De uns tempos para cá, a Justiça do Trabalho vem sendo assolada por enxurradas de ações onde se pede indenização pela “perda de uma chance”. O argumento é sempre o mesmo. O sujeito diz que atendeu a um classificado de jornal ou teve seu currículo selecionado e iniciou um processo seletivo em busca do emprego. Lá um dia, sem mais nem outra, a empresa interrompeu o processo de admissão e não lhe deu o emprego. Dizendo-se humilhado e padecendo de “intensa dor moral”, lá vem o pedido de indenização. O máximo que poderia ser pedido em casos análogos seria o montante daquilo que o sedizente empregado razoavelmente deixara de ganhar, isto é, a soma dos futuros salários e vantagens prometidos que receberia na empresa se tivesse concluído com êxito o processo seletivo, mas não é isso o que pedem. Os advogados incham o pedido com quantias vultosas e sem nenhum critério objetivo. Se colar, colou.
Ao criticar a teoria da perda de uma chance, RUI STOCO (Responsabilidade Civil, Ed. RT) diz que admiti-la é o mesmo que aceitar a indenização de um dano cuja existência não foi comprovada, e que não se sabe se ocorreria. Noutras palavras, “admitir a possibilidade de o cliente obter reparação por perda de uma chance é o mesmo que aceitar ou presumir que essa chance de ver a ação julgada conduzirá, obrigatoriamente, a uma decisão a ele favorável”.
A perda de uma chance é, no rigor do termo, apenas um dos fundamentos do “lucro cessante”, conceito pacificado na doutrina como aquilo que era razoavelmente esperável, aquilo que alguém razoavelmente deixou de ganhar. É o “reflexo futuro do ato ilícito no patrimônio da vítima”.
Duas expressões avultam de importância no conceito de lucro cessante, que é, como dito, fundamento da perda de uma chance: “razoavelmente” e “ato ilícito”.
Para que a perda de uma chance seja indenizável é preciso, primeiro, que o que se perdeu fosse razoavelmente esperável, e, segundo, que essa perda tenha sido fruto de um ato ilícito do agressor. Se o que se perdeu não era razoável esperar, ou não é produto de invasão ilícita do outro no patrimônio da vítima, não se está diante de dano indenizável por esse fundamento.
A reparação da perda de uma chance repousa, como é curial, num juízo de probabilidade e noutro de certeza. Ou seja: é preciso concluir que “a chance seria realizada e que a vantagem perdida restaria em prejuízo”. “Razoável”, segundo uma leitura possível, é “aquilo que o bom senso diz que o credor lucraria, apurado segundo um juízo de probabilidade, de acordo com o normal desenrolar dos fatos. Não pode ser algo meramente hipotético, imaginário, porque tem que ter por base uma situação fática concreta”.
Na análise do lucro cessante, ou da perda de uma chance, o intérprete deve depurar o conceito de lucro razoável daquele meramente hipotético, imaginário. A mera possibilidade não basta. É preciso que haja uma probabilidade objetiva, que resulte do desenvolvimento normal dos acontecimentos naquele caso em concreto. Numa palavra: “o que se exclui de reparação é o dano meramente hipotético, eventual ou conjuntural, isto é, aquele que pode não vir a concretizar-se”.
Admito, como linha de argumento, a possibilidade de indenização da perda de uma chance no sistema jurídico positivo brasileiro, mas apenas como aquilo que a vítima razoavelmente pode ter deixado de ganhar, e sempre que o dano assim constituído tenha sido causado por um ato ilícito da outra parte.
Num processo de seleção ao emprego há variáveis imponderáveis como a incapacidade do candidato ao emprego ou a maior aptidão de um universo de candidatos concorrentes à mesma vaga. Não há dano indenizável se o empregado é reprovado em qualquer de suas etapas, assim como não há se a empresa, depois de ter iniciado o processo seletivo, resolve interrompê-lo, no todo ou em parte, provisória ou definitivamente, atendendo a razões de mercado ou de sua reengenharia interna. O que é preciso ficar claro é que não há indenização sem dano, e dano somente há quando a invasão ao patrimônio da vítima decorre de ato ilícito do sedizente agressor.
A perda disso decorrente tem de ser razoável, isto é, deve ser presumível pela força natural dos acontecimentos possíveis. Na busca de um emprego, poderá haver perda de uma chance se o sedizente prejudicado provar que a sua sorte seria outra se aquele evento atípico que reputa causador do dano não tivesse ocorrido. Ainda assim, a indenização possível não pode servir de lucro capiendo e precisa ser pedida e fixada com base em critérios objetivos.
Como regra, a indenização mede-se pela extensão do dano (Cód. Civil, art.944) e deve ser paga de uma só vez (Cód. Civil, art.950, parágrafo único). Se o ofendido não puder provar prejuízo material, a indenização será arbitrada pelo juiz, equitativamente, conforme as circunstâncias do caso (Cód.Civil, art.953, parágrafo único). Assim, por exemplo, se o salário do emprego que se perdeu era “x”, e as vantagens acessórias “x+y”, o montante da indenização deve corresponder a “x” + “x+y” por um período de 12 (doze) meses (CPC, art.259, V c/c CPC, art.260), acrescido de juros de mora, contados do ajuizamento da ação (CLT, art.883) e correção monetária, calculada desde o dia do ilícito (Cód.Civil, art.398 c/c Súmula nº 43 do STF).
Nada além disso.
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