÃO FOI REVOGADO EXPRESSAMENTE ATÉ O PRESENTE MOMENTO, INCLUSIVE PELA LEI Nº 9.430/96.
Veja-se que o art. 88 e seus incisos da própria Lei nº 9.430/96 dispôs sobre os dispositivos legais que estavam sendo revogados expressamente, não estando entre eles o inc. II do art. 6º da LC nº 70/91, que dispôs sobre a isenção da COFINS, o que bem demonstra não ter havido a revogação do mesmo.
Ademais, a LC nº 95/98, que dispõe sobre as normas para elaboração e alteração das leis, é expressa ao consignar em seu art. 9º que “quando necessária a cláusula de revogação, esta deverá indicar expressamente as leis ou disposições legais revogadas”.
Art. 6° São isentas da contribuição:
II – as sociedades civis de que trata o art. 1° do Decreto-Lei n° 2.397, de 21 de dezembro de 1987;
Como se pode ver acima, os incisos I e III do citado artigo 6º da Lei Complementar nº 70/91, foram revogados pela MP nº 2.158-35/2.001, ao passo que permanece incólume o inciso II do mencionado artigo que NÃO FOI REVOGADO EXPRESSAMENTE.
Restaria saber se o citado inciso II do artigo 6º da Lei Complementar nº 70/91 foi revogado tacitamente pelo artigo 56 da Lei nº 9.430/96.
A Lei de Introdução ao Código Civil prescreve que a revogação tácita se opera quando houver, no caso, incompatibilidade ou antinomia da lei nova com a anterior e quando a lei nova regular inteiramente a matéria de que tratava a anterior.
Quanto à regra de incidência da COFINS na venda de serviços por estas sociedades de profissão regulamentada ou qualquer outra pessoa jurídica, não se verifica qualquer incompatibilidade ou antinomia entre o artigo 56 da Lei nº 9.430/96 e os artigos 1º e 2º da Lei Complementar nº 70/91.
Pelo contrário, as normas jurídicas tributárias de incidência da COFINS sobre venda de serviços são normas afins.
A norma da Lei Complementar prescreve a incidência para todas as pessoas jurídicas, inclusive para as sociedades de profissionais de profissão regulamentada e a lei ordinária ocupa-se especialmente das últimas.
A norma de incidência da COFINS prescrita no artigo 56 da Lei nº 9.430/96 está circunscrita na norma de incidência da COFINS prescrita nos artigos 1º e 2º da Lei Complementar nº 70/91. Isto vale dizer que tais normas representam círculos concêntricos onde o circulo maior dos artigos 1º e 2º da Lei Complementar nº 70/91 alberga o circulo menor do artigo 56 da Lei nº 9.430/96 (para um melhor entendimento da questão).
Portanto, nesse caso, não se operou a revogação tácita por incompatibilidade.
De outra banda, também não se operou a revogação tácita em virtude da nova lei ter regulado inteiramente a matéria.
Com efeito, o artigo 56 da Lei nº 9.430/96 limitou-se a reafirmar a norma jurídica de incidência da COFINS para as sociedades de profissionais de profissão regulamentada já prevista pelos artigos 1º e 2º da Lei Complementar nº 70/91 para todas as pessoas jurídicas, dentre estas as sociedade de profissionais de profissão regulamentada, nada mais.
Acrescente-se que a lei ordinária posterior não regulou inteiramente a matéria, pois, depois de estabelecer a norma jurídica tributária de incidência MANDA QUE ESTA INCIDÊNCIA OBSERVE AS NORMAS CONTIDAS NA LEI COMPLEMENTAR Nº 70/91 E, OBVIAMENTE, DENTRE ESTAS NORMAS ESTÁ A NORMA DE ISENÇÃO ALI ESTABELECIDA. Não custa repetir o prescrito no citado artigo 56:
Art. 56. As sociedades civis de prestação de serviços de profissão legalmente regulamentada passam a contribuir para a seguridade social com base na receita bruta da prestação de serviços, observadas as normas da Lei Complementar nº 70, de 30 de dezembro de 1991. (grifado)
Sendo assim, como a norma de incidência da COFINS CONTIDA no artigo 56 da Lei nº 9.430/96 não é incompatível e não guarda antinomia com a norma jurídica de incidência da COFINS contida nos artigos 1º e 2º da Lei Complementar nº 70/91, pelo contrário está nela contida; e, como também não regulou inteiramente a matéria ao determinar, inclusive, que sejam “observadas as normas da Lei Complementar nº 70, de 30 de dezembro de 1991”, é forçoso concluir que tal dispositivo não revogou tacitamente a norma jurídica tributária de isenção prevista no inciso II do artigo 6º da Lei Complementar nº 70/91.
De efeito, a norma contida no o inciso II do artigo 6º da Lei Complementar nº 70/91 para isentar, já pressupunha a incidência da COFINS para as sociedades de prestação de serviços de profissão regulamentada pelos artigos 1º e 2º da mesma lei.
O que fez o artigo 56 da Lei nº 9.430/96?
a) Simplesmente confirma a incidência da COFINS para as sociedades de prestação de serviços de profissão regulamentada;
b) manda, ainda, expressamente, que sejam observadas as normas da Lei Complementar nº 70/91; e,
c) não revoga expressamente o citado inciso II do artigo 6º da Lei Complementar nº 70/91.
Assim, onde se presume a revogação do citado inciso II do artigo 6º da Lei Complementar nº 70/91?
Como se pode ver fica extremamente claro que não houve revogação expressa e tampouco houve revogação tácita da isenção em comento, restando ainda saber se o caso é de não-revogação da lei complementar pela lei ordinária consoante o que prescreve o §2º do artigo 2º da Lei de Introdução ao Código Civil.
Citado dispositivo legal prescreve que “A lei nova, que estabeleça disposições gerais ou especiais a par das já existentes, não revoga nem modifica a lei anterior”.
O citado §2º do artigo 2º da Lei de Introdução ao Código Civil aplica-se ao caso presente, pois, a Lei nº 9.430/96 não revogou o artigo 6º, II da Lei Complementar nº 70/91 por que:
a) em primeiro lugar, não revogou expressamente o artigo 6º, II da Lei Complementar nº 70/91;
b) em segundo lugar, trata-se de norma que tem a natureza de norma jurídica tributária de incidência da COFINS estando circunscrita na norma anterior de incidência dos artigos 1º e 2º da Lei Complementar nº 70/91, como visto anteriormente; e, finalmente,
c) em terceiro lugar, porque estando a norma do artigo 56 da Lei nº 9.430/96 circunscrita na norma anterior de incidência dos artigos 1º e 2º da Lei Complementar nº 70/91 este norma da lei ordinária foi estabelecida a par das já existentes da Lei Complementar que já previa a incidência da COFINS.
Do exposto, é possível concluir que o artigo 56 da Lei nº 9.430/96, por estabelecer norma de incidência da COFINS a par da existente nos artigos 1º e 2º da Lei Complementar nº 70/91, não revogou tais dispositivos. Por conseqüência, como também mandou observar expressamente as normas da Lei Complementar, obviamente dentre estas o inciso II do seu artigo 6º, haver-se-á de concluir que restou mantida em vigor a isenção concedida pela lei específica.
II. 6 – A questão da concessão da isenção por lei específica.
Além das razões levantadas anteriormente quanto à não-revogação da isenção do inciso II do artigo 6º da Lei Complementar nº 70/91 pelo artigo 56 da Lei nº 9.430/96, cabe a essa altura trazer a exame a questão da criação de norma jurídica de isenção tributária e de sua extinção.
Com efeito, examinando-se o § 6º do artigo 150 da Constituição Federal, o mesmo prescreve que:
Art. 150. (……)
6.º Qualquer subsídio ou isenção, redução de base de cálculo, concessão de crédito presumido, anistia ou remissão, relativos a impostos, taxas ou contribuições, só poderá ser concedido mediante lei específica, federal, estadual ou municipal, que regule exclusivamente as matérias acima enumeradas ou o correspondente tributo ou contribuição, sem prejuízo do disposto no art. 155, § 2.º, XII, g. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 3, de 1993)(sublinhado)
Preliminarmente deve ser observado que a Lei nº 9.430/96 é lei geral federal em matéria tributária, pois trata de diversos tributos, como se pode ver de seus dispositivos e também de sua própria Súmula, a saber:
“Dispõe sobre a legislação tributária federal, as contribuições para a seguridade social, o processo administrativo de consulta e dá outras providências”.
Já a Lei Complementar nº 70/91 segundo seus dispositivos trata especificamente da COFINS e da CSLL como também se vê de sua Súmula:
“Institui contribuição para financiamento da Seguridade Social, eleva a alíquota da contribuição social sobre o lucro das instituições financeiras e dá outras providências”.
Do comando constitucional depreende-se que uma norma jurídica tributária de isenção somente pode ser criada por lei específica (no caso, lei federal) que regule exclusivamente a isenção ou exclusivamente o tributo ou contribuição.
Verifica-se, como visto acima, que a Lei Complementar nº 70/91 atende às condições fixadas pela Constituição, pois regula integralmente a COFINS em todos os seus aspectos, desde as normas jurídicas tributárias de incidência, as normas de isenção e outras a ela pertinentes.
Supondo-se só por argumentação que a norma jurídica tributária de incidência da COFINS inserta no artigo 56 da Lei nº 9.430/96 fosse norma de revogação da isenção prevista no inciso II do artigo 6º da Lei Complementar nº 70/91, estando ela inserida no seio de uma lei tributária geral poderia esta lei revogar uma norma de isenção constante de uma lei específica assim qualificada pela Constituição?
O deslinde desta questão merece um exame mais detido. Se a Constituição Federal obriga a edição de lei específica para a concessão da isenção, conseqüentemente a sua revogação somente pode ocorrer também por meio de lei específica.
Note-se que a Lei de Introdução ao Código Civil fala por seu artigo 2º, § 2º, em disposições gerais ou especiais e a Constituição fala em lei específica (no caso, lei federal) que regule exclusivamente a isenção ou exclusivamente o tributo ou contribuição.
Ocorre que os termos “especial” e “específico” são sinônimos como se pode colher de qualquer dicionário. Portanto, em ambos os casos o entendimento é o mesmo, ou seja, a lei nova que estabelece disposições gerais sobre diversos tributos não pode revogar uma lei específica que regula exclusivamente a COFINS.
Não se pode compreender uma lei específica para a concessão e outra geral, distinta, para a revogação de isenção, pois os seus efeitos tanto de uma norma quanto da outra atingem a esfera patrimonial do contribuinte, razão pela qual mereceram especial atenção e proteção na Carta Magna.
Quando a Constituição prescreve que a isenção somente poder ser concedida por lei específica é esta lei específica que agrega ao patrimônio do contribuinte esta contranorma de isenção, diminuindo o campo de incidência do tributo.
Se o patrimônio do contribuinte está protegido por lei específica esta proteção somente pode ser retirada também por lei específica.
Tal conclusão tem escora no princípio da legalidade e no princípio da isonomia que devem orientar a relação jurídica tributária quanto aos seus sujeitos ativo e passivo e também na própria Lei de Introdução ao Código Civil por seu artigo 2º, § 2º.
Feitas as considerações supra e partindo a suposição que a norma do artigo 56 da Lei nº 9.430/96 seria uma norma de revogação da isenção prevista no inciso II do artigo 6º da Lei Complementar nº 70/91, o que não é como já demonstrado, mesmo assim, é possível concluir:
a) a isenção do inciso II do artigo 6º da Lei Complementar nº 70/91 foi conferida às sociedades civis de prestação de serviços de profissão regulamentada por lei específica como manda o § 6º do artigo 150 da Constituição; e,
b) por consequência não pode ser revogada por lei geral em matéria tributária como é a Lei nº 9.430/96 em obediência ao prescrito na Lei de Introdução ao Código Civil por seu artigo 2º, § 2º.
III – Conclusões
Diante do que já foi exposto anteriormente, convém reproduzir as conclusões alcançadas no correr do presente estudo, as quais são as seguintes:
1ª – Para que exista uma norma jurídica tributária específica de isenção deverá haver o pressuposto de incidência de determinado tributo também fixado em outra norma jurídica tributária específica; a norma jurídica tributária de isenção pressupõe sempre a existência da norma jurídica tributária de incidência.
2ª – A norma de isenção é claramente contraposta à norma de incidência e pode mutilar esta última em algum dos seus aspectos, o pessoal, o material, o espacial e o temporal.
3ª – Nos termos das normas jurídicas de incidência da COFINS insertas nos artigos 1º e 2º da Lei Complementar nº 70/91, todas as vendas de serviços realizadas por qualquer pessoa jurídica, sejam eles quais forem, estão dentro do campo de incidência da COFINS.
4ª – A contraposição da norma de isenção das sociedades civis de profissão regulamentada a que se refere o inciso II do artigo 6º da mesma Lei Complementar nº 70/91 pressupõe a norma de incidência inserta nos artigos 1º e 2º da Lei Complementar nº 70/91 pela qual estas sociedades específicas estariam sujeitas a tal contribuição.
5ª – A isenção da venda de serviços (aspecto material) realizada por estas sociedades civis de profissão regulamentada (aspecto pessoal) pode ser contraposta à norma de incidência que prevê a venda de serviços por qualquer pessoa jurídica como hipótese de incidência da COFINS.
6ª – A norma jurídica tributária de isenção da COFINS para as sociedades civis de profissão regulamentada, contrapôs-se à norma de incidência mutilando parcialmente o seu aspecto pessoal.
7ª – O artigo 56 da Lei nº 9.430/91 tem natureza de norma jurídica tributária de incidência da COFINS.
8ª – A norma de incidência da COFINS prescrita no artigo 56 da Lei nº 9.430/96 está circunscrita na norma de incidência da COFINS prescrita nos artigos 1º e 2º da Lei Complementar nº 70/91. Isto vale dizer que tais normas representam círculos concêntricos onde o circulo maior dos artigos 1º e 2º da Lei Complementar nº 70/91 alberga o circulo menor do artigo 56 da Lei nº 9.430/96 (para um melhor entendimento da questão).
9ª – O artigo 56 da Lei nº 9.430/91 não revogou o inciso II do artigo 6º da Lei Complementar nº 70/91 por que:
a) em primeiro lugar, o artigo 6º, II da Lei Complementar nº 70/91 não foi revogado expressamente quer pela Lei nº 9.430/96 ou outra até o momento,;
b) em segundo lugar, tal artigo 56 tem a natureza de norma jurídica tributária de incidência da COFINS estando circunscrita na norma anterior de incidência dos artigos 1º e 2º da Lei Complementar nº 70/91, como visto anteriormente; e, finalmente,
c) em terceiro lugar, porque estando a norma do artigo 56 da Lei nº 9.430/96 circunscrita na norma anterior de incidência dos artigos 1º e 2º da Lei Complementar nº 70/91 este norma da lei ordinária foi estabelecida a par das já existentes da Lei Complementar que já previa a incidência da COFINS.
10ª – O artigo 56 da Lei nº 9.430/96, por estabelecer norma de incidência da COFINS a par da existente nos artigos 1º e 2º da Lei Complementar nº 70/91, não revogou tais dispositivos.
11ª – Como o artigo 56 da Lei nº 9.430/96 mandou observar expressamente as normas da Lei Complementar, obviamente dentre estas o inciso II do seu artigo 6º, haver-se á de concluir que restou mantida em vigor a isenção concedida pela lei específica.
12ª – A isenção do inciso II do artigo 6º da Lei Complementar nº 70/91 foi conferida às sociedades civis de prestação de serviços de profissão regulamentada por lei específica como manda o § 6º do artigo 150 da Constituição.
13ª – Sendo conferida a isenção por lei específica, a mesma não pode ser revogada por lei geral em matéria tributária como é a Lei nº 9.430/96 em obediência ao prescrito na Lei de Introdução ao Código Civil por seu artigo 2º, § 2º.
14ª – Finalmente, em virtude das conclusões anteriores é possível afirmar que a isenção do inciso II do artigo 6º da Lei Complementar nº 70/91, conferida às sociedades civis de prestação de serviços de profissão regulamentada por lei específica como manda o § 6º do artigo 150 da Constituição, permanece em vigor.
Londrina, 26 de fevereiro de 2.008.
Frederico de Moura Theophilo – OAB-PR 8719
[1] 1. Agravo Regimental interposto contra decisão que, com base no art. 557, § 1º, do CPC, deu provimento ao recurso especial ofertado pela parte agravada.
2. A Lei Complementar nº 70/91, de 30/12/1991, em seu art. 6º, II, isentou, expressamente, da contribuição da COFINS, as sociedades civis de que trata o art. 1º, do Decreto-Lei nº 2.397, de 22/12/1987, sem exigir qualquer outra condição senão as decorrentes da natureza jurídica das mencionadas entidades.
3. Em conseqüência da mensagem concessiva de isenção contida no art. 6º, II, da Lei Complementar nº 70/91, fixa-se o entendimento de que a interpretação do referido comando posto em Lei Complementar, conseqüentemente, com potencialidade hierárquica em patamar superior à legislação ordinária, revela que serão abrangidas pela isenção da COFINS as sociedades civis que, cumulativamente, apresentem os seguintes requisitos:
– sejam sociedades constituídas exclusivamente por pessoas físicas domiciliadas no Brasil;
– tenham por objetivo a prestação de serviços profissionais relativos ao exercício de profissão legalmente regulamentada; e
– estejam registradas no Registro Civil das Pessoas Jurídicas.
4. Outra condição não foi considerada pela Lei Complementar, no seu art. 6º, II, para o gozo da isenção, especialmente, o tipo de regime tributário adotado para fins de incidência ou não de Imposto de Renda.
5. Posto tal panorama, não há suporte jurídico para se acolher a tese da Fazenda Nacional de que há, também, ao lado dos requisitos acima elencados, um último, o do tipo de regime tributário adotado pela sociedade. A Lei Complementar não faz tal exigência, pelo que não cabe ao intérprete criá-la.
6. É irrelevante o fato de a recorrente ter optado pela tributação dos seus resultados com base no lucro presumido, conforme lhe permite o art. 71, da Lei nº 8.383/91 e os arts. 1º e 2º, da Lei nº 8.541/92. Essa opção terá reflexos para fins de pagamento do Imposto de Renda. Não afeta, porém, a isenção concedida pelo art. 6º, II, da Lei Complementar nº 70/91, haja vista que esta, repita-se, não colocou como pressuposto para o gozo da isenção o tipo de regime tributário seguido pela sociedade civil. (grifado)
7. A revogação da isenção pela Lei nº 9.430/96 fere, frontalmente, o princípio da hierarquia das leis, visto que tal revogação só poderia ter sido veiculada por outra Lei Complementar.
8. Agravo regimental não provido.
(AgRg no RECURSO ESPECIAL Nº 422.741 – MG (2002/0035148-1) – RELATOR: MINISTRO JOSÉ DELGADO)
[2] E M E N T A: recurso extraordinário – sociedade civil de prestação de serviços profissionais relativos ao exercício de profissão legalmente regulamentada – cofins – modalidade de contribuição social – outorga de isenção por Lei Complementar (LC nº 70/91) – matéria não submetida à reserva constitucional de Lei Complementar – conseqüente possibilidade de utilização de lei ordinária (lei nº 9.430/96) para revogar, de modo válido, a isenção anteriormente concedida pela Lei Complementar nº 70/91 – inexistência de violação constitucional – a questão concernente às relações entre a Lei Complementar e a lei ordinária – inexistência de vínculo hierárquico-normativo entre a Lei Complementar e a lei ordinária – espécies legislativas que possuem campos de atuação materialmente distintos – doutrina – precedentes (STF) – recurso de agravo improvido –
(AG.RG. NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO nº 516053/SP
– Relator Min. CELSO DE MELLO)
[3] Ver Recursos Extraordinários nºs. 377.457/PR e 381.964/MG – julgamento em 14.03.2007 – pedido de vista do Min. Marco Aurélio – Informativo STF 459
[4] CURSO DE DIREITO TRIBUTÁRIO – Editora Saraiva – 4ª Edição – S. Paulo, 1991 – pgs. 154/155
[5] HIPÓTESE DE INCIDÊNCIA TRIBUTÁRIA – Malheiros Editores – 5ª Edição, 5ª Tiragem – S. Paulo 1996 – pgs. 49
[6] PARECERES-1 IMPOSTO DE RENDA – Edição Póstuma – Coordenação IBET –Instituto Brasileiro de Estudos Tributários – Editora Resenha Tributária – São Paulo, 1975, pgs.267
[7] TEORIA GERAL DO DIREITO TRIBUTÁRIO – Editora Saraiva – 2ª Edição – S. Paulo – pgs. 277
[8] JOSÉ SOUTO MAIOR BORGES
“in” ISENÇÕES TRIBUTÁRIAS – 2ª edição, 1980- Sugestões Literárias, São Paulo/SP – pgs.162/163
[9] Obra citada – pgs. 70/71
[10] Obra citada – pgs. 328/333
[11] CURSO DE DIREITO CIVIL (Introdução, Parte Geral e Teoria dos Negócios Jurídicos) – Volume I – 2ª edição – 1957 – Livraria Freitas Bastos S.A. – Págs. 93 a 96
[12] “Teoria Geral do Direito Tributário”, 2ª edição, Ed. Saraiva, São Paulo-SP, pgs. 104/105
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