Resumo: Dispõe o presente artigo à identificação do histórico e características do novo instituito das empresas individuais de responsabilidade limitada. Especialmente, visa à análise da natureza jurídica, a correta identificação da espécie e suas consequências decorrentes de eventual decretação de falência, em especial para a responsabilidade do titular da empresa individual de responsabilidade limitada.
Sumário: 1 Introdução; 2 Um adequado histórico da nova EIRELI; 3 Conceito de Empresário individual e a nova natureza jurídica; 4 Características da Empresa Individual de Responsabilidade Limitada; 5 Responsabilidade do EIRELI; 6 A falência do antigo empresário individual; 7 Conclusão; Notas de referência; Referências Bibliográficas.
Palavras-chave: Direito Empresarial; Empresa individual de responsabilidade limitada; Falência.
1 Introdução
A recente mudança no Direito Empresarial brasileiro decorrida da lei n°12.441, de 11 de julho de 2011, na instituição da Empresa Individual de Responsabilidade Limitada, reascendeu antiga discussão sobre o tão esperado novo instituto, suas características e responsabilidades. Todavia, ainda não são profundos os debates sobre a falência e consequentes repercussões sobre a destinação do patrimônio do titular da nova pessoa jurídica, nem mesmo os direitos de seus credores.
É fácil dizer que, ao contrário do tradicional empresário individual, o titular da empresa individual de responsabilidade limitada, a denominada EIRELI, passará a ter responsabilidade limitada e que haverá imposição do patrimônio pessoal da pessoa física somente em caso de abuso de personalidade. Razão que denotou o veto do §4º do art.980-A, na mesma lei n°12.441/111. Mas o objeto do presente artigo visa à análise da EIRELI diante da lei de falências e recuperação de empresas (Lei n°11.101/05), para a correta constatação da verdadeira responsabilidade e reflexos econômicos da falência desta nova espécie de pessoa jurídica.
2 Um adequado histórico da nova EIRELI
Diversos são os artigos comentando as informações constantes do próprio projeto de lei (PL n°4.605/2009), enfatizados na acertada e elogiosa iniciativa do Deputado Federal Marcos Montes Cordeiro (DEM-MG). Importa acrescentar que o projeto se embasou em dois importantes colaboradores, a seguir relembrados.
O primeiro colaborador, conforme mencionado no teor próprio projeto de lei, foi Guilherme Duque Estrada de Moraes. Seu artigo sobre a necessidade de uma lei que atribuísse ao empresário individual a responsabilidade limitada foi embasamento teórico utilizado no projeto de lei n°4.605/2009. Assim, vale conhecer que Guilherme Duque Estrada de Moraes foi “coordenador e entusiasta da desburocratização e da modernização das estruturas e práticas da administração pública”2 apaixonado pelo assunto, que infelizmente não chegou a vivenciar a concretização de sua idealização, em razão de seu trágico falecimento no voo 3054 da TAM em 17/07/2007. Mas seu artigo serviu de combustível para com a necessidade da instituição do empresário individual de responsabilidade limitada, ao conclamar a existência do instituto em vários ordenamentos jurídicos estrangeiros, demonstrando elegantemente que o Brasil encontrava-se atrasado no tratamento do empresário individual.
O segundo colaborador que merece registro foi o professor Paulo Vilela Cardoso3, estudioso mineiro da cidade de Uberaba/MG, quem auxiliou o Dep. Marcos Montes Cordeiro na apurada análise das legislações estrangeiras que serviram de base para a formatação do instituto. Elogia-se a perseverante equipe encabeçada pelo professor na pesquisa dos diversos institutos estrangeiros para o desenvolvimento do projeto que resultou na lei n°12.441.
Justo reverenciar os colaboradores que levaram adiante a pesquisa e o entusiasmo para que o instituto surgisse. Aliás, não se pode olvidando dos esforços já existentes antes mesmo dos projetos de lei que fizeram nascer a lei 12.441. A exemplo, relembra-se dos estudos de Calixto Salomão Filho em sua obra “A sociedade unipessoal”4. Também importante foi o projeto para reformulação da então antiga e revogada Lei de Sociedade por quotas de responsabilidade limitada, capitaneado pelo professor Arnoldo Wald, que já pretendia a criação da sociedade unipessoal, restando todavia prejudicado pela superveniência da lei n°10.406/02, o então novo Código Civil.
Inclusive, a apesar da EIRELI não ser espécie de sociedade, conforme se explicará mais adiante, lembra-se que existem no direito brasileiro duas formas excepcionais de sociedades unipessoais. Tratam-se das empresas públicas, comumente constituídas com a integralidade do capital titularizado por um único Ente Público (art.5º., II, do Decreto-lei n°200/1967); e ainda a subsidiária integral (art.251 da LSA, Lei n°6.404/1976), em crescente utilização, a qual configura em sociedade anônima constituída com por único acionista que seja sociedade brasileira. Ademais, assevera-se que o instituto da empresa individual de responsabilidade limitada e das sociedades unipessoais não são novos no cenário internacional.
Aliás, o renomado Professor Sylvio Marcondes Machado5 já apontava em sua obra na década de cinquenta do século passado a necessidade de um empresário individual de responsabilidade limitada. Lembra o autor que a doutrinária internacional é antiga, quando no século XIX juristas como Jessel, Passov e Oscar Pisko já pensavam na responsabilidade limitada ao comerciante individual6.
São vários os exemplos de institutos vigentes no Direito Comparado, exemplificando os principais: em Liechtenstein, do denominado anstalt, de 1926; na Dinamarca, pela lei n°371 de 1973; na Alemanha, da sociedade unipessoal, constante da GmbH-Novelle, de 1980; na França, da enterprise uniperssonelle à responsabilité limitée, da lei 85-697 de 1985; em Portugal, do estabelecimento individual de responsabilidade limitada, Decreto-lei n°248/86 (este praticamente substituído pelo uso corrente da sociedade por quotas unipessoal conforme o Decreto-lei n°257/96); nos Países Baixos, pela lei de 16/03/1986; na Bélgica, pela lei de 14/07/1987. Inclusive, consta a própria diretiva da União Europeia aos seus Estados-membros, para a constituição da sociedade unipessoal, nos termos da Diretiva n°89/667/CEE do Conselho, de 21 de dezembro de 1989:
“2º 1. A sociedade pode ter um sócio único no momento da sua constituição, bem como por força da reunião de todas as partes sociais numa única pessoa (sociedade unipessoal)”.7
Referida diretiva influenciou as adequações legislativas para a sociedade unipessoal na Espanha (Lei nº2, de 1995), em Portugal (Decreto-lei n°257, de 1996) e na Itália, com a società a responsabilità limitata unipersonale, constante da reforma do Código Civil em 1993 derivada do Decreto-legislativo n°88.
Saindo do continente europeu, indica a boa doutrina a existência da sociedade unipessoal em diversos estados dos Estados Unidos, no Japão e até mesmo na África do Sul.
Dentre os países da América do Sul, registram-se também figuras semelhantes ao empresário individual, ou a própria sociedade unipessoal, como no Paraguai, desde 1983, pela lei 1.034; também no Chile, através da Lei nº19.857 de 2003; e no Peru, através da Lei 21.621, atualizada em 31/10/2005.
Justamente com base nessas legislações que a Lei nº12.441 foi desenvolvida, conforme natureza e características a serem elucidadas a seguir.
3 Conceito de Empresário individual e a nova natureza jurídica
Dentre os doutrinadores, uma das melhores conceituações do antigo empresário individual é de Marlon Tomazette8, ao preceituar que este é a pessoa física que exerce a empresa em seu próprio nome, assumindo todo o risco da atividade. Veja-se que se trata da própria pessoa física na qualidade de titular da referida atividade de empresa, mesmo que lhe seja atribuída a inscrição no CNPJ.
No costume de explanar o assunto em sala de aula, descrevemos que o empresário individual é necessariamente a pessoa física em atividade profissional de empresa, cabendo-lhe somente o registro regular nas Juntas Comercial. Fato semelhante ao que fazem outros profissionais de variadas atividades, a exemplo do representante comercial, corretor de imóveis, dentre outros. Aliás, não se permite ao empresário individual se diferençar entre pessoa física e pessoa jurídica, posto que não se atribui a “psicopatologia” de personalidade múltipla, o que de forma cômica e particular seria conveniente em vários momentos na vida pessoal do empresário. E a inscrição no Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas? Perguntaria o aluno. A inscrição se faz meramente para fins contábeis e organizacionais. Inclusive, vale lembrar que a equiparação do empresário individual a pessoa jurídica somente se faz pela Receita Federal para fins meramente contábeis9.
A conceituação do empresário individual continua vigente, pois não houve, nem mesmo haverá a extinção deste.
Quanto à empresa individual de responsabilidade individual, esta não se confunde, nem substitui o clássico empresário individual.
A EIRELI é nova espécie de pessoa jurídica, de titularidade unipessoal, a qual entrará em vigor em 08 de janeiro de 2012, 180 dias após a publicação da Lei nº12.441/2011, conforme seu art.3º.
Compreendendo-se não se tratar de espécie de empresário individual, vale discorrer sobre a natureza jurídica da nova EIRELI.
A discussão sobre a natureza da EIRELI ganha relevância em razão do artigo 2º. da Lei n°12.441/11, que determina a inclusão no rol20 de pessoas jurídicas de direito privado previsto no artigo 44 do Código Civil, do inciso VI que preverá justamente “as empresas individuais de responsabilidade limitada”. Note-se que o termo adotado pelo legislador denotou curiosa confusão com a atividade de empresa, preferindo-se atribuir a denominação “empresa individual” ao invés de empresário individual11. Assim, reitera ser incorreto afirmar que a lei nº12.441/11 criou nova espécie de empresário individual, posto que verifica-se verdadeira instituição de nova pessoa jurídica.
Portanto, a doutrina passará a estudar o empresário (sujeito responsável pela atividade de empresa) em três modalidades: 1. Empresário individual, com natureza de pessoa física, com responsabilidade ilimitada ou pessoal sobre as obrigações da atividade; 2. As sociedades empresárias, tratando-se de pessoas jurídicas de pluralidades de titulares, cujas responsabilidades se verificam a cada espécie (sociedade anônima, sociedade limitada, sociedade em nome coletivo, sociedade em comandita simples e sociedade em comandita por ações); e 3. A Empresa individual de responsabilidade limitada, pessoa jurídica com titularidade unipessoal, com responsabilidade limitada das obrigações da atividade ao patrimônio constituído.
Ao pretender iniciar a atividade formal de empresa de forma individual, caberá ao empreendedor optar por uma das duas modalidade, a qual melhor atenda a seus critérios de atuação, observando suas características e vantagens legalmente previstas.
Destarte, impende conhecer as características da nova empresa individual de responsabilidade limitada a ser adotada conforme pretendeu a lei 12.441/11.
4 Características da Empresa Individual de Responsabilidade Limitada
Apesar de mencionado nos variados artigos produzidos para comentários da nova lei 12.441/11 a respeito da EIRELI, importa também comentar sobre suas principais características, especialmente para integrar o leitor para os pontos de discussão do presente trabalho.
As regras características da empresa individual de responsabilidade limitada serão dispostas no novo artigo 980-A do Código Civil, estranhamente incluído no Capítulo II de Capacidade do Título I do Empresário que inaugura o livro de Direito de Empresa da codificação civil12.
Quanto à sua constituição, será a EIRELI titularizada por uma única pessoa, a qual deverá integralizar todo o capital social. Surge a primeira indagação se o termo “pessoa” se refere somente à pessoa física ou se permitirá também a pessoa jurídica. O caput do art.980-A comenta somente a constituição por “pessoa”, mas o §2º. do mesmo artigo que esclarece “a pessoa natural que constituir empresa individual de responsabilidade limitada somente poderá figurar em uma única empresa dessa modalidade”. A ideia trabalhada pelos autores em discussão da nova EIRELI é para a titularidade por pessoas naturais, em semelhança ao empresário individual. Todavia, parece-nos que o art.980-A teve redação falha ao não delimitar expressamente a proibição de titularização de empresa individual por outra pessoa jurídica13.
Conforme comentado anteriormente, o capital da empresa individual deverá ser antecipadamente integralizado para sua constituição na Junta Comercial, determinando a nova legislação que o capital social não poderá ser inferior a 100 (cem) vezes o maior salário-mínimo vigente no país, atualmente correspondente a R$54.500,00 (cinquenta e quatro mil e quinhentos reais)14.
Ainda em sua criação, é interessante apontar que a EIRELI poderá ser resultante de transformação de pessoa jurídica anterior, empresário individual anterior ou mesmo de concentração de quotas de outra modalidade societária em um único sócio, independentemente das razões que motivaram tal concentração (art.980-A, §3º.). Constata-se que a iniciativa do novo instituto é estimular a organização e reestruturação de empresários individuais informais. Visa também ao afastamento de sociedades limitadas simuladas constituídas com sócios que emprestam seu nome para a pluralidade de titulares; e ainda busca impedir a imediata extinção da sociedade que incorra em unipessoalidade de sócios.
Da previsão de unipessoalidade de sócios, relembre-se que o art.1.033 do Código Civil prevê no inciso IV a dissolução das sociedades pela falta de pluralidade de sócios, quando esta não for reconstituída no prazo de 120 (cento e vinte) dias. Assim, a Lei nº12.441/11 determinou nova redação ao parágrafo único daquele artigo, permitindo a transformação da sociedade para empresário individual15 ou empresa individual de responsabilidade limitada.
Todavia, cumpre observar a vigente Instrução Normativa nº112 de 12 de abril de 2010 do DNRC – Departamento Nacional de Registro de Comércio, que dispõe sobre processo de transformação de sociedades empresárias, contratuais, em empresário e vice-versa. Referida instrução veda expressamente a transformação de empresário em sociedade e vice-versa quando se tratar de sociedades anônimas, sociedades simples e cooperativas. A todo sentir, parece ser a mesma intenção do legislador para com a vedação de transformação de sociedades anônimas resultarem em transformações para a EIRELI, ou vice-versa. Razão para tanto foi a limitação do legislador para no §3º. do novo art.980-A para a concentração de “quotas”, não abrindo ensejo para a condição de ações.
Contudo, ao tempo que não haveria impedimento a transformação de sociedades simples em EIRELI, desde que alterado o objeto de atividade social, haveria reservas também à possibilidade de transformação das sociedades cooperativas em empresa individual de responsabilidade individual. Em pessoal análise, consideramos que melhor será a manutenção do entendimento da instrução normativa para a vedação de transformação de sociedades cooperativas, permitida somente a transformação de sociedades simples em EIRELI, passando a adotar obviamente a atividade empresarial.
Determina ainda a nova lei que o nome empresarial da EIRELI poderá figurar como firma, conforme o nome do empresário individual, ou denominação, permitindo-se a utilização de termo fantasioso que infira a atividade a ser realizada16, desde que ambos sejam acompanhados pela expressão “EIRELI”.
Por derradeiro, nos termos do §6º do art.980-A, aplicar-se-ão à empresa individual de responsabilidade limitada, no que couber, as mesmas regras previstas às sociedades limitadas. Logo, convida-se à compreensão das novas atribuições de responsabilidade ao empresário individual constituído como EIRELI, conforme se segue.
5 Responsabilidade do EIRELI
Indicada a aplicação supletiva das normas de sociedades limitadas à EIRELI, caberá a norma de responsabilidade do art.1.052 do Código Civil. Ou seja, a responsabilidade pelas obrigações decorrentes da atividade de empresa se limitará ao patrimônio constituído à própria pessoa jurídica. Razão para tanto foi a limitação da EIRELI a um patrimônio mínimo de 100 (cem) salários mínimos. Buscou o legislador a futura proteção aos credores por um patrimônio minimamente garantido.
Da responsabilidade limitada ao patrimônio da pessoa jurídica, não caberá a responsabilização do patrimônio pessoal do titular, tampouco a responsabilidade subsidiária prevista nos artigos 1.023 e 1.024 do Código Civil, aplicável às sociedades simples. Sendo a EIRELI verdadeira pessoa jurídica, finalmente se permitiu a fração do universo patrimonial do titular entre patrimônio empresarial e patrimônio real.
No entanto, será possível a atribuição de responsabilidade à pessoa natural titular da EIRELI, dada a sujeição legal às medidas excepcionais de desconsideração da personalidade jurídica, seja nos termos do art.50 do Código Civil, sejam pelas demais previsões legais em situações especiais17.
Razão para tanto foi o veto do §4º do previsto art.980-A ocorrido na Lei n°12.441/2011, formalizado pela Presidência da República em atendimento a manifestação do Ministério do Trabalho e Emprego para que que a pretensa redação não causasse confusões diante da possibilidade de responsabilidade pessoal do sócio titular da empresa individual por abuso de personalidade jurídica, conforme casos legais de desconsideração da referida personalidade.
Consagrou-se, portanto, a sonhada previsão de limitação de responsabilidade de atividade do empresário individual, diante da EIRELI. Não sendo caso de abuso de personalidade que justifique a desconsideração da personalidade jurídica, restringir-se-á à execução de crédito por credor da EIRELI somente ao esgotamento dos bens constantes do patrimônio empresarial, cabendo em caso de insolvência, o pedido de decretação de falência, em processo especial de concorrência de credores.
Oportunamente, comenta-se a preocupante e previsível prática das instituições financeiras e demais credores relacionados para a burla da limitação de responsabilidade da nova EIRELI.
Em princípio, destaca-se a possibilidade da EIRELI ser objeto de discriminação comercial diante da previsão de contratações, justamente pela limitação de responsabilidade. Incorreria na distinção de oferta de linhas de crédito para contratação no mercado, quando sabidamente as sociedades empresárias possuem melhores oportunidades de crédito que empresários individuais. De outro lado, vale a simples técnica de afastar a limitação de responsabilidade, como hodiernamente é praticado com as sociedades limitadas. Para desfazer a limitação de responsabilidade da EIRELI, bastará que o credor exija a constituição de garantias pessoais, impondo-se a aposição de aval sobre contratos de financiamento e cédulas bancárias, o que automaticamente implicará na subsidiária responsabilidade pessoal do sócio titular da empresa individual.
De qualquer forma, a análise da nova empresa individual de responsabilidade limitada demanda o apurado estudo diante da falência, nos termos da lei 11.101/2005, merecendo considerações.
6 A falência do antigo empresário individual
Previu o artigo 2º. da lei 11.101 de 02 de fevereiro de 2005 a aplicação do benefício da recuperação de empresas e falências às sociedades empresárias18, inclusive ao empresário individual.
Sobre o empresário individual, sempre se criticou que a eventual declaração de falência deste se resumiria à verdadeira constrição e alienação da integralidade de seu patrimônio, respeitando-se somente os bens absolutamente impenhoráveis do art.649 do Código de Processo Civil e os bens de família protegidos pela lei nº8.009/90, conforme preceitua o art.108, §4º da lei de falências.
Pacífica é a possibilidade de recuperação de crédito pelo empresário individual, benefício correntemente utilizado, tanto para a recuperação judicial ordinária (arts.47 a 69 da Lei 11.101/05) quanto para a recuperação judicial especial de empresários individuais optantes pelo Simples Nacional (arts.70 a 72 da Lei 11.101/05).
Contudo, importa que a falência do empresário individual preverá a arrecadação de todo o seu patrimônio pessoal, bem como a inabilitação do empresário para a atividade empresarial durante todo o processo falimentar, conforme art.102 da mesma lei falimentar.
Art. 102. O falido fica inabilitado para exercer qualquer atividade empresarial a partir da decretação da falência e até a sentença que extingue suas obrigações, respeitado o disposto no § 1o do art. 181 desta Lei.
Parágrafo único. Findo o período de inabilitação, o falido poderá requerer ao juiz da falência que proceda à respectiva anotação em seu registro.
Nos termos do art.103, desde a decretação da falência, o devedor perde o direito de administrar os seus bens ou deles dispor.
Art. 103. Desde a decretação da falência ou do sequestro, o devedor perde o direito de administrar os seus bens ou deles dispor.
Parágrafo único. O falido poderá, contudo, fiscalizar a administração da falência, requerer as providências necessárias para a conservação de seus direitos ou dos bens arrecadados e intervir nos processos em que a massa falida seja parte ou interessada, requerendo o que for de direito e interpondo os recursos cabíveis.
E no caso da EIRELI, como ficaria?
Fato de fácil constatação é que, acaso seja decretada a falência da EIRELI, incorrerá a arrecadação somente dos bens de propriedade da pessoa jurídica de atividade empresarial, não cabendo a arrecadação dos bens pessoais do titular da empresa individual para pagamento aos credores. Todavia, seriam aplicáveis ao titular da EIRELI as normas previstas nos artigos 102 e 103 acima citados?
A resposta em princípio é negativa. A previsão de inabilitação do art.102 é somente ao empresário, ou seja, ao empresário individual ou à própria sociedade empresária. No caso da EIRELI, a inabilitação seria à própria pessoa jurídica, e não ao seu titular pessoa natural. Deve-se lembrar que os sócios na sociedade empresária, se de responsabilidade limitada, não serão considerados falidos, salvo no caso de extensão da falência por meio da desconsideração da personalidade jurídica19. Desta forma, o titular da EIRELI somente seria atingido em casos excepcionais, se acaso a falência fosse estendida justificadamente sobre a pessoa natural, em razão de seus atos, como explica o professor Gladston Mamede sobre a possibilidade do juiz estabelecer a inabilitação de forma extensiva aos sócios ou administradores na falência de sociedades20.
Eis o problema. Decretada a falência, sem que seja motivada a sentença extensiva dos seus efeitos, os credores assistirão à completa liberação do titular pessoa natural da EIRELI sobre as obrigações decorrentes daquela atividade empresarial. Fato que também ocorre às falências das sociedades empresárias.
Certamente que dentro do próprio processo falimentar caberá nos termos do art.82 da Lei Falimentar a propositura de incidente de apuração de responsabilidade do sócio-administrador da EIRELI, permitindo-se a identificação eventuais atos ilícitos e crimes falenciais capazes de alcançar o patrimônio pessoal do empresário individual.
Mas, em regra, o titular da EIRELI não será atingido.
Mesmo que a inabilitação se estenda até a sentença que efetivamente declare a extinção das obrigações, essa não dirá respeito ao titular da EIRELI, que poderá ser sócio de outras sociedades empresárias ou, pasmem, registrar-se como empresário individual, em sua figura clássica.
Sabe-se que as obrigações do falido perante seus credores não se extingue pela mera arrecadação e alienação de patrimônio, perdurando pelo prazo de até 5 ou 10 anos, conforme previsto pelo art.158 da lei falimentar:
Art. 158. Extingue as obrigações do falido:
I – o pagamento de todos os créditos;
II – o pagamento, depois de realizado todo o ativo, de mais de 50% (cinquenta por cento) dos créditos quirografários, sendo facultado ao falido o depósito da quantia necessária para atingir essa porcentagem se para tanto não bastou a integral liquidação do ativo;
III – o decurso do prazo de 5 (cinco) anos, contado do encerramento da falência, se o falido não tiver sido condenado por prática de crime previsto nesta Lei;
IV – o decurso do prazo de 10 (dez) anos, contado do encerramento da falência, se o falido tiver sido condenado por prática de crime previsto nesta Lei.
Assim, somente após o decurso dos prazos dos incisos III ou IV, ou diante a da raríssima hipótese de pagamento integral de todos os créditos ou da possível ocorrência de pagamento de mais de 50% (cinquenta por cento) dos créditos quirografários (claro, pagos os créditos de preferência anterior a estes), poderá o falido requerer em juízo a sentença que declare a extinção de suas obrigações (art.159), para finalmente desabilitar o impedimento do art.102.
Ora, a continuidade das obrigações não atinge os sócios da sociedade falida, e também não atingirá o titular da EIRELI, salvo nas hipóteses de identificação superveniente de bens que foram irregular ou ilicitamente alienados, ou créditos de direito do falido em recebimento judicial ou não, podendo ser exigidos pelos credores que ainda não tenham recebido na concorrência falimentar. Mas os prazos do art.158 em nada impedirão o titular da EIRELI de exercer outra profissão ou mesmo titularizar quotas ou ações em outras sociedades empresárias. E, como já dito, poderá sim realizar na junta comercial sem qualquer impedimento nova inscrição de empresário individual, só não podendo criar nova EIRELI, em face do impedimento de figurar em uma empresa individual por vez, conforme o novo art.980-A, §2º do CCB.
7 Conclusão
Em conclusão, a decretação de falência da EIRELI deverá seguir os mesmos moldes da falência das sociedades empresárias, causando espécie o fato de que o impedimento de exercício de atividade empresarial não atingirá seu titular, permitindo sua continuidade ou mesmo novo registro como empresário individual, mesmo antes do encerramento da falência.
O certo é que caberá aos credores a devida atenção na imputação de confusões patrimoniais ou sucessões empresárias em atividades paralelas pelo titular da EIRELI. Por ventura, comenta-se também a atribuição de responsabilidade em grupos empresariais que permita a extensão dos efeitos da falência, considerando-se inclusive a aplicação da “desvirtuada”, mas nobre, desconsideração de personalidade do Direito Trabalhista ao titular da EIRELI em casos de inadimplemento de créditos dessa natureza.
Em verdade, da real previsão de responsabilidade limitada, importa aos credores a adequada identificação de riscos a cada operação celebrada. Fato que justifica a correta contratação de consultoria jurídica especializada que indique medidas lícitas que assegurem o crédito e minimizem o risco de inadimplemento. São precauções que permitem a boa continuidade das atividades empresárias.
Por fim, desenvolvidas as considerações, a elogiosa criação da empresa individual de responsabilidade limitada conclama maiores estudos e a futura e esclarecedora determinação normativa do DNRC – Departamento Nacional de Registro de Comércio para seu procedimento de instituição, as possíveis transformações e decorrentes peculiaridades. Ademais, caberá às próprias regras de mercado a moldagem do instituto e sua real aplicabilidade.
Notas de referência:
1. A Lei 12.441/2011 sofreu veto presidencial quanto ao §4º. Do art.980-A, que teria a seguinte redação: “§ 4º Somente o patrimônio social da empresa responderá pelas dívidas da empresa individual de responsabilidade limitada, não se confundindo em qualquer situação com o patrimônio da pessoa natural que a constitui, conforme descrito em sua declaração anual de bens entregue ao órgão competente”. O veto teve as seguintes razões: “Não obstante o mérito da proposta, o dispositivo traz a expressão ‘em qualquer situação’, que pode gerar divergências quanto à aplicação das hipóteses gerais de desconsideração da personalidade jurídica, previstas no art. 50 do Código Civil. Assim, e por força do § 6º do projeto de lei, aplicar-se-á à EIRELI as regras da sociedade limitada, inclusive quanto à separação do patrimônio”.
2. Conforme biografia do próprio Instituto Hélio Beltrão, do qual foi vice-presidente (Disponível em: <http://np3.brainternp.com.br/templates/ihb/>). O Instituto Hélio Beltrão é instituto responsável por várias pesquisas e projetos de desburocratização no Brasil. Inclusive, atribui-se ao ex-ministro Hélio Beltrão a iniciativa às sociedades unipessoais desde a década de 80.
3. Site do professor Paulo Vilela Cardoso, que relata o desenvolvimento da pesquisa, disponível em: <http://www.vilelacardoso.com.br/empresario-individual/apresentacao>.
4. SALOMÃO FILHO, Calixto. A sociedade unipessoal. São Paulo: Malheiros, 1995.
5. MACHADO, Sylvio Marcondes. Limitação da responsabilidade de comerciante individual. São Paulo: Max Limonad, 1956.
6. MACHADO, Sylvio Marcondes apud NONES, Nelson. A sociedade unipessoal: uma abordagem à luz do Direito Italiano, Espanhol e Português. In: Novos Estudos Jurídicos. Ano VI, n.12., p.13-32, abril/2001. Disponível em: <http://www6.univali.br/seer/index.php/nej/article/view/1460/1154>. Acesso em: 20/08/2011.
7. Disponível em: <http://eur-lex.europa.eu/LexUriServ/LexUriServ.do?uri=CELEX: 31989L0667:PT:HTML>. Acesso em: 20/08/2011.
8. TOMAZETTE, Marlon. Curso de direito empresarial: teoria geral e direito societário, volume 1. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2011, p.48.
9. Neste sentido, é o Regulamento de Imposto de Renda, Decreto n°3000/1999, art.150: “As empresas individuais, para os efeitos do imposto de renda, são equiparadas às pessoas jurídicas”.
10. Comenta-se que a doutrina civilista considera tranquilamente que o art.44 do Código Civil apresenta rol aberto de espécies de pessoas jurídicas.
11. Parece-nos que o legislador preferiu chamar de “empresa” para facilitar o entendimento pela população brasileira, em respeito à norma prevista no art.11, inciso I, da LC n°95/1998. Todavia, a expressão demonstra atecnia, posto que o termo “empresa” deve descrever a atividade, e não o empresário (este sim sujeito de direito dotado de personalidade).
12. Comenta-se que a EIRLI, por ser figura nova de pessoa jurídica, ficou topograficamente deslocada, por ser figura híbrida que não pertence ao empresário individual, nem mesmo às sociedades.
13. A discussão da possibilidade de titularidade da EIRELI por pessoa jurídica abriria ensejo a novas estruturas de holdings, paralelamente às subsidiárias integrais, permitindo a criação de redes de sociedades e pessoas jurídicas com inúmeras finalidades, inclusive ilícitas.
14. Considerando-se o atual salário mínimo de R$545,00 (quinhentos e quarenta e cinco reais) em 2011.
15. Referida alteração ocorreu em 2008, conforme inclusão pela Lei Complementar n°128/2008.
16. Sobre a denominação, ensina Gladston Mamede: “A denominação é um tipo de nome que se forma segundo a conveniência dos sócios, podendo utilizar-se de qualquer palavras ou expressão, desde que atenda ao princípio da novidade, ou seja, desde que seja nova, distinguindo-se de nome já registrado, afastada mesmo a confusão por excessiva similaridade”. (MAMEDE, Gladston. Direito empresarial brasileiro: empresa e atuação empresarial, volume 1. 4.ed. São Paulo: Atlas, 2010. p.137).
17. Lembremos os casos especiais de desconsideração da personalidade jurídica: abuso de personalidade em relações de consumo, art.28 do CDC, Lei 8.078/90; abuso de personalidade em atos contra à economia popular, art.18 da Lei 8.884/94; por crimes ambientais, art.4º. da Lei 9.605/98; abuso da personalidade em matéria tributária, art.135 do CTN, Lei 5.172/66; e pelo simples inadimplemento das obrigações trabalhistas, conforme Consolidação dos Provimentos da Corregedoria-Geral da Justiça do Trabalho, arts.70 e 80.
18. Importa asseverar as exceções previstas na própria legislação, destacando-se ainda as sujeição das sociedades simples e sociedades cooperativas ao instituto da insolvência civil prevista dos arts.748 A 786-A do Código de Processo Civil.
19. TOMAZETTE, Marlon. Curso de direito empresarial, volume 3: falência e recuperação de empresas. São Paulo: Atlas, 2011. p.363.
20. MAMEDE, Gladston. Direito empresarial brasileiro: falência e recuperação de empresas. 2.ed. v.4. São Paulo: Atlas, 2008, p.394.
BIBLIOGRAFIA:
NONES, Nelson. A sociedade unipessoal: uma abordagem à luz do Direito Italiano, Espanhol e Português. In: Novos Estudos Jurídicos. Ano VI, n.12., p.13-32, abril/2001. Disponível em: <http://www6.univali.br/seer/index.php/nej/article/view/1460/1154>. Acesso em: 20/08/2011.
MAMEDE, Gladston. Direito empresarial brasileiro: empresa e atuação empresarial, volume 1. 4.ed. São Paulo: Atlas, 2010.
Direito empresarial brasileiro: falência e recuperação de empresas. 2.ed. v.4. São Paulo: Atlas, 2008.
SALOMÃO FILHO, Calixto. A sociedade unipessoal. São Paulo: Malheiros, 1995.
TOMAZETTE, Marlon. Curso de direito empresarial: teoria geral e direito societário, volume 1. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2011
Curso de direito empresarial, volume 3: falência e recuperação de empresas. São Paulo: Atlas, 2011.
Scrivi un commento
Accedi per poter inserire un commento