A dimensão objetiva do direito à educação

RESUMO: A inclusão da educação no rol dos direitos fundamentais, as interfaces entre direito e educação mostram-se a cada dia mais complexas. A realidade social tem mudado de forma muito rápida, o que expõe não só as fragilidades dos sistemas, mas também exige novas soluções. Dessa forma, o objetivo desse trabalho é estudar como o direito à educação tornou-se um direito fundamental, como ele passou a ser normatizado nos textos constitucionais pátrios, e como, de acordo com a mais moderna doutrina, ele pode ser considerado não só um direito público subjetivo, mas também um direito público objetivo, e as inovações que essa mudança de referencial trouxe.

Palavras – chave: direito, educação, dimensão objetiva e subjetiva dos direitos fundamentais

ABSTRACT: The inclusion of the education in the roll of the fundamental rights, the more complex interfaces between right and education reveal each day to it. The social reality has moved of very fast form, what it displays not only the fragilities of the systems, but also demands new solutions. Of this form, the aim of this work is to study as the right to the education became a fundamental right, as it passed to be normatizado in the native constitutional texts, and as, in accordance with the most modern doctrine, it one subjective public law can be considered not only, but also an objective public law, and the innovations that this change of referencial brought.

Words – key: right, education, objective and subjective dimension of the fundamental rights

 

INTRODUÇÃO

O processo educacional é aquele no qual o ser humano exerce sobre si ou sobre outro, de forma voluntária e consciente, uma ação com o objetivo de formar-se ou formar ao outro. No caso da sociedade ocidental esse processo foi sistematizado tendo como marco referencial a Revolução Francesa que fortaleceu a inclusão da educação como um dos direitos fundamentais do homem.

Assim, desde a inclusão da educação no rol dos direitos fundamentais, nas pioneiras constituições do século XIX, as interfaces entre direito e educação mostram-se a cada dia mais complexas. A realidade social tem mutado de forma muito rápida, o que expõe não só as fragilidades dos sistemas, mas também exige novas soluções com uma velocidade alarmante.

Dessa forma, o objetivo desse trabalho é estudar como o direito à educação tornou-se um direito fundamental, como ele passou a ser normatizado nos textos constitucionais pátrios, e como, de acordo com a mais moderna doutrina, ele pode ser considerado não só um direito público subjetivo, mas também um direito público objetivo, e as inovações que essa mudança de referencial trouxe.

 

1. A Educação como um Direito Fundamental

Os direitos fundamentais tiveram sua origem em um lento processo histórico de afirmação e de legitimação, ocorrido na Europa Ocidental desde meados do século XIX. Segundo Bobbio (1992, p. 05) os direitos fundamentais são direitos históricos porque são fruto de circunstâncias e conjunturas, não só da humanidade como um todo, mas específicas de cada um dos diversos Estados, sociedades e culturas.

São também reconhecidos como direitos humanos ou como direitos e garantias individuais, mas além do indivíduo ou do próprio ser humano, vinculam não só o Estado, mas também o ordenamento jurídico como um todo. Encontram seu fundamento de validade como indispensáveis na preservação e manutenção da condição humana.

Os direitos fundamentais têm tanto seu lado material, substancial, como seu lado formal, processual. Em seu lado material, está a essência do conceito, aquela que vai obrigar o ordenamento jurídico a seguir determinada orientação. Já em relação a sua dimensão processual, está a forma, ou seja, como que aquela orientação determinada anteriormente deverá ser seguida, como deverá ser implementada. Assim, os direitos fundamentais garantem o processo inerente a qualquer atividade estatal como sendo o modo normal de agir do Estado.

As duas linhas mestras de formação dos direitos fundamentais são o liberalismo inglês e o republicanismo francês. Segundo o liberalismo, os homens são por natureza livres e têm certos direitos inatos, que, mesmo quando eles se associam para instituir o Estado não podem, de nenhuma forma, ver-se privados deles. O exercício dos direitos naturais de cada homem não tem por limites senão os que asseguram aos outros membros da sociedade o gozo dos mesmos direitos. Os direitos do homem são as bases do Estado e uma sociedade em que falte a sua garantia não tem Constituição. Dessa forma percebe-se a ligação do surgimento dos direitos fundamentais com a teoria liberal. É a predominância da liberdade, da segurança e da propriedade, complementadas pela resistência à opressão. Já a matriz republicana aparece em oposição aos direitos de liberdade, nos séculos XIX e XX. E surgem por meio das reivindicações feitas por trabalhadores e sindicatos, grupos que se auto-instituem e que trazem dentro de si o ideal de comunidade política. É dessa forma que nascem os direitos econômicos e sociais.

Assim, após a Primeira Guerra Mundial, nenhuma Constituição deixa de os outorgar, como a Constituição Mexicana de 1917, a de Weimar de 1919 e a Constituição Brasileira de 1934, por exemplo. Na evolução dos direitos fundamentais surgem-se três ou quatro gerações, dependendo da analise doutrinária feita. A primeira geração, os direitos da liberdade; a segunda geração, os direitos econômicos, sociais e institucionais; a terceira geração os direitos ao meio-ambiente, aos recursos naturais e ao desenvolvimento. Entretanto, Paulo Bonavides identifica uma quarta geração de direitos, que seriam o direito à democracia, à informação e ao pluralismo. Deles dependeria a concretização da sociedade aberta do futuro, em sua máxima universalidade, para a qual parece o mundo inclinar-se em todas as relações de convivência.

Existe também uma parte da doutrina, como Wilis Santiago Guerra Filho e Jorge Miranda que considera que seria melhor não utilizar o vocábulo gerações, mas sim “dimensões de direitos fundamentais”, uma vez que se trata da necessidade de harmonia e concordância prática entre os vários tipos de direito surgidos nesse processo histórico.  Os direitos de certa época recebem o influxo dos novos direitos, que por sua vez não podem deixar de ser entendidos em conjugação com os direitos anteriormente consagrados. Por exemplo, algumas liberdades e o direito de propriedade não possuem hoje o mesmo alcance que possuíam no século XIX, e os direitos sociais adquirem um sentido diverso, muito mais amplo e consoante aos outros direitos garantidos pelas Constituições.  Entretanto, essa interpretação doutrinária não desautoriza o uso da expressão “geração ou gerações de direitos”, uma vez que esta já foi consagrada cotidianamente.

A Constituição Federal de 1988, no que concerne aos direitos fundamentais manteve as linhas da democracia liberal. Entretanto, os direitos fundamentais vigentes são os mais abrangentes e extensos de todas as nossas Constituições. Além das liberdades públicas, a Constituição de 1988 assegura a igualdade de todos perante a lei.  Acolhe, além dos direitos explícitos os chamados direitos implícitos, até porque a Lei Maior não tem a pretensão de ser exaustiva ao estabelecer os setenta e sete incisivos do art. 5º . Com efeito, a Constituição de 1988 admite a existência de outros direitos “por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa seja parte” (art. 5º, §2º).  Assim, poder-se-á deduzir direitos individuais decorrentes do regime democrático e dos princípios constitucionais.

A principal conseqüência do art. 5º, §2º é possibilitar a interpretação constitucional dos chamados direitos implícitos que serão proclamados pelos tribunais e, principalmente, pelo Supremo Tribunal Federal. Nesse sentido, destaque-se mais uma vez a importância da interpretação constitucional para a identificação dos direitos fundamentais implícitos.

Para além dessa necessária introdução, passa-se agora ao exame específico do direito à educação como um direito fundamental. Na Constituição de 1988 a educação está intimamente ligada ao reconhecimento da dignidade da pessoa humana como fundamento da República Federativa do Brasil, bem como aos seus objetivos. Assim, o tratamento constitucional do direito à educação está intimamente ligado à busca do ideal de igualdade que caracteriza os direitos de 2ª geração. Esses direitos abarcam um sentido de igualdade material que se realiza por meio da atuação estatal dirigida à garantia de padrões mínimos de acesso a bens econômicos, sociais e culturais a quem não conseguiu a eles ter acesso por meios próprios.

Em última análise, representam o oferecimento de condições básicas para que o indivíduo possa efetivamente se utilizar das liberdades que o sistema lhe outorga. Assim, seria importante diferenciar, em linhas gerais a distinção entre a perspectiva subjetiva e objetiva dos direitos fundamentais, muito importante para a concepção contemporânea de direitos fundamentais.

A idéia atrelada à perspectiva subjetiva dos direitos fundamentais, consiste na possibilidade que o titular do direito tem pedir a proteção judicial no sentido de efetivar os poderes, as liberdades ou mesmo o direito de ação ou às ações negativas ou positivas que lhe foram outorgadas pela norma consagradora do direito fundamental em questão. Essa perspectiva tem como referência a função precípua dos direitos fundamentais, que consiste na proteção do indivíduo.

Já a dimensão objetivo implica o reconhecimento dos direitos fundamentais como decisões com eficácia em todo o ordenamento jurídico e que fornecem diretrizes para os órgãos legislativos, judiciários e executivos, no que transcende-se a dimensão de proteção do indivíduo, ampliando a nova função para os direitos fundamentais que abrange a tutela da própria comunidade.

Essa nova dimensão a ser considerada implica a valoração da eficácia dos direitos fundamentais. O reconhecimento social coloca-se como elemento condicionante do exercício de direitos fundamentais. Além disso, da perspectiva objetiva decorre o caráter vinculativo dos direitos fundamentais em relação ao Estado, impondo-lhe o dever de promover sua concretização.

A perspectiva objetiva representa a autonomia dos direitos fundamentais como principais corolários a sua eficácia irradiante, ou seja assegura aos direitos fundamentais suas diretrizes para o entendimento do direito infraconstitucional, constituindo modalidade de interpretação conforme a Constituição;   sua a eficácia horizontal, que implica na oponibilidade de direitos fundamentais não só frente ao Estado, mas também nas relações privadas;  a conexão com a temática das garantias institucionais, por meio de proteção contra intervenção deletéria do legislador ordinário, que não obstante, se mostram incapazes de gerar direitos individuais; a criação de um dever geral de proteção do Estado voltado para o efetivo resguardo dos direitos fundamentais em caráter preventivo, tanto contra o próprio Estado, como contra particulares ou mesmo outros Estados e, finalmente, a função dos direitos fundamentais de atuar como parâmetro para criação e constituição de organizações estatais.

Levando-se esses pressupostos em consideração, o traço de direito fundamental do direito à educação se acentua. Sob a perspectiva individual, potencializa-se a exigibilidade direta pelo cidadão do direito à educação e do seu acesso irrestrito, e no plano objetivo solidifica-se o dever do Estado em promover sua efetividade. Se no plano subjetivo se resguarda o desenvolvimento da personalidade humana, no plano objetivo o direito à educação se afirma indispensável ao próprio desenvolvimento do País.

A educação aparece normatizada pela Constituição de 1988 dentre os chamados “direitos sociais” – no capítulo II do Título II (que trata dos “direitos e garantias fundamentais”). De logo se percebe a importância de buscar compreender a exata dimensão e as conseqüências jurídicas do tratamento da educação como um direito fundamental. Nesse quadro, é possível identificar o direito à educação como um típico direito de segunda geração histórica, relacionado ao valor jurídico da igualdade real, e consubstanciado predominantemente naquela situação jurídica de se poder exigir do Estado à educação como uma prestação positiva.

Como direito de todos, e a contrapartida estatal de assegurar a efetivação disso, a educação como direito fundamental, deve ser efetivada mediante o cumprimento do ensino fundamental obrigatório e gratuito, assegurada, inclusive, sua oferta gratuita para todos os que a ele não tiverem acesso na idade própria; da progressiva universalização do ensino médio; do atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência (tanto física quanto mental) preferencialmente na rede regular de ensino; do atendimento em creche e pré-escola às crianças de zero a seis anos de idade (educação infantil); o acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um;  a oferta de ensino noturno regular, adequado às condições do educando;  o atendimento ao educando, no ensino fundamental, por meio de programas suplementares de material didático-escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde (tudo de acordo com o disposto no art. 208 da Constituição e seus incisos).

Desse modo, seria até desnecessário – não fosse a importância, no Brasil, de sempre se reafirmar o óbvio – a norma do artigo 208, § 1º prever que “o acesso ao ensino obrigatório e gratuito é direito público subjetivo”. Assim, perante o exposto constitucional, substanciam-se as responsabilidades. Dessa forma, se o Estado não cumprir com a sua obrigação de oferecimento do ensino obrigatório (o não cumprimento significa tanto a sua não oferta quanto a sua oferta deficiente), a Constituição determina a responsabilização da autoridade competente (artigo 208, § 2º). Isto significa que o não cumprimento da obrigação estatal com a prestação da educação obrigatória configurará, pela autoridade responsável, a prática de crime de responsabilidade (sem afastar as sanções cíveis ou administrativas cabíveis) por atentado contra a Constituição Federal e especialmente contra o exercício dos direitos sociais (Art. 85, inciso III), justamente pelo fato de ser um direito social fundamental, conforme visto.

Portanto, tratar normativamente a educação como um direito fundamental predominantemente associado a prestações positivas do Estado, significa estabelecer uma série de conseqüências jurídicas, sendo as principais que “as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata” (artigo 5º, § 1º da Constituição), sendo passíveis de tutela jurisdicional, em face do princípio da inafastabilidade do Poder Judiciário em caso de lesão ou ameaça a direito (artigo 5º, inciso XXXV da Constituição); e o estabelecimento de uma ordem de valores e prioridades enquanto políticas públicas a serem executadas e desenvolvidas pelo Estado para a prestação da educação.

Já estabelecida à educação como um direito fundamental, convém explicitar como especificamente o direito à educação desenvolveu-se pelas três gerações de direitos, ou seja, em quais transformações é possível perceber a evolução das garantias de acesso à educação e as conseqüências jurídicas disso. Assim, o direito à educação se teria desenvolvido em três gerações:

01. O ensino torna-se paulatinamente direito público quando todos adquirem a possibilidade de acesso à escola pública;

02. A educação como direito dá um salto quando historicamente passa a contemplar, pouco a pouco, o atendimento a padrões de exigência voltados para a busca de qualidade no ensino oferecido e para o reconhecimento de ideais democráticos internos à vida escolar;

03. O direito da educação será consagrado quando a escola adquirir padrões curriculares e orientações políticas que assegurem inversão de prioridades, mediante atendimento que contemple grupos sociais reconhecidamente com maior dificuldade para participar desse direito subjetivo universal – que é a escola pública, gratuita, obrigatória e laica. Aqui entram as políticas que favorecem, por exemplo, a reserva de vagas por cotas destinadas, nas universidades, a minorias étnicas.

No tocante ao temário educacional, indubitavelmente, os direitos de primeira geração situam-se no postulado de um ensino universal, para todos: o direito de todas as crianças e todos os jovens irem para a mesma escola, até mesmo com o uniforme que disfarça as diferenças. Essa seria, por assim dizer, a primeira exigência quando se pensa a educação como direito público. Seria absolutamente ilegítimo formular o roteiro dos direitos à educação sem considerar democrático tal intento.  Expandir a escola é imperativo político, sendo, portanto, dever do Estado. No que diz respeito à saudosa qualidade do ensino não se podem aferir padrões de qualidade sem indagar a quem se atribuem os mesmos padrões, ou seja, diante de uma população que não tem escola, qualquer alargamento da possibilidade de freqüentar a escola é, em si mesmo, um avanço. A qualidade dos poucos que anteriormente tinham acesso privilegiado não possuiria qualquer legitimidade para ser invocada. Perante aqueles que, anteriormente, eram dela excluídos, freqüentar a escola é um ganho. Portanto é direito democrático de primeira geração.

Consolidado esse primeiro direito político relativo à educação – o acesso à escola pública -, será preciso assegurar uma boa qualidade, que possibilite o êxito dos alunos todos no processo de aprendizado. Existe um subterrâneo procedimento excludente interno à escolarização; pois, em nome do talento e do dom, é possível desqualificar a criança que se supõe não possuir a mesma capacidade dos outros. A cultura escolar possui, de alguma maneira, um caráter atestador de um dado padrão cultural erudito e letrado, que inclui com facilidade aquelas crianças provenientes de famílias já incluídas no mesmo padrão de letramento erudito. Na outra margem, jovens que não compartilham dos significados culturais inscritos na própria acepção de escola podem ser silenciosamente expurgados. Pois a educação escolar exerce sobre as camadas populares níveis sobrepostos de violência simbólica, dado que, além de referendar o capital cultural dos alunos pertencentes às camadas privilegiadas da população, convence aqueles que não são “herdeiros” da mesma cultura erudita de que são eles os responsáveis por seu próprio malogro na escola.

A segunda geração de direitos educacionais compreende revisar os padrões ideológicos que presidem a orientação de normas de qualidade do ensino público. Para atingir a todos, de maneira mais equânime, seria essencial habilitar a escola e formar professores cônscios das armadilhas que tecem o próprio formato da instituição escolar, para que estes possam fugir das malhas tão perigosas quanto ilusórias. Estruturar um razoável padrão de qualidade no ensino que é comum a todos e requer revisão dos conteúdos, dos métodos, dos pressupostos e das crenças que norteiam a lógica classificatória excludente da escolarização atual. Há que se rever à carga simbólica expressa pelo conjunto dos saberes formalmente veiculados pela escola. Dessa forma, avançar-se-ia em direção ao que aqui compreendemos ser direito público de segunda geração: todos na escola; em uma escola de boa qualidade – capaz de incorporar crianças de diversas tradições familiares, comunidades e identidades.

Pode-se, de qualquer modo, intuir a emergência de uma terceira geração de direitos públicos em educação. O debate contemporâneo relata a urgência de se revisar a cultura escolar à luz de questões advindas do debate atinente à diversidade.

A cultura da escola contemporânea apresenta a evolução do Ocidente como se se tratasse de uma evolução universal. É como se houvesse uma natural linha evolutiva que, progressivamente, aperfeiçoaria os povos no percurso civilizatório de matriz ocidental. Romper algumas amarras simbólicas do conhecimento escolar exigiria um esforço voltado não mais agora para a direção exclusiva da igualdade, ainda que com qualidade, mas, substancialmente, para projetar, acatar e conviver com diferenças: distintas trajetórias, percursos alternativos, diferentes pertenças culturais passam a reivindicar fazer parte do currículo. A terceira geração dos direitos educacionais pauta-se pelo signo da tolerância, mediante a qual o encontro de culturas se faça e se refaça constantemente em uma sempre renovada convivência e partilha entre diferentes nações, diferentes povos, diferentes comunidades, diferentes grupos sociais, diferentes pessoas.

Cabe indagar se, seria possível fazer uma co-relação entre essas de três gerações de direitos em educação, especialmente no tocante à imagem de democracia na escola ou de democratização de ensino com as três gerações de direitos públicos, sucessivamente políticos, sociais e identitários/comunitários. Em um primeiro momento, teria ocorrido o reconhecimento coletivo dos que aqui são nomeados direitos de primeira geração.

Depois a idéia de se operacionalizar políticas que não eram apenas civis, mas que exigiam investimento público: direitos como os de educação e de saúde, à guisa do que se passaria posteriormente a compreender como igualdade de oportunidades. Assim, os direitos civis do indivíduo na sua condição de agente político passam a ser vistos pelo ângulo da necessidade de ancorar os direitos dessa liberdade primeira em condições de políticas públicas adequadas para o bem-estar da maioria; daí advém a sugestão de o Estado intervir em setores sociais diretamente – critério imprescindível para materializar nas condições objetivas a igualdade de todos; e por fim a  percepção de que ser livre e ser igual não elimina o desejo de marcar identidades variadas e distintas especificidades humanas – o que solicita, como contrapartida, a integração da diferença no veio da cultura comum, o reconhecimento do outro pela aceitação, pelo respeito e pela fraterna inclusão.

 

2. A Evolução do Direito à Educação nas Constituições Brasileiras

A primeira Constituição brasileira, a Constituição Imperial de 1824, traz a Educação no conjunto dos artigos que tratam substancialmente dos princípios normativos e essenciais relativos à forma de Estado, à organização e a funções dos poderes públicos, e aos direitos e deveres dos cidadãos. Ainda não é, rigorosamente, matéria exigida pelo Estado. Sem uma compreensão histórica das concepções de Constituição e de Educação nas diferentes épocas e modalidades de Estados, muitas vezes se peca, por se fazer um juízo de valor errôneo sobre os conteúdos dos textos constitucionais do Século XIX, principalmente quando estes não trazem de forma explícita e detalhada uma atenção à matéria educacional, tal como acontece atualmente. Em geral, aponta-se a Constituição de 1824, outorgada, como aquela que não deu a devida atenção ao ensino. 

Entretanto, a Constituição de 1824 mostra todas as facetas do tempo histórico no qual está incluída. Ela é um produto híbrido e traz em si, ocultas ou declaradas, as contradições da época que representa. Institui um governo unitário com monarquia constitucional hereditária harmonizando o absolutismo experimentado como colônia com o constitucionalismo liberal, que é a idéia de vanguarda da época.  Institui quatro poderes, os tradicionais (executivo, legislativo e judiciário) e o poder moderador, a ser exercido pelo imperador. Uma novidade, na época, solução totalmente de vanguarda, que objetiva harmonizar o espírito de colônia, que o Brasil ainda carregava, pois era um Estado recém-nascido com as aspirações canalizadas com a independência.  O sistema eleitoral é representativo, mas indireto. O bicameralismo ostenta um Senado Vitalício e escolhido pelo imperador, sendo a Câmara dos Deputados eleita de forma democrática, por meio da representação indireta.

A educação na Constituição contemplava apenas a instrução primária, como gratuita a todos os cidadãos, sem mencionar que um terço da população (os escravos), não eram considerados cidadãos. A impressão que passa é que não se menciona a escravidão na constituição justamente para tentar dissuadir a população mencionada anteriormente, branca ou negra, sendo esta última escrava ou forra de tentar lutar por igualdade e autonomia.

Entre os direitos e garantias individuais assegurados encontram-se a liberdade de ir e vir, a liberdade de expressão, o culto religioso, a segurança individual, a propriedade, e o direito a educação a todos os cidadãos. Para fazer contraponto a essas idéias avançadas para a época (e para o país), a liberdade de ir e vir é obstruída pela escravidão, em relação a qual não há sequer uma palavra. Na Constituição, a liberdade de culto religioso é garantida, desde que se respeite a religião oficial do império (que é católica) e que os templos de culto não tenham sinais exteriores que os identifiquem.

Depois de a educação figurar como direito constitucional, a primeira lei nacional de educação é a lei de 1827, que regulava como se daria a gratuidade da educação. Isso no afã de disseminar as primeiras letras. Depois dessa lei imperial, algumas províncias adotaram o princípio da obrigatoriedade da educação primária, o que se efetiva na descentralização que ocorreu por meio do Ato Adicional de 1834 que atribui para as províncias, pobres de recursos, a responsabilidade de ministrar as primeiras letras.

Diante desse panorama legal (a Constituição de 1824, a lei de 1827 e o Ato Adicional de 1834), percebe-se que o momento de formação dos Estados Nacionais no ocidente europeu coincide com o movimento de secularização do ensino, sendo esta fundamental para a criação da identidade dos estados nacionais, o que leva a jovem nação brasileira à necessidade de criar sua identidade, por meio de um sistema estatal que seria a escola.

Considera-se que foi a partir da Lei Geral do Ensino de 1827 que se iniciou um processo de homogeneização, unificação e hierarquização da educação brasileira. Esse tipo de educação que se pretendia no Brasil visava ao disciplinamento das populações brancas não proprietárias. Não havia a intenção de subverter a ordem social já estabelecida, mas sim ordenar, controlar e disciplinar o povo com base no que a classe dirigente pensava que devia ser o papel social das classes sociais inferiores.

Assim, delineia-se o perfil da educação brasileira no período imperial, com verniz liberal e inclusão da educação na constituição. Isso ocorre no intuito de alimentar a diferença de classes e justificar, com seus silêncios e omissões, o escravismo como natural.  Além disso, serviria para dar unidade e identidade a jovem nação, além de apaziguar os conflitos sociais advindos da independência e aquietar uma classe numerosa, mas sem voz, tão subjugada como os escravos.

Foi adotado o modelo de Estado Federal e, por isso, houve a preocupação em discriminar a competência legislativa da União e dos Estados em matéria educacional. Dessa forma deu-se à União a competência para legislar sobre o ensino superior e aos Estados, aquela para legislar sobre ensino secundário e primário. Ao dois primeiros, contudo, deu-se a competência par criar e manter as instituições de ensino superior e secundário. Essa constituição também teve o mérito de romper com o ensino vinculado a uma religião oficial e determinar a sua lascização.

A Constituição do Império, em seu art. 179, dispunha que “a inviolabilidade dos direitos civis e políticos dos cidadãos brasileiros, que tem por base a liberdade, a segurança individual e a propriedade, é garantida pela Constituição do Império, pela maneira seguinte: (…) 32. A instrução primária é gratuita a todos os cidadãos“. Aqui já é possível divisar a estreita vinculação entre a instrução primária e a concreção de outros direitos de natureza constitucional, como os direitos políticos e a liberdade.

Com a Proclamação da República o sistema constitucional da Constituição de 1891, obedeceu à preocupação de delimitar as esferas de competências para as entidades federativas. Havia a competência exclusiva e privativa da União (Art. 7º) e a competência exclusiva dos Estados (Art. 9º) e a competência cumulativa em favor das duas entidades.

A Educação não é matéria de competência exclusiva ou privativa da União. Será prescrita como elemento orgânico e matéria do Poder Legislativo, por meio de atribuição ao Congresso Nacional, que o exerce com a sanção do Presidente da República (Artigo 16). Assim, a Educação vai ser enumerada entre as 35 (trinta e cinco) atribuições do Congresso Nacional, no inciso que determina a competência privativa de “legislar sobre a organização municipal do Distrito Federal, bem como sobre a polícia, o ensino superior e os demais serviços que na Capital forem reservados para o governo da União” (Artigo 34, inciso 30). Seguindo a tradição do Império, enfatiza-se, mais uma vez, a nível nacional, o ensino superior.

No Artigo 35 da Constituição de 1891, o legislador incumbe ao Congresso, mas não privativamente (ressalta o próprio texto constitucional), as seguintes atribuições:

a) privativamente, legislar sobre o ensino superior;

b) não privativamente, criar instituições de ensino superior e secundário, nos Estados, e prover a instrução secundária no Distrito Federal. 

Como essa Constituição adotou o princípio de que caberiam aos Estados todos os poderes ou direitos não reservados à União, ficou entendido que às esferas estaduais, em matéria de educação, incumbiria: legislar sobre o ensino secundário e primário; criar e manter instituições de ensino superior e secundário, sem prejuízo de que também o Governo Federal pudesse fazê-Io; criar e manter as escolas primárias. 

Observamos que o legislador, ao estabelecer a incumbência privativa ao Congresso nas ações de animar, criar e prover não tenciona tolher a ação dos governos locais, não quer embaraçar a capacidade legislativa dos Estados. Pode-se dizer que, há uma semente para a idéia que se tem hoje de competência concorrente em matéria educacional, em que o Congresso participaria com normas gerais sem negar as peculiaridades dos Estados-Membros.

Além disso, a Constituição de 1891 determinou que o ensino ministrado nos estabelecimentos públicos fosse leigo, isto é, que não houvesse ensino religioso nas escolas públicas, o que ensejou uma grande celeuma e um grande avanço para a época.

Com a Revolução de 1930, o governo revolucionário, sob a égide de uma Assembléia Nacional Constituinte, organizou um regime democrático, mas centralizador, ou melhor, um centralismo democrático, afastando-se das tendências descentralizantes das oligarquias estaduais. Além disso, no campo educacional, a Constituição de 1934, sob a influência do amplo debate entre os pioneiros da Educação Nova e a corrente católica, o que propiciou ao tema educação um grande destaque no conjunto das matérias reguladas pelo texto constitucional, que passou a incluir um capítulo sobre família, educação e cultura.

Definiu-se a educação como direito de todos, a ser ministrada pela família e pelos poderes públicos. Aos poderes públicos cumpria a tarefa de proporcioná-la a brasileiros e estrangeiros domiciliados no país, de modo a constituir fator da vida moral e econômica da Nação, desenvolvendo, num espírito brasileiro, a consciência da solidariedade humana.

Assim, ficou estabelecido que caberia exclusivamente à União traçar as diretrizes da educação nacional, enquanto à União e aos Estados concorrentemente incumbiria difundir a educação pública em todos os seus graus. Nesse sentido, atribuiu-se à União: fixar o Plano Nacional de Educação, compreendendo o ensino nos diferentes graus, ramos e especializações, e coordenar sua execução; fiscalizar e determinar condições de reconhecimento oficial das escolas secundárias e superiores; manter os sistemas de ensino do Distrito Federal e dos territórios; exercer ação supletiva, onde se fizesse necessária por deficiência de iniciativa ou de recursos, e estimular a obra educativa em todo o país, por meio de estudos, inquéritos, demonstrações e subvenções. 

Para poder implementar tudo isso, haveria a necessidade de um Plano Nacional de Educação, que deveria ser elaborado pelo Conselho Nacional de Educação, criado pelos constituintes de 1934, e submetido, em seguida, à aprovação do Poder Legislativo. Assim, estabeleceram-se as seguintes normas, que deveriam reger o Plano Nacional de Educação: ensino primário gratuito e obrigatório, extensivo aos adultos; tendência à gratuidade do ensino ulterior ao primário; liberdade de ensino em todos os graus e ramos, observada a legislação; ensino, nos, estabelecimentos particulares, no, idioma pátrio, salvo o de línguas estrangeiras; matrícula limitada à capacidade do estabelecimento e seleção por meio de provas e outros processos adequados; reconhecimento dos estabelecimentos particulares de ensino, desde que assegurassem aos professores remuneração condigna e estabilidade.

Além disso, deu-se aos Estados e ao Distrito Federal competência para organizar e manter seus sistemas educativos, respeitadas as diretrizes estabelecidas pela União. Também foi determinado que se organizassem, a nível estadual, conselhos de educação com funções similares às do Conselho Nacional de Educação.

A celeuma em relação ao ensino religioso foi resolvida com a instituição do ensino religioso, de freqüência facultativa, nas escolas públicas, ministrado de acordo com a confissão professada pelo aluno. Isentaram-se de tributos as escolas particulares que ministrassem, gratuitamente, ensino primário ou profissional. Garantiu-se a liberdade de cátedra.

É a primeira Constituição a deixar claro como seria financiada a educação. Determinou-se que a União e os municípios aplicassem nunca menos de 10% e os Estados e Distrito Federal nunca menos de 20% da renda resultante de impostos na manutenção e desenvolvimento do ensino. Da cota da União, 20% deveriam ser reservados ao ensino nas zonas rurais.

Além disso, determinou-se a prestação de auxílio a alunos necessitados (fornecimento gratuito de material escolar, bolsas de estudo, assistência alimentar, dentária e médica), com recursos provenientes do fundo de educação que instituiu, mas não estabeleceu esse auxilio como um direito. Proibiu-se a dispensa de concurso de títulos e provas no provimento dos cargos do magistério oficial e assegurou-se aos professores concursados a garantia de serem vitalícios e inamovíveis. Como exceção, admitiu-se o contrato, por tempo determinado, de professores de nomeada, nacionais ou estrangeiros.

Finalmente, a Constituição de 1934 determinou que as empresas industriais ou agrícolas, localizadas fora dos centros escolares, fossem obrigadas a prover ensino primário gratuito, desde que nelas trabalhassem mais de cinqüenta pessoas, havendo entre os empregados e seus filhos, pelo menos, dez analfabetos.

Moderna e de vida efêmera, a Constituição de 1934, ao enunciar normas que, na época, ultrapassam a temática meramente constitucional, na medida em que constitucionaliza também direitos econômicos, sociais e culturais, inicia uma nova fase na história constitucional brasileira. É importante mencionar que no texto constitucional foi consagrado um título dedicado exclusivamente à família, à educação e à cultura, estabelecendo-se competência para que a União pudesse traçar as diretrizes e organizar a educação nacional.

Todo o avanço na área educacional, levado a eito pela moderna Carta de 1934 sofreu um grande revés com a outorga, pelo Estado Novo, da Carta reacionária de 1937. Sob a inspiração do fascismo, via-se o Estado promovendo a disciplina moral e o adestramento físico da juventude, de maneira a prepará-la para o cumprimento de seus deveres com a economia e a defesa da Nação. Foi dada ênfase ao ensino cívico, que se confundia com o culto ao regime e à pessoa do ditador.

A política educacional assumiu um caráter centralizador, em consonância com o centralismo do Estado autoritário. Suprimido o Parlamento, o chefe de Estado legislou, discricionariamente, em matéria de ensino, como em todas as outras matérias.

A Constituição de 1937 concedeu acentuado privilégio ao ensino particular, reservando ao Estado uma função, suplementar de preencher as deficiências e lacunas desse ensino. Ao contrário da Constituição de 1934, a de 1937 não indicou os recursos necessários postos em disponibilidade para que os governos federal, estadual e municipal cumprissem seus encargos em matéria de educação.

Num estudo comparativo entre as Constituições de 1934 e de 1946, observa-se que esta faz um enxugamento constitucional do Capítulo II ( que em ambas, contém normas sócio-ideológicas para a educação), prescrevendo, apenas, dispositivos de ordem socio-ideológica e não fazendo, como a de 1934, a exposição de dispositivos orgânicos, relativos à organização do Estado. Define de forma clara sua linha filosófico-política, e estabelece a educação como direito de todos, dada no lar e na escola, devendo-se inspirar-se nos princípios da liberdade e nos ideais de solidariedade humana. Além disso, determinou-se que o ensino dos diferentes graus seria ministrado pelos poderes públicos, sendo livre à iniciativa privada, respeitadas as leis reguladoras. A Constituição de 1946 determinou que seria competência da União legislar sobre diretrizes e bases da educação nacional.

Especificamente o já citado capítulo II, do Título VI (Da Família, Da Educação e Da Cultura), trata da matéria educacional, determinado, entre outras coisas, que “anualmente os estados aplicarão nunca menos de vinte por cento da renda resultante dos impostos na manutenção de desenvolvimento do ensino (Artigo 169), garantindo-lhes, também, a competência de organizar os seus sistemas de ensino (Artigo 171).

Traz ainda, como novidade, a alteração do percentual de recursos destinados, pelos Municípios, ao ensino. Os municípios, segundo o artigo 179, aplicarão nunca menos de vinte por cento da renda resultante dos impostos na manutenção e desenvolvimento do ensino, equiparando o mesmo percentual dos Estados e do Distrito Federal, enquanto os dez por cento a cargo da União. O Município não poderá, contudo, organizar o sistema de ensino, ficando o “sistema federal de ensino em caráter supletivo, estendendo-se a todo o país nos estritos limites das deficiências locais” (Artigo 170, parágrafo único).

Houve a fixação das diretrizes para que os Estados e o Distrito Federal organizassem seus sistemas de ensino, devendo o sistema federal ter caráter apenas supletivo, nos limites das deficiências locais. Contudo, para o desenvolvimento dos sistemas locais, a União deveria cooperar com auxílio financeiro. Foi criada a obrigatoriedade da assistência educacional, nos diversos sistemas de ensino, para assegurar aos alunos necessitados eficiência escolar. Além disso, a Carta de 1946 estipulou como princípios que deveriam ser adotados para a legislação do ensino: obrigatoriedade do ensino primário, ministrado sempre na língua nacional; gratuidade do ensino primário oficial para todos; gratuidade do ensino oficial ulterior ao primário para os que provassem falta ou insuficiência de recursos; obrigatoriedade de as empresas que empregassem mais de cem pessoas manterem ensino primário gratuito para os seus servidores e os filhos destes; obrigatoriedade de as empresas industriais e comerciais ministrarem, em cooperação, aprendizagem aos seus trabalhadores menores; presença do ensino religioso, como disciplina dos horários das escolas oficiais, com matrícula facultativa e ministrado de acordo com a confissão do aluno; provimento das cátedras, no ensino secundário oficial e no ensino superior oficial ou particular, mediante concurso de títulos e provas, assegurada a vitaliciedade dos professores assim admitidos; garantia da liberdade de cátedra; criação de institutos de pesquisa, de preferência junto aos estabelecimentos de ensino superior. 

 A Constituição de 1946 retomou os princípios das Constituições de 1891 e 1934 e assim a educação volta a ser definida como direito de todos, prevalecendo à idéia de educação pública. Nesse contexto foram definidos princípios para nortear o ensino, tais como o ensino primário obrigatório e gratuito, liberdade de cátedra e concurso para seu provimento não só nos estabelecimentos superiores oficiais como nos livres e a previsão de criação de institutos de pesquisa. Também foi essa Constituição quem restabeleceu a vinculação de recursos para a manutenção e o desenvolvimento do ensino.

A Constituição de 1967 sofreu e sofre até hoje de uma crise de identidade singular entre todas as constituições do país. Alguns doutrinadores consideram que ela foi tão desfigurada pela Emenda Constitucional de 1969, a ponto de tornar-se uma nova Constituição. Outros doutrinadores consideram que as mudanças, embora profundas, não mexeram na estrutura constitucional básica, portanto não se pode falar em nova Constituição. Aqui, analisar-se-à a Constituição de 1967 e as alterações promovidas pela emenda de 1969, sem discutir o mérito de se saber se a emenda criou ou não nova Constituição.

A Constituição de 1967 veio a adotar o federalismo, mas uma forma de Estado Federal que deu maior expansão à própria União em detrimento dos Estados-Membros, o que promoveu uma partilha desequilibrada de competências constitucionais. Os poderes enumerados da União eram tantos que pouco restava de prerrogativa para os Estados-Membros da Federação. Confirmou-se, mais uma vez, a centralização política em torno da União.

A educação, como matéria exclusiva na União é disciplinada em capítulo intitulado “Da Família, da Educação e da Cultura“, que abrangia os arts. 167 usque 172, não tendo introduzido modificações substanciais. Manteve a estrutura organizacional da educação nacional, preservando os sistemas de ensino dos Estados, mas retrocedeu no que diz respeito ao fortalecimento do ensino particular, pois além de determinar aos poderes públicos que prestassem assistência técnica e financeira ao ensino particular, sem cogitar de quaisquer regras ou restrições para essa ajuda também incluiu uma restrição a gratuidade no ensino ulterior ao primário, que beneficiava as escolas particulares. Para os que provassem falta ou insuficiência de recursos, passou-se a exigir a demonstração de efetivo aproveitamento por parte dos beneficiários da gratuidade. Criou-se assim mais uma discriminação contra os pobres: teriam que ser bons alunos, como se isso não fosse uma obrigação de todos. Outra restrição ao ensino gratuito foi a determinação de que, em vez da gratuidade, deveriam ser dadas, preferencialmente, bolsas de estudo, com exigência de reembolso posterior, no caso do ensino universitário.

Além disso, ao definir as diretrizes filosóficas da educação, a Constituição de 1967 acrescentou, entre os princípios que deveriam ser objetivados, o da unidade nacional, conceito bastante equívoco no Brasil pós-1964, quando unidade e segurança nacional foram confundidos com unidade ideológica e segurança do regime ditatorial. 

Ao mesmo tempo que ampliou a obrigatoriedade do ensino para a faixa de sete a catorze anos, permitia que permitia o trabalho de crianças com doze anos, num retrocesso lastimável, uma vez que a Constituição de 1946 havia fixado a idade de catorze anos como a mínima para o trabalho de menores.

No que tange à Emenda Constitucional / Constituição de 1969, há que dizer somente que manteve o modelo educacional da Constituição de 1967, além de continuar a manter todos os retrocessos, em matéria de filosofia e política educacional, instituídos pela Constituição de 1967, se comparada à Constituição de 1946. Essa Carta aprofundou o caráter ditatorial do regime de 64, substituindo a liberdade de cátedra, princípio fundamental na educação, pela liberdade de comunicação de conhecimentos, desde que não importasse em abuso político, com o propósito de subversão do regime democrático. 

Além disso, a Emenda / Carta de 1969 restringiu a vinculação orçamentária, para gastos no ensino, apenas aos municípios, que deveriam aplicar 20% da receita tributária municipal no ensino primário. Esse percentual, aliás, terminou por ser alterado pela Emenda Constitucional nº 24/83, que o fixou em 13% para a União e 25% para os Estados, o Distrito Federal e os Municípios.

A Constituição de 1988 persegue um fim último para o Estado Brasileiro, que é torná-lo um Estado Democrático de Direito. Realçando essa perspectiva política e a natureza pública da educação, demonstra grande preocupação para prever instrumentos voltados para a efetividade educacional, não só definindo seus objetivos, mas também estruturando todo o sistema educacional, enunciando o direito à educação como um direito social no artigo 6º; essa constituição especifica a competência legislativa nos artigos 22, XXIV e 24, IX; dedicando toda uma parte do título da Ordem Social para responsabilizar o Estado e a família, tratar do acesso e da qualidade, organizar o sistema educacional, vincular o financiamento e distribuir encargos e competências para os entes da federação.

Das normas que tratam da educação na Constituição Federal de 1988, algumas apresentam um comando operativo evidente. Entretanto, é indiscutível que em sua maioria as normas que tratam da educação apresentam-se sob a forma de princípios, cuja principal conseqüência é a irradiação de efeitos por todo o sistema normativo, abrindo caminho para a solução de conflitos por meio da ponderação de valores.

Entretanto, direitos cuja extensão não esteja perfeitamente delimitada, assumindo contornos “abertos” ou “móveis” e, em especial, os princípios jurídicos, facilmente entram em colisão entre si, o que é reflexo da falta de fixação de sua amplitude. Em caso de conflito, um direito deve ceder em prol do outro, ou ambos devem realizar concessões mútuas até que seja encontrada a situação mais justa e consentânea com o ordenamento jurídico no caso concreto. Por não representarem os direitos grandezas quantitativamente mensuráveis, a ponderação, em verdade, é apenas uma imagem que reflete a sua valoração, pois a ausência de um escalonamento hierárquico entre todos os bens e valores impede que as hipóteses de conflito sejam adredemente solucionadas como numa equação matemática. Entretanto, Considerar os direitos sociais como normas programáticas revelam vinculação voltada à idéia de pressão de natureza política sobre os órgãos competentes. Isso implica que, como os direitos sociais são direitos subjetivos públicos estatuem direitos fruíveis diretamente pelo cidadão e oponíveis contra o Estado, que tem o dever de implementá-los, o que não deixa de ser uma proteção eficiente concedida pelo ordenamento jurídico.

Comenta-se também o fato de que enquanto o Constituinte optou por indicar o mínimo de garantia existencial com a utilização da expressão direito subjetivo, o legislador infraconstitucional chegou a resultado similar por meio diverso.

Somente é possível falar em direito em havendo o correspondente dever jurídico, e somente pode-se falar em dever caso seja detectada a existência de um poder de coerção apto a alcançar o resultado almejado, caso ele não seja espontaneamente observado. Assim, ao prever a exigibilidade desses direitos prestacionais e assegurar a imediata sindicabilidade judicial dos direitos mencionados no art. 208, o legislador infraconstitucional reconheceu, implicitamente, a sua essencialidade para um desenvolvimento digno das crianças e dos adolescentes, como forma de aumentar as garantias dadas ao pleno desenvolvimento do direito à educação.

Além da proteção integral, o art. 227, caput, da Constituição da República assegurou às crianças e aos adolescentes, com absoluta prioridade, o gozo de inúmeros direitos, dentre os quais o direito à educação. Consagrada a prioridade, é praticamente suprimido o espectro de discricionariedade política do administrador público, já que eliminada a possibilidade de sopesar quaisquer outros direitos com aqueles das crianças e dos adolescentes. A ponderação entre os possíveis valores envolvidos foi realizada, a priori, pelo Constituinte, pouco sendo deixado ao administrador. Tratando-se de direitos que congreguem valores idênticos ou inferiores àqueles consagrados às crianças e aos adolescentes, não haverá qualquer espaço para uma opção distinta daquela que prestigie a absoluta prioridade.

A Constituição de 1988 dedicou toda uma seção ao direito à educação, sendo integrada pelos arts. 205 usque 214. Cada um dos entes federativos deve comprometer, anualmente, um percentual mínimo da receita resultante de impostos, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino: a União dezoito por cento e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios vinte e cinco por cento.

Em seu artigo 22, XIV; a Constituição Federal estabelece competência privativa da União para legislar sobre diretrizes e bases da educação nacional (o que efetivamente foi feito por meio da elaboração da lei de diretrizes e bases da educação nacional, a lei 9394/96); no artigo 24, IX, a competência concorrente da União, dos Estados e do Distrito Federal para legislar sobre educação, cultura, ensino e desporto.

Conforme artigo 211, a organização dos sistemas de ensino está alicerçada na definição de áreas prioritárias de atuação e na preocupação em instituir um regime de colaboração entre os mesmos. Consoante a isto, compete aos Municípios atuar prioritariamente no ensino infantil e fundamental; já aos Estados e ao Distrito Federal compete atuar no ensino fundamental e médio. O papel da União não se limita à organização de seu sistema de ensino, mas se vincula a uma função redistributiva e supletiva, com o objetivo de garantir equalização de oportunidades e padrão mínimo de qualidade, por meio de mecanismos de controle. Assim, não existe uma área de atuação prioritária para a União, pois em verdade lhe cabe atuar, ainda que em caráter de apoio técnico e/ou financeiro, em todos os níveis.

Já o artigo 210 da Constituição Federal demonstra tanto a preocupação com o papel da educação em promover a integração nacional, como com a preservação das peculiaridades regionais, mediante previsão de conteúdos mínimos para o ensino fundamental, visando formação básica comum e respeito a valores culturais e artísticos, nacionais e regionais. Já a previsão do ensino religioso, elemento polêmico em outras épocas, nos termos do parágrafo 1º do artigo 210, deve estar coadunada com a liberdade religiosa e despida de vinculação com qualquer espécie de credo ou religião. Sua função é complementar à formação do indivíduo, vinculada ao seu desenvolvimento espiritual, indispensável ao pleno desenvolvimento da pessoa humana almejado pelo artigo 205.

Além disso, a Constituição consagra também a autonomia universitária e ao seu lado, o artigo 207 consagra a indissociabilidade do ensino, pesquisa e extensão como elemento de organização das instituições universitárias.

 

3. Educação como um Direito Público Subjetivo

A teoria dos direitos públicos subjetivos nasceu na França, com os jusnaturalistas, que sustentavam que os indivíduos possuem direitos naturais públicos subjetivos em virtude do contrato social por eles contraído para sua própria garantia.

Para REALE (1988, passin), o problema dos direitos públicos subjetivos é histórico-cultural, porque representa um momento de ordenação jurídica, atendendo a uma exigência social que se processa, independentemente do arbítrio e da vontade daqueles que, transitoriamente, enfeixam em suas mãos o poder político.  Esta teoria representa uma conquista da época moderna, que atinge a sua força teórica e doutrinária tão-somente na segunda metade do século XIX. A propósito, até época bem recente, nem sequer passava pela cabeça dos tratadistas a idéia, hoje fundamental, da existência de direitos públicos subjetivos.

Para alguns doutrinadores, o direito público subjetivo deriva do Estado e só é admissível nos limites que ele estabelece, enquanto para outros o direito público subjetivo está contido nas relações que o “Estado”, por ser titular de direitos perante os cidadãos, com eles mantém, resultando dessas relações, conseqüentemente, direitos dos cidadãos perante o Estado.

Assim, pode-se mencionar teorias que negam a existência do direito subjetivo, como teorias que o acolhem. Entre as teorias que o acolhem, três delas, pertencentes à doutrina tradicional consagram e reconhecem a existência do direito subjetivo: a teoria da vontade, a teoria do interesse e a teoria mista ou eclética. Inicialmente, dois grandes juristas discutiram o tema, situando-se em posições antagônicas: Windscheid e Ihering.

Para Windscheid o direito subjetivo é sempre uma expressão da vontade, entendida como sendo o poder de vontade conferido pela ordem jurídica. Essa teoria foi chamada de subjetiva por considerar o direito subjetivo é um fenômeno da vontade. Já Ihering considerava que a essência do direito subjetivo não é a vontade, mas sim o interesse juridicamente protegido, considerando interesse no sentido mais lato possível, indicando tanto o interesse para as causas concretas e materiais, como para as de natureza ideal ou intelectual. E a teoria de Ihering foi chamada de teoria objetiva, contrapondo-se à de Windscheid, porque  Ihering considerava que não havia subjetividade dentro do direito público subjetivo, uma vez que ele podia ser resumido no interesse social protegido pelo direito.

Uma terceira corrente teórica, chamada de mista, procurou conciliar as teorias antecedentes, a do direito objetivo com a do direito subjetivo. Entre as teorias mistas mais famosas, destacou-se a teoria de Georg Jellinek, chamada de eclética, que combina e funde as anteriores, chegando à seguinte definição: “Direito subjetivo é o poder da vontade humana que, protegido e reconhecido pela ordem jurídica, tem por objeto um bem ou interesse.” Na seqüência, vê-se uma tabela que tentam diferenciar os aspectos mais básicos dessas teorias:

Tabela n.º 1

Comparação entre as Três Principais Teorias que Explicam a  Existência do Direito Subjetivo

 

 

Teoria da vontade (teoria subjetiva)

Teoria do Interesse (teoria objetiva)

Teoria mista (teoria eclética)

Windscheid

o direito subjetivo é sempre uma expressão da vontade – entendido esse termo como poder de vontade conferido pela ordem jurídica

 

 

Ihering

 

a essência do direito subjetivo não é a vontade, mas sim o interesse juridicamente protegido. O interesse seria tomado no sentido mais lato possível, indicando tanto o interesse para as causas concretas e materiais, como para as de natureza ideal ou intelectual

 

Jellinek

 

 

Direito subjetivo é o poder da vontade humana que, protegido e reconhecido pela ordem jurídica, tem por objeto um bem ou interesse

 

Além disso, é importante relembrar a dicotomia entre o direito objetivo e o direito subjetivo. O direito objetivo indica apenas a norma que, com maior ou menor grau de abstração, disciplina determinada situação jurídica (norma agendi). Já o direito subjetivo, confere ao seu titular a faculdade de agir em conformidade com a situação jurídica abstratamente prevista na norma e de exigir de outrem o cumprimento de um dever jurídico (facultas agendi).

Tanto o direito objetivo como o subjetivo possuem um epicentro comum, que é a pessoa, tanto física quanto jurídica, que é a titular em potencial das relações jurídicas que se desenvolvem no organismo social. Enquanto o direito objetivo ocupa uma vertente externa à pessoa, mas a ela direcionada, o direito subjetivo se realiza na própria pessoa, sendo ambos absorvidos pela noção mais ampla de direito, que busca assegurar o primado da ordem jurídica e a existência digna de todos.

Atualmente, considera-se o direito subjetivo público como uma facultas agendi pública, que tanto pode ter como titular o Estado quanto o particular. Assim, de um lado, o Estado tem a faculdade de exigir do particular o cumprimento de prestações; por outro lado, o particular também tem a faculdade de exigir do Estado o cumprimento de diversas outras prestações. Há, portanto, direito público subjetivo “do administrado” em relação à administração e há o direito público subjetivo “da administração” em relação ao administrado, que recebem proteção jurisdicional, mediante o emprego de vários instrumentos ou garantias jurídicas.

Outro modo de diferencia o direito subjetivo privado do direito subjetivo público é considerar o direito subjetivo intitulado de privado quando consagrado em norma de igual natureza. E é intitulado de público quando decorrente de norma de caráter público, designativo que aufere suas características básicas no objeto da relação jurídica e na sua indisponibilidade, sendo prescindível que o Estado figure em um dos pólos do vínculo.

Entretanto os doutrinadores contemporâneos não mais justificam a necessidade da distinção jurídica entre o direito subjetivo público e o direito subjetivo privado. Pois considera-se o direito subjetivo como prerrogativa individual contida nas relações jurídicas dos particulares entre si ou com o Estado, ambos subordinados à ordem jurídica, sob o império da constitucionalidade e da legalidade.  No Brasil, o direito público subjetivo, devido à relevância da matéria, encontra-se no texto constitucional. Para conhecer e saber quais os direitos públicos subjetivos fundamentais, basta examinar os títulos I e II da Constituição Federal, sobretudo os capítulos I (Dos direitos e deveres individuais e coletivos), II, III, IV.  

Consagrada a disciplina normativa e assegurado, o exercício de um direito, abstratamente, está o seu titular autorizado a exigir daquele que detém o dever jurídico de fazer a efetiva transposição desse estado potencial para a realidade fenomênica, com o conseqüente cumprimento da prestação devida, quer seja positiva ou negativa. Dessa assertiva pode perceber os elementos essenciais do direito subjetivo: sujeito, objeto e relação jurídica.

O sujeito é o titular do direito. Pode ser certo e determinado (como nas obrigações oriundas do direito privado) como também pode ser que somente sejam indicadas as características essenciais dos respectivos titulares, não se descendo a minúcias quanto à sua individualidade.

O objeto é o bem jurídico sobre o qual o sujeito exerce a faculdade que lhe fora assegurada pela norma. Questão mais complexa reside na possibilidade de o homem, como sujeito de direito, dispor sobre a própria pessoa ou sobre os atributos inerentes à sua personalidade. Como decorrência da individualidade existencial do homem e do elemento anímico que direciona seu comportamento, há muito se consagrou o entendimento de que lhe é dado fazer tudo o que lhe aprouver, desde que sua conduta não rompa as fronteiras da indisponibilidade consagradas no ordenamento jurídico. Traçando-se um paralelo imaginário com o direito de propriedade, que é caracterizado pelo ius utendi, fruendi et abutendi (direito de usar, gozar e dispor), seria possível afirmar que o homem pode usar e gozar dos atributos inerentes à sua pessoa e à sua personalidade, mas deles não pode dispor.

A relação jurídica é o vínculo mantido entre o titular do direito subjetivo e aquele que tem o dever jurídico de observá-lo. Não raras vezes, o pólo passivo da relação jurídica é ocupado por sujeitos indeterminados o que em nada descaracteriza o direito. É importante ressaltar, uma vez mais, não ser possível falar em direito sem o correspondente dever de outrem, sendo este o elemento fundamental de uma relação jurídica.

O direito subjetivo, não obstante concebido sob uma perspectiva eminentemente privatista, em que os interesses individuais justificavam a previsão normativa e direcionavam a sua concreção, bem demonstra a presença de um dever e a existência de um direito à sua usufruição. Essa constatação não sofre alterações substanciais ao ser transportada para o plano dos direitos sociais, já que, mantida a essência, tem-se tão somente a ampliação dos titulares da facultas agendi. Ao invés do seu exercício de modo individual, torna-se possível e aconselhável que tal se dê em uma dimensão coletiva.

Assim, quer seja considerado na individualidade de um dos componentes do grupamento, quer seja visto como direito de todos, o direito à educação, a depender da ótica em que seja analisado, será passível de enquadramento na categoria dos direitos subjetivos, pois integrante do denominado mínimo existencial. É justamente com olhos voltados a essa constatação que deve ser interpretado o art. 208, § 1º, da Constituição da República: “O acesso ao ensino obrigatório e gratuito é direito público subjetivo“.

A educação, como direito social fundamental (art. 6º da Constituição Federal), é protegida por uma série de garantias que procuram efetivar a prestação educacional pelo Estado (art. 208 da Constituição Federal). A educação é um direito fundamental do homem, na condição de direito público subjetivo à educação, mas, sobretudo, como algo inerente à própria existência humana, que o Estado deve respeitar, proporcionando educação para todos.

Como foi expresso anteriormente, para se conhecer e saber quais os direitos públicos subjetivos fundamentais, basta examinar os títulos I e II da Constituição Federal, sobretudo os capítulos I (Dos direitos e deveres individuais e coletivos), II, III, IV. Dessa forma, como o direito à educação encontra-se disposto no capítulo sobre os direitos sociais fundamentais (art. 6º CF) ela é um direito público subjetivo. E por isso tem três objetivos definidos na Constituição Federal, que estão diretamente relacionados com os fundamentos do Estado brasileiro (art. 1º c/c art; 3º da CF): pleno desenvolvimento da pessoa; preparo da pessoa para o exercício da cidadania;  qualificação da pessoa para o trabalho.

Assim, se por um lado, o acesso ao ensino fundamental, obrigatório e gratuito é um direito subjetivo; por outro lado, é um dever jurídico do Estado oferecer o referido ensino, caso contrário, o seu não-oferecimento ou sua oferta irregular importa responsabilidade da autoridade competente (art. 208 § 2º da CF; art. 5º § 4º da LDB; art. 54 § 1º e § 2º do ECA).

Entretanto, como o direito à educação, além de ser um direito público subjetivo é um direito subjetivo privado (como explicado anteriormente) apresenta características dos direitos da personalidade (art. 11 do Código Civil). A propósito, quando ele é violado poderá acarretar danos irreparáveis para pessoa, o Estado e a sociedade.

Assim, percebe-se que o direito á educação também possui em si as características dos direitos da personalidade, pois é um direito natural, imanente, absoluto, oponível erga omnes, inalienável, impenhorável, imprescritível, irrenunciável. E por isso não se sujeitando aos caprichos do Estado ou à vontade do legislador, pois se trata de algo ínsito à personalidade humana desenvolver, conforme a própria estrutura e constituição humana.

No entanto, para que se consiga a efetivação da educação como direito público subjetivo nas relações juspedagógicas que envolvem as instituições de ensino, o Estado e os alunos, é necessário, além de uma ordem constitucional de remédios, ações, garantias fundamentais e entidades ou órgãos governamentais e não-governamentais; os instrumentos de tutela à educação para facilitar o acesso à justiça em matéria educacional.

A obrigação da Administração decorre ou das leis e regulamentos ou de ato jurídico individual, porque, em ambos os casos foi editada regra de direito que originou a obrigação. Ao poder de exigir do administrado correspondente a obrigação jurídica “de pagar” da Administração, obrigação que nem sempre existe, como é, por exemplo, o caso do poder discricionário, causa determinante da restrição ou desaparecimento do direito subjetivo. O administrado, neste caso, pode ter interesse, jamais direito. Agindo na esfera da discricionariedade, a Administração desvincula-se de quaisquer obrigações, desaparecendo, desse modo, a possibilidade do direito público subjetivo, pela inexistência da obrigação jurídica do sujeito passivo. Por sua vez, ao poder de exigir da Administração, a qual também pode ser sujeito ativo da relação jurídica, correspondente a obrigação jurídica “de pagar” do administrado.

A fonte primeira dos direitos públicos subjetivos dos administrados reside na lei e no regulamento, mas ambos, em si, não são suficientes, muitas vezes, sem a complementação do ato administrativo, que dá origem ao direito subjetivo, porque se, em inúmeras hipóteses, basta que o indivíduo preencha uma série de requisitos prescritos pela norma para que seja titular ativo do “poder de exigir”, outras vezes, o pronunciamento da Administração completa o traçado do texto legal ou regulamentar.

Desse modo, a norma jurídica delineia apenas, de modo impessoal e geral, o direito, integrando-se este, imediatamente, no patrimônio jurídico do administrado, assim que este cumpra os requisitos enumerados. Nestes casos, o pronunciamento da Administração, dispensável quando ao surgimento do direito público subjetivo, serve apenas como um modo público de reconhecimento da situação jurídica legítima e eficaz.

Graças à estruturação de conceito preciso do direito público subjetivo, é possível empreender a tarefa, difícil, mas aplainada, em parte, de estudar-lhe o campo e os efeitos, em nosso sistema jurídico.

Neste particular, o mandado de segurança é utilizado a todo instante, no Brasil, para a proteção do direito subjetivo público, líquido e certo, ameaçado ou violado por ato de autoridade que cause dano ao cidadão, com a simples ameaça ou com a efetiva violação.

Desse modo, quando o administrado tem o direito de exigir do Estado o cumprimento de obrigações ativas ou passivas, dizemos que está de posse e no uso de seus direitos públicos subjetivos erga statum, figurando, pois, como sujeito ativo de tais direitos e a Administração como sujeito passivo, ao passo que quando o Estado, no uso do jus imperii ou potestade, como por exemplo, na realização efetiva dos créditos resultantes da imposição tributária, exige do particular a cobrança, está, por sua vez, na acionabilidade de seus direitos públicos subjetivos, passando agora a figurar como sujeito ativo da relação de administração.

Cumpre elevar, mediante pretensão, ação e remédio processual adequado, o direito à educação à categoria de realidade exigível, pela aplicação de sanções a quem não o cumpre.

 

4. Educação como um Direito Público Objetivo

A teoria liberal transplantou para o Direito Constitucional a categoria dos direitos públicos subjetivos, teoria elaborada principalmente por Windscheid, Ihering e Jellineck no final do século XIX. Auto-limitações que geravam pretensões do indivíduo frente ao estado, as quais deveriam ser exercidas exclusivamente dentro do marco estabelecido pelas leis. Assim, as Constituições modernas acabaram positivando os grandes valores do direito natural, que é plenamente aplicável ao ordenamento constitucional brasileiro, pois a teoria dos deveres jurídicos de proteção dos direitos fundamentais, a qual agrega a tais direitos – mesmo os de feição individual – adquire uma nova dimensão prestacional.

Assim, a dimensão objetiva dos direitos fundamentais liga-se ao reconhecimento de que tais direitos, além de imporem certas prestações aos poderes estatais, consagram também os valores mais importantes em uma comunidade política e que não podem ser pensados apenas do ponto de vista dos indivíduos, enquanto faculdades ou poderes de que estes são titulares, mas sim do ponto de vista da comunidade, como valores ou fins que esta se propõe a prosseguir.

Dessa forma a dimensão objetiva dos direitos humanos liga-se a uma perspectiva comunitária dos direitos humanos, que nos incita a agir em sua defesa, não só por meio dos instrumentos processuais pertinentes, mas também no espaço público, por meio de mobilizações sociais, da atuação em ONGs e outras entidades, do exercício responsável do direito de voto. Essas atitudes trazem duas conseqüências: a primeira delas é que não basta aos poderes públicos que se abstenham de violar tais direitos, mas ele deve protegê-los ativamente contra ameaças e agressões vindas de terceiros; a segunda é atribuir efeitos jurídicos concretos as normas consagradoras de direitos fundamentais.

O reconhecimento da dimensão objetiva dos direitos fundamentais não significa desprezo à sua dimensão subjetiva, mas um reforço a ela; o que não exclui do debate as argumentações em torno da incidência e da eficácia dos direitos fundamentais tanto nas relações com entidades públicas quanto nas relações com particulares.

É importante ressaltar, que o conceito de vinculação das entidades privadas aos direitos fundamentais vislumbram-se duas realidades distintas, tal como foram introduzidas pela doutrina alemã: a eficácia vertical (externa) dos direitos fundamentais e a eficácia horizontal dos direitos fundamentais.

No primeiro caso, a eficácia vertical (externa) dos direitos fundamentais se assenta na idéia de que os particulares regem em exclusivo as relações entre o Estado e os particulares, o que implica reconhecer que aos particulares, enquanto terceiros, ficariam adstritos a uma atitude negativa de respeito pelos direitos constituídos dos demais cidadãos, por força da atribuição de uma eficácia externa dos direitos fundamentais.

Já na segunda hipótese, a eficácia horizontal dos direitos fundamentais significaria algo mais. Não se trataria, apenas, de atribuir um efeito externo aos direitos fundamentais, mas sim de determinar que estes valem não apenas nas relações, estabelecidas entre o Estado e os particulares, mas também nas próprias relações inter-privadas, isto é, ao nível das relações bilaterais e horizontais estabelecidas entre os próprios particulares. A sua atuação seria, pois, mais marcante, e porventura excessivamente limitadora da autonomia privada.

A adoção dessa segunda orientação poderia suscitar problemas de difícil solução tanto no plano teórico, como no plano prático. O próprio campo do Direito Civil está prenhe de conflitos de interesses com repercussão no âmbito dos direitos fundamentais. O benefício concedido a um cidadão configura, não raras vezes, a imposição de alguma restrição a outrem.

Assim, o problema poderia ser enunciado da seguinte forma: as normas constitucionais consagradoras de direitos, liberdades e garantias devem ou não ser obrigatoriamente observadas e cumpridas pelas pessoas privadas quando estabelecem relações jurídicas com os outros sujeitos jurídicos privados?

A problemática não é nova. As Constituições oitocentistas procuraram resolver algumas dessas questões da eficácia dos direitos fundamentais. Dessa forma, considera-se que a afirmação da igualdade de todos os indivíduos, a supressão da hereditariedade dos cargos públicos e, sobretudo, a proibição da escravatura podem considerar-se como exemplos radicais da eficácia direta dos direitos fundamentais na ordem jurídica privada, interferindo em um tipo de ordenamento jurídico que, após a introdução dos direitos fundamentais, não pode mais existir.

Todavia, e por mais paradoxal que pareça, é a construção dos direitos fundamentais que progressivamente conduziu à aporia da eficácia dos direitos fundamentais na ordem jurídica privada. Isso porque os direitos fundamentais nasceram sob a égide liberal, então, o argumento que fundamenta o raciocínio é: se os direitos fundamentais são direitos de defesa contra o Estado, como poderão transformar-se em direitos de defesa de particulares contra particulares?

Neste aspecto, em primeiro plano, nota-se a incompatibilidade da eficácia externa dos direitos fundamentais com a tese liberal dos direitos fundamentais que reconduziria os direitos, liberdades e garantias, exclusivamente a direitos subjetivos de defesa perante os poderes estaduais. A teoria liberal ao considerar os poderes públicos como os únicos destinatários das normas referentes aos direitos, liberdades e garantias, não tem virtualidades suficientes para compreender a atual dimensão objetiva dos direitos fundamentais, isto é, a sua natureza de elementos da ordem objetiva, com uma “eficácia irradiante” em várias direções que não apenas a dos poderes públicos.

Em segundo lugar, a compreensão da eficácia externa em relação a pessoas privadas tem de abandonar os pressupostos sociológicos individualistas de separação do Estado em relação à sociedade civil. Isso porque a concepção liberal vê o Poder simbolizado apenas pelo Estado, já que a sociedade civil mais não seria do que um conjunto de relações tendencialmente iguais. Assim, só o Estado poderia ameaçar a liberdade individual. Entretanto, essa versão foi desmentida pelos fatos e mostra-se hoje completamente inadequada à realidade social.

Cabe a cada ordenamento jurídico indicar as limitações da autonomia privada, não constata uma previsão constitucional expressa e específica da autonomia privada. Não se pode, pois, pensar a autonomia privada como um dado inerente à tutela constitucional da liberdade, como antes há que desta tutela retirar importantes elementos num sentido ou restritivo da liberdade negocial, ou reordenar desta em tais termos que o seu significado clássico surge completamente alterado.

Contudo, as primeiras críticas às teses que advogavam a vinculação das entidades privadas aos direitos fundamentais, negavam, peremptoriamente, a possibilidade de influência dos direitos fundamentais no domínio do Direito Privado.

Para esses autores, a aplicabilidade dos direitos fundamentais ao nível das relações privadas revelava-se inaceitável, porque colide frontalmente com o princípio do livre desenvolvimento da personalidade contemplado na Constituição trazem um cerceamento inadmissível da liberdade e autonomia privada dos direitos dos indivíduos.

Os direitos fundamentais, notórios pela sua vinculação ao Estado, incluindo neste aspecto a sua aplicabilidade imediata, também exercem nas relações jurídico-privadas a chamada eficácia horizontal, que é a eficácia em relação a terceiros, posto que não seria mais do que um desdobramento dos direitos fundamentais, pois estes não são apenas dirigidos ao Estado, mas também à comunidade como um todo. 

Assim, como se consubstancia a eficácia horizontal dos direitos fundamentais sugere-se a análise de duas teorias: a teoria da eficácia direita ou imediata, e a teoria da eficácia indireta ou mediata.

A eficácia direta ou imediata aplica-se obrigatória e diretamente no comércio jurídico entre as entidades privadas. Já a teoria da eficácia indireta ou mediata, considera a possibilidade de uma eficácia indireta nas relações privadas, pois a sua vinculatividade exercer-se-ia primeiro sobre o legislador, que seria obrigado a conformar as referidas relações obedecendo aos princípios materiais positivados nas normas de direito, liberdades e garantias.

De acordo com a primeira corrente, os direitos fundamentais apenas poderiam ser aplicados no âmbito das relações entre particulares após um processo de transmutação, caracterizado pela aplicação, interpretação e integração das cláusulas gerais e conceitos indeterminados do direito privado à luz dos direitos fundamentais. Já para a segunda corrente, uma vinculação direta dos particulares aos direitos fundamentais encontra respaldo no argumento de acordo com o qual, em virtude dos direitos fundamentais constituírem normas de valor válidas para toda a ordem jurídica e da força normativa da Constituição, não se pode aceitar que o direito privado venha a formar uma espécie de gueto à margem da ordem constitucional.

Entretanto, é oportuno descrever que há um entendimento equivalente e igualitário sobre que os direitos fundamentais e sua eficácia horizontal, ou seja, na esfera privada, quando do caso de desigualdades externadas por um maior ou menor poder social. Assim, nas relações jurídicas entre os sujeitos privados, é coerente designar o efeito imediato em relação a terceiros.

Por efeito imediato em relação a terceiros não se pode entender que os direitos frente ao Estado sejam, ao mesmo tempo, direitos do cidadão frente a outros cidadãos, nem se pode alegar um efeito imediato em relação a terceiros mudando simplesmente o destinatário dos direitos frente ao Estado, uma vez que nas relações cidadão/cidadão, em razão de ambos serem titulares de direitos fundamentais, existe uma força de efeito diferente da que existe na relação Estado/cidadão.

Assim, dentro dos parâmetros dos direitos fundamentais nas relações privadas, poder-se-á dizer que existem entre os cidadãos direitos e não liberdades, delineando-se que, independente de qual forma ou teoria, seja imediata ou mediata se dá a vinculação de terceiros em relação aos direitos fundamentais. Assim, chega-se a conclusão de que o direito privado e as normas constitucionais não devem ser distantes, mas sim um processo contínuo para que quando aplicar-se-á uma norma de direito privado, também aplicar-se-á uma norma constitucional. Assim sendo, a eficácia horizontal dos direitos fundamentais deve estar consubstanciada na convergência com o direito privado e vice-versa.

Considerando um eventual conflito de uma norma de direito fundamental e um princípio de autonomia privada delineia-se uma interpretação tópica, mediante determinadas análises de casos concretos, de tal sorte que ao ser tratada de forma equânime às situações de uma pressuposta colisão de direitos fundamentais.

É possível verificar que a eficácia dos direitos fundamentais na esfera privada também podem ser suscitados pela intervenção estatal por meio de uma legitimação dotada de princípios constitucionais. 

Por derradeiro, é inequívoco dizer que as normas de direito privado não podem desencadear uma afronta ao conteúdo dos direitos fundamentais, sob pena de terem a sua própria efetividade contestada.  

Pelo que foi exposto, como a educação é um direito fundamental, considera-se correta a aplicação da teoria dos direitos públicos objetivos em seara educacional. Assim, a dimensão objetiva da educação prende-se ao reconhecimento de que nela estão contidos os valores mais importantes de uma comunidade política. Esses valores educacionais penetram por todo ordenamento jurídico, instituindo um modelo único de proteção e sensibilização, impondo ao estado deveres de proteção. Assim, já não basta que o estado se abstenha de violar os direitos educacionais, é preciso que ele aja concretamente para protegê-los de agressões e ameaças de terceiros, inclusive daquelas provenientes dos atores privados.

A afirmação da dimensão objetiva do direito à Educação constitui um reforço aos direitos fundamentais, que amplia o seu raio de atuação, permitindo que eles transcendam o domínio das relações entre indivíduos e estado ao qual estavam confinados pela sua interpretação liberal e positivista.

É possível transplantar para o direito brasileiro, essa teoria nascida em solo alemão, já que ela não apenas se revela perfeitamente compatível com o espírito da Constituição de 88, como também representa uma importante contribuição para o enfrentamento jurídico dos graves problemas da sociedade brasileira, marcada pela desigualdade e pela violência, e tão necessitada da afirmação concreta dos valores constitucionais e dos direitos humanos. Todavia, o reconhecimento da dimensão objetiva dos direitos fundamentais, com sua projeção sobre toda ordem jurídica, não pode resultar em confisco total da liberdade de conformação do legislador, essencial num estado que se pretenda democrático.

Assim, a exegese dos direitos fundamentais sobre uma perspectiva objetiva e outra subjetiva, revela no âmbito da dogmática constitucional, uma moderna temática acerca do assunto, que pode ser apreciada a partir do momento que se busca compreender os direitos fundamentais como direitos subjetivos individuais, bem como elementos objetivos fundamentais na esfera de uma comunidade.

Não se presume aqui partir do corolário de que alguns direitos fundamentais são objetivos e outros são subjetivos, é mister designar que um mesmo direito pode assumir um panorama subjetivo e objetivo.

Consoante a isso, a exegese dos direitos fundamentais sobre uma perspectiva objetiva e outra subjetiva, revela no âmbito da dogmática constitucional, uma moderna temática acerca do assunto. Essa forma de pensar Esta temática pode ser apreciada a partir do momento que se busca compreender os direitos fundamentais como direitos subjetivos individuais, bem como elementos objetivos fundamentais na esfera de uma comunidade.

Assim, para delinear-se a eficácia dos direitos subjetivos, dever-se-á externar uma norma de direito objetivo que a de força para esta requerida eficácia. Isto posto, pode-se dizer que a perspectiva objetiva dos direitos fundamentais não é considerada como o lado avesso de uma vestimenta dos direitos subjetivos, ambas possuem perspectivas diversas.

Partindo do pressuposto de que os direitos subjetivos individuais estão vinculados à aprovação pela comunidade na qual estão inseridos, há que se ter em mente uma espécie de responsabilidade coletiva por parte dos indivíduos, delineando o entrelace das dimensões objetiva e subjetiva, no que tange à função axiológica da perspectiva objetiva dos direitos fundamentais.

Deste modo, é esta perspectiva que legitima restrições aos direitos subjetivos individuais com base no interesse comunitário prevalente, mas também que, de certa forma, contribui para a limitação do conteúdo e do alcance dos direitos fundamentais, ainda que deva sempre ficar preservado o núcleo essencial destes.

Adentrando na exegese específica dos direitos sociais, é mister para uma maior clarificação acerca da problemática, a divisão do tema em dois planos:

No plano subjetivo: os direitos sociais, em especial o direito à educação, consideram-se inseridos no espaço existencial do cidadão, independentemente da possibilidade da sua exeqüibilidade imediata. No plano objetivo: as normas que consagram os direitos fundamentais estabelecem imposições legiferantes, no sentido de o legislador atuar positivamente, criando as condições materiais e institucionais para o exercício destes direitos.

Assim, o direito à educação é um objeto da pretensão dos cidadãos (aspecto subjetivo) e do dever do Estado, que é imposto ao legislador mediante as imposições constitucionais (aspecto objetivo). Com isso, se a prestação não pode ser judicialmente exigida, não se enquadrando no modelo clássico de direito subjetivo, a doutrina tende a salientar apenas o dever objetivo da prestação pelos entes públicos e a minimizar o seu conteúdo objetivo. Entretanto, convém salientar que o direito à prestação não corresponde rigorosamente ao dever de prestação do Estado, ele está contido na imposição legiferante, assim, a âmbito normativo daquele direito pode ser mais amplo ou mais restrito que o deste dever.

A educação, na condição de preceito de direitos subjetivos, incorpora determinados valores e decisões essenciais que caracterizam a sua fundamentalidade, podendo servir na sua qualidade de normas de direito objetivo, e independentemente de sua perspectiva subjetiva, servem como noção para o controle de determinados atos normativos estatais.

Assim, para delinear-se a eficácia dos direitos subjetivos, dever-se-á externar uma norma de direito objetivo. Isto posto, pode-se dizer que a perspectiva objetiva dos direitos fundamentais não é considerada como o lado avesso de uma vestimenta dos direitos subjetivos, ambas possuem perspectivas diversas.

Partindo do pressuposto de que os direitos subjetivos individuais estão vinculados, de certa maneira, à aprovação pela comunidade que está inserido, não podendo ser dissociado, uma espécie de responsabilidade coletiva por parte dos indivíduos, delineando o entrelace das dimensões objetiva e subjetiva, no que tange à função axiológica da perspectiva objetiva dos direitos fundamentais.

Deste modo, é esta perspectiva que legitima restrições aos direitos subjetivos individuais com base no interesse comunitário prevalente, mas também contribui para a limitação do conteúdo e do alcance dos direitos fundamentais, ainda que deva sempre ficar preservado o núcleo essencial destes.

Os direitos sociais, especificamente o direito à educação, na condição de preceitos de direitos subjetivos, incorporam determinados valores e decisões essenciais que caracterizam a sua fundamentalidade, podendo servir na sua qualidade de normas de direito objetivo, e independentemente de sua perspectiva subjetiva, servem como noção para o controle de determinados atos normativos estatais.

 

CONCLUSÃO

Tratar a educação como um direito fundamental é condição indispensável ao pleno desenvolvimento da personalidade humana e à concreção da própria cidadania.

Ao identificadar às três gerações de direitos fundamentais, as quais, não obstante sucessivas entre si, não excluem as anteriores, o direito à educação tem sido tradicionalmente incluído no rol dos direitos sociais, que se enquadram no espectro da segunda geração. Apesar disso, é indiscutível a sua importância à concreção dos direitos de primeira geração, pois não se pode falar em liberdade plena sem o exato conhecimento de seu próprio alcance.

Assim, sendo os direitos sociais enquadrados como mera variante dos direitos e garantias individuais, ou considerados como projeções do princípio da dignidade humana, tornam-se limites materiais ao exercício do poder reformador.

Sendo disciplinado em nossas constituições, o direito à educação, mostrou, em sua trajetória constitucional, sua paulatina transformação de mero direito e garantia de segunda geração para um direito público subjetivo e, mais modernamente, como um direito público objetivo.

Essas transformações não foram só sentidas pelo direito à educação, mas também por todos os outros direitos e garantias fundamentais. Entretanto, ao direito à educação implicam-se outras características, como a possibilidade de uma ampliação do acesso à cidadania, e também a possibilidade de, por meio do acesso a educação, garantirem-se um melhor exercício dos direitos e garantias fundamentais.

 

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Ivana Nobre Bertolazo

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