Sumário: 1. Introdução 2. Globalização 3. Cidadania 4. Conclusão 5. Bibliografia
Resumo:
Este artigo teve por objetivo demonstrar a necessidade de reconfiguração da cidadania a partir dos efeitos e conseqüências acarretadas pelo fenômeno da globalização, especialmente, sob o tradicional sistema westfaliano e dos Estados nacionais, apontando assim, para a concretização de uma cidadania global. Com este propósito, procurou-se estudar a categoria globalização, descrevendo suas possíveis dimensões de análise, bem como as diferentes formas de interpretação do seu conceito e algumas de suas conseqüências sob a estruturação dos Estados nacionais e da esfera internacional. Em seguida, buscou-se demonstrar a forma de configuração da cidadania nacional, além das principais modificações acarretadas pela globalização, indicando, por fim, experiências de cidadania global já realizadas no espaço da sociedade civil global e da União Européia. Desta forma, percebe-se a necessidade de conjugação entre uma noção de cidadania nacional e global, sendo ambas complementares à realização de uma democracia.
Palavras-Chaves: Globalização, Cidadania, Estado nacional, sociedade civil global, União Européia.
Abstract:
This article aimed to demonstrate the need for a reconfiguration of citizenship based on the effects and consequences brought about by globalization, specially under the traditional Westfalian and Nation-States’ system, thus signaling for the formulation of a global citizenship. For that purpose, a study on the category ‘globalization’ was carried out; its possible analysis standpoints were described, as well as its different conceptual interpretations and some of its consequences over the structuration of Nation States and the international scene. Afterwards, it was demonstrated how national citizenship is configured, as well as the main modifications brought about to it by globalization; at last, global citizenship experiences taking place in the global civil society and in the European Union were shown. In this manner, the need for an adaptation between the notions of national and global citizenship is apparent, each one being considered complementary to the realization of democracy.
Key words: Globalization, Citizenship, Nation State, Global Civil Society, European Union.
1. Introdução:
O contexto atual é marcado pelo advento da globalização, o que acarreta a urgente necessidade de pensar esse processo, diante de seus imediatos reflexos nos campos prático e teórico, em especial, para este trabalho, sobre os temas relacionados ao Estado nacional e cidadania.
Percebe-se que esta investigação já começa a ser realizada pela teoria social em virtude das alterações e dos desafios postos ao modelo estatal de westafália até então fundado na constituição de um Estado soberano e centralizado que exerce seu poder sobre um território e povo definido, consubstanciado numa democracia representativa e cidadania nacional. A globalização vem justamente colocar em xeque a soberania e autonomia dos Estados nacionais diante da modificação das fronteiras territoriais e novas fontes de poder que atuam sobre estes, abalando a aliança histórica entre capitalismo, economia de mercado, Estado de bem estar social e democracia
[1], o que leva à necessidade de revisão não só do paradigma estatal, como da teoria democrática e do conceito de cidadania.
Como ressalta Robertson,
[…] grande parte da teoria social é ao mesmo tempo um produto do e uma reação implícita ao processo de globalização – ao contrário de um envolvimento direto com o mesmo processo. Dessa forma, saliento a necessidade de redirecionar a teoria e a pesquisa para um reconhecimento explícito da globalização.
[2]
De modo geral, a globalização acarreta a necessidade de ir além do paradigma do Estado nacional diante das várias mudanças não só no campo teórico, como ressaltado acima, mas também no campo real, pois apresenta um aspecto inegavelmente material diante dos fluxos de comércio, de capital e de pessoas em todo o globo facilitados por diferentes tipos de infra-estrutura que possibilitam as precondições para formas regularizadas e relativamente duradouras de interligação global. Além disso, representa uma mudança no alcance espacial da ação e da organização social, que passa para um escala inter-regional ou intercontinental. Por fim, a globalização gera certa mudança de ordem cognitiva, que se traduz numa conscientização popular crescente do modo como os acontecimentos distantes podem afetar os destinos locais e vice-versa, bem como em percepções públicas da redução do tempo e do espaço geográfico.
[3]
Diante destas mudanças, faz-se necessário investigar ainda melhor o que vem a ser a globalização para que se possa compreender e demonstrar seus efeitos e reflexos na configuração de uma cidadania global.
2. Globalização
A globalização constitui um processo emergente e ainda em construção,
[4] o que faz com que não possua um sentido unívoco e universal, nem mesmo um acordo sobre seu período inicial entre os teóricos. Como afirma Beck, globalização é
[…] a palavra mais usada – e abusada – e a menos definida dos últimos e dos próximos anos; é também a mais nebulosa e mal compreendida, e a de maior eficácia política. […] é preciso distinguir (sem pretender uma exatidão ou completude absoluta) entre as diversas dimensões da globalização […].
[5]
Assim, a globalização se afirma como um “fenômeno mutifacetado”
[6] apresentando dimensões econômicas, sociais, políticas, culturais, entre outras, que são interligadas de modo complexo. Por tais razões, parecem inadequadas as explicações monocausais e as interpretações monolíticas deste fenômeno, o que acarreta também a dificuldade de alcançar acordos sobre seu significado e implicações sobre o Estado-nação.
[7] É justamente esse caráter dimensional que faz com que a globalização não seja caracterizada com um processo linear, fruto da unificação econômica.
[8], mas um processo que obedece a ritmos e lógicas distintas em cada uma dessas esferas.
[9]
A dimensão econômicase apresenta como a dimensão mais focada da globalização, sendo muitas vezes confundida com o próprio fenômeno e sustentada pelo consenso econômico neoliberal. Ela é concebida como
integração da economia em nível supranacional, deflagrada pela crescente diferenciação estrutural e funcional dos sistemas produtivos e pela subseqüente ampliação das redes empresarias, comerciais e financeiras em escala mundial, atuando de modo cada vez mais independente dos controles políticos e jurídicos ao nível nacional.
[10]
Conforme Vieira, o mercado tornou-se a matriz estruturadora da vida social e política da humanidade, sobrepondo-se às fronteiras nacionais. As ‘virtudes’ do mercado são recuperadas como valor universal, e não mais como identidade nacional.
[11] Entretanto, isto não significa um afastamento do Estado nacional, posto que é ele justamente que irá efetivar, no campo nacional, as decisões necessárias à realização das medidas econômicas.
Na dimensão
política, enfoca-se uma mudança na preponderância dos sistemas interestatais, consolidados pelo Tratado de Westfália no século XVII, que conferia a cada Estado o direito de exercer sua soberania sobre seu território e povo, inexistindo uma autoridade mundial superior. A partir da segunda metade do século XX foram criadas instituições intergovernamentais de caráter global, tal como a ONU, o Fundo Monetário Internacional; ou regional, como exemplo a União Européia ou Mercosul, que estabeleceram novas formas de governança.[12] Desta forma, os Estados sofrem limitações em suas soberanias com a atuação destas novas instituições em seus limites internos.
Entretanto, não são só essas novas instituições e agências que passam a competir pelo poder com os Estados nacionais, mas também as agências financeiras internacionais, as empresas multinacionais, além de Ong’s (organizações não governamentais) e movimentos sociais.
É na dimensão socialque mais ficam visíveis as conseqüências da globalização, em especial, as de ordem econômica e financeira, diante de suas metas por lucro e expansão, que geram uma série de desigualdades, exclusão social, má distribuição de riquezas, desempregos, flexibilização de direitos, entre outros, na qual acabam por resultar em conflitos internos, bem como no enriquecimento dos países do Norte do globo e empobrecimento dos países do Sul.
Com bem assevera Vieira, o problema do
[…] aumento dos níveis de pobreza em todas as regiões do mundo não se deve à escassez de recursos econômicos. A capacidade produtiva da economia global é imensa: as inovações da alta tecnologia conduzem ao aumento da produção, mas ao mesmo tempo reduzem significativamente a necessidade de mão-de-obra na indústria e na agricultura, provocando elevados índices de desemprego e baixos salários.
[13]
Quanto ao aspecto
cultural, o fenômeno produz tanto efeitos homogeneizadores a partir da conformação de certos comportamentos culturais, usos lingüísticos e gostos estéticos, entre outros, principalmente em virtude da predominância da globalização enquanto processo econômico, refletido na expressão McDonalização do mundo; como também de um movimento cultural heterogêneo, fruto dos deslocamentos globais e alargamento das fronteiras que transformam o mundo numa rede de relações sociais com um fluxo variado de significados[14], causando “extensos efeitos diferenciadores”[15].
Entretanto, independente do sentido individual de significação de todas as dimensões que o termo comporta, estas apresentam em comum a meta de derrubada da “idéia de que se vive e se interage nos espaços fechados e mutuamente delimitados dos estados nacionais e de suas respectivas sociedades nacionais.”
[16]
Assim, percebe-se que o termo globalização não possui um sentido unívoco e universal dentro das ciências sociais. Entretanto, pode-se detectar dentre as correntes estudiosas do termo duas posições extremas sobre um possível conceito.
De um lado, encontra-se aqueles que pode chamar de céticos, que encaram a globalização com um discurso ideológico, ou seja, um mito conveniente que tanto ajuda a justificar e legitimar o projeto global neoliberal que tem por escopo a criação de um livre mercado global e a consolidação do capitalismo anglo-americano nas principais regiões econômicas do globo, disciplinando os cidadãos para que satisfaçam os requisitos do mercado global
[17].
De outro lado, encontra-se a visão dos globalistas mais radicais, que entendem haver um processo de globalização cujas características essenciais estão já de fato realizadas, o que pode ser observado nos âmbitos político, econômico e cultural. Na esfera econômica haveria já uma situação na qual a economia mundial estaria submetida a processos essencialmente globais, de modo que os mercados – principalmente financeiro – e a produção globais estariam inevitavelmente acometidos por tendências à liberalização, cujos principais atores seriam empresas transnacionais, escapando dos tradicionais mecanismos de controle dos Estados-nação, agora ineficazes para intervir numa esfera econômica cada vez mais complexa e ingovernável. Politicamente, o Estado sofreria a perda considerável de soberania – fenômeno extremamente relacionado ao anterior – já que as decisões políticas locais passam a estar cada vez mais sob as limitações de decisões políticas tomadas por organismos transnacionais, sobre os quais os Estados nacionais não possuem autoridade. Finalmente, no âmbito cultural este processo seria vivenciado cotidianamente nas mais distantes partes do globo, através de comportamentos culturais, manifestações estéticas, criação de vínculos sociais, compartilhamento de uma linguagem comum (o inglês), fenômenos sobre os quais as sociedades nacionais pouco podem influir.
Entre uma perspectiva que destitui as análises da globalização de qualquer valor teórico por serem apenas manifestações ideológicas de interesses econômicos parciais, e outra perspectiva que afirma já vivermos numa sociedade verdadeiramente global em todos seus aspectos fundamentais, é possível e mesmo necessário realizar análises mais moderadas, de modo a evitar os evidentes exageros contidos em ambas posturas. Apenas a título de exemplo, uma alternativa viável seria afirmar a existência de uma sociedade mundial na qual os Estados nacionais não mais dispõem de uma soberania ilimitada no âmbito de seus territórios como conseqüência de processos que tendem à internacionalização, mas cuja força é bastante distinta nas esferas econômica, política e cultural, ressaltando a diferença enorme que haveria entre uma economia verdadeiramente global e uma que sofre as conseqüências de uma crescente internacionalização, cuja existência pode ser em grande parte garantida e estimulada pela força ainda existente de Estados nacionais.
[18]
Assim, após estas variadas interpretações, passa-se a definir, em termos gerais, a globalização como "a intensificação das relações sociais em escala mundial, que ligam localidades distantes de tal maneira que acontecimentos locais são modelados por eventos ocorridos a muitas milhas de distância e vice-versa."
[19] É um processo dialético, pois os acontecimentos locais podem se deslocar numa direção anversa às relações muito distanciadas que as moldam. Desta forma, prossegue o autor,
a transformação local é tanto uma parte da globalização quanto a extensão lateral das conexões sociais através do tempo e do espaço. Assim, quem quer que estude as cidades hoje em dia, em qualquer parte do mundo, está ciente de que o que ocorre numa vizinhança local tende a ser influenciado por fatores – tais como dinheiro mundial e mercados de bens – operando a uma distância indefinida da vizinhança em questão
[20]
É justamente a partir desta maior possibilidade de integração que os homens passam a estar mais interligados, independentes de suas vontades, o que faz com que todos passem a ser cidadãos do mundo, mas não como alerta Ortiz, no sentido antigo de cosmopolita, de viagem, mas sim no sentido de cidadãos mundiais, mesmo quando não há deslocamento, “o que significa dizer o mundo chegou até nós, penetrou nosso cotidiano.”
[21]
3. Cidadania:
Contemporaneamente, o termo cidadania vem sendo utilizado cada vez mais freqüentemente por um número maior de pessoas, associado a diversos sentidos e intenções, face à sua rápida compreensão e disseminação pelos meios tecnoculturais.
[22]
Assim, a categoria pode ser entendida sob vários ângulos de acordo com as condições históricas, jurídicas, econômicas, sociais e culturais das sociedades, englobando seu conceito elementos de diversos matizes ideológicos, surgidos no decorrer dessa evolução, bem como comportando diversos tipos de classificação.
[23]
Todavia, quando se analisa os vários sentidos da palavra cidadania, pode-se encontrar alguns traços comuns que auxiliam a compreender o termo e a ordenar os estudos sobre a categoria, quais sejam, a relação necessária com os tipos de direitos, deveres, formas e locais de participação e pertença comunitária.
Ressalta-se que parte das análises sobre cidadania se encontra voltadas para refletir sobre tais peculiaridades dentro de uma ordem nacional, ou seja, sob a perspectiva de uma cidadania nacional, criada justamente como elemento necessário a sustentação a instituição do Estado nacional.
Neste sentido, a compreensão de cidadania se encontra vinculada a um território nacional de um Estado mediante a qual atribui aos indivíduos status de pertença nacional (identidade nacional) e condições de aquisição e exercício de direitos e deveres dentro de um sistema democrático representativo.
Entretanto, é a partir deste novo contexto global que impõe desafios ao tradicional sistema westfaliano e do Estado-nação é que tal perspectiva nacional de cidadania passa a ser
pressionada pelos efeitos globais que acarretam entre outros, o enfraquecimento dos “laços territoriais que ligam o indivíduo e os povos ao Estado, deslocando o lócus da identidade política, diminuindo a importância das fronteiras internacionais e abalando seriamente as bases da cidadania tradicional.”[24]
Neste caminho, dentre as vários características fundamentais da cidadania desafiadas pela globalização, pode-se elencar três de significativa importância, quais sejam, a questão da representação, da concessão de direitos e da participação cidadã.
No tocante à
representação, esta tradicionalmente é vista pela teoria da democracia liberal como uma relação simétrica e congruente entre os responsáveis pelas decisões políticas e os que recebem estas decisões, ou seja, são congruentes e simétricas as relações no Estado-nação entre os cidadãos eleitores que em princípio podem exigir dos governantes que prestem contas dos seus atos e entre o output (decisões, políticas etc.) dos que decidem e seus eleitores (o povo dum dado território). Entretanto, com o aumento das interconexões globais ocorrem mudanças nesta estrutura uma vez que as decisões tomadas pelos Estados se vêem restringidas, muitas vezes, pelo poder de novos centros de decisão em seus limites, tais como as proferidas pelo Banco Mundial, pelo Fundo Nacional Monetário, pela Comunidade Européia; pelas organizações mundiais, pelas instituições regionais e globais, pelo direito internacional e pelas alianças militares etc[25]; mas também diante da situação de que agora as decisões de uma maioria de um Estado passam a afetar outros indivíduos que não só os próprios cidadãos que delas participam[26], passando assim, a não mais haver congruência e simetria entre decisões e responsabilidade entre representantes e representados.
Quanto à
concessão de direitos, esta é realizada pelos Estados nacionais a seus cidadãos que, além desta função, exerce o papel de garantir a realização e concretização desses direitos mediante mecanismos burocráticos e legislativos. Entretanto, com a globalização “os direitos, deveres e o bem-estar dos indivíduos só podem ser satisfatoriamente garantidos se, além de sua articulação adequada nas constituições nacionais, forem respaldados por regimes, leis e instituições regionais e globais.”[27] Assim, há a necessidade de um globalização da política em busca de soluções eficazes para questões que não podem ser resolvidas seguindo somente sob os parâmetros estatais.[28] Nesse caminho, importante são os direitos humanos que, de modo geral, são direitos que pertencem a toda humanidade, independente do critério da nacionalidade devendo ser protegidos por grupos ou instituições não estatais na esfera internacional.[29]
A possibilidade de participação política do cidadão tanto na esfera pública formal (estatal) como informal (sociedade civil) é circunscrita aos limites do Estado-nação. Hoje, entretanto, tal situação começa a mudar com a emergência de novos locais de participação, a partir da criação de novas instituições de caráter global e regional e na chamada esfera pública global, que propicia a atuação de novos atores globais. Tal como explicita Held e McGrew,
A promoção do bem político e de princípios igualitários de justiça e participação política é buscada, com acerto, nos níveis regional e global. Suas condições de possibilidade estão inextricavelmente ligadas à criação e desenvolvimento de organizações transnacionais sólidas e de instituições de governo regional e global. Numa era global, estas últimas constituem a base necessária para as relações de cooperação e a conduta justa.”
[30]
São justamente estes novas condições de participação que já vem ocorrendo que sinalizam na direção de uma cidadania global.
Diante disto torna-se necessário repensar a cidadania para adequá-la as novas exigências globais, ou seja, pensar numa
cidadania global, o que de fato já vem ocorrendo, tanto no campo teórico, como no campo prático. Entretanto, por se constituir uma situação fática extremamente nova que vem se desenvolvendo a cada ano, não há um consenso sobre a nomenclatura referida entre os estudiosos do tema, podendo-se falar em cidadania global, transnacional, regional, cosmopolita, entre outras tantas. Para este trabalho, o que vai caracterizar esta nova cidadania é sua dimensão global, dissociada de uma concepção de nacionalidade restrita somente ao Estado nacional a partir do deslocamento do conceito de soberania nacional para o âmbito internacional, gerando a possibilidade de se "pertencer a uma comunidade política e ter participação independente da questão da nacionalidade."[31]
Assim, um dos novos estímulos para pensar uma cidadania global é a formação do que os autores chamam de uma sociedade civil global como um “conjunto de atores heterogêneos que atuam no sistema internacional em torno de alguns valores e da criação de espaços públicos nos quais seja possível debater as políticas desenvolvidas pelos organismos internacionais e reverter as tendências perversas da globalização.”
[32] Estes novos atores globais representados por associações civis, organizações não governamentais, movimentos sociais, buscam monitorar questões que estão fora do controle dos países, tais como o sistema monetário internacional, o meio ambiente, as novas formas de comunicação, bem como buscam redefinir o papel das agências internacionais e suas relações com as instituições nacionais e organizações da sociedade civil, de forma a adotar regras e princípios democráticos.
[33] Alguns exemplos desta atuação pode ser denotado na ação destes atores frente a organismos internacionais; na participação em conferências Internacionais e acompanhamento das mesmas; em ações locais de dimensão global; em redes de organizações e cooperação internacional.
[34]
É aqui mais uma vez que se constata o reflexo e a importância do pensar global e agir local na busca de uma globalização de – baixo – para -cima ou contra-hegemônica.
[35] Desta maneira,
Global e local se interpenetram e se tornam inseparáveis. O global investe o local, e o local impregna o global. Não se trata mais de duas instâncias autônomas que se relacionam de uma determinada maneira, influenciando-se reciprocamente, mas mantendo cada uma sua identidade. Trata-se agora de um processo que engloba, em seu movimento, o local e o global combinados.
[36]
Outro exemplo importante para construção e fortalecimento da noção de cidadania global que vem legitimar novos espaços globais de atuação política e de criação de novos instrumentos de poder decisório é a formação de instituições regionais, tal como a União Européia, com a formação de novas instituições políticas e jurídicas, a exemplo do Parlamento Europeu e Tribunal de Justiça da União Européia que possibilitam aos indivíduos dos países signatários do Tratado de
Maastricht (1991) a participação formal na entidade e seus órgãos, como um modo complementar a suas cidadanias nacionais. Exemplos desses direitos de cidadania européia de caráter formal são: direito de livre circulação das pessoas; direito de voto e elegibilidade; de proteção diplomática e petição ao Parlamento Europeu
[37]; a faculdade de dirigir-se às instituições e aos organismos comunitários em qualquer das doze línguas do Tratado, bem como o direito de receber uma contestação na mesma língua; como também o direito de acesso, por exemplo, a documentos.
[38]
4.Conclusão:
Diante do que foi visto, percebe-se que a globalização acarretou a necessidade de repensar a categoria cidadania, inclusive, adaptando-a a este contexto global.
Entretanto, é mister destacar que a criação de uma nova esfera de atuação política e social que estabelece uma nova reconfiguração de cidadania para um âmbito internacional, não retira o papel essencial da cidadania nacional, vinculada aos Estados nacionais que, apesar de cederem parcelas de sua soberania a organismos internacionais, é o campo principal de desenvolvimento de cidadania, na qual estabelece não só as formas e locais de participação nos Estados e sociedades, bem como cria e garante direito e deveres aos cidadãos. Além disso, a cidadania nacional se configura, muitas vezes, como condição necessária para o próprio exercício e defesa de muitos direitos na seara internacional, tal como o direito de deslocamento que, somente pode ser exercido de maneira legal diante da expedição de documentos jurídicos pelos Estados nacionais, pois caso contrário, configura-se uma situação de clandestinidade que pode acarretar sérias conseqüências. Assim, “é impossível negar a centralidade da cidadania westphaliana, o que significa que o estado é o ator central na determinação de sua qualidade na vida dos indivíduos e grupos.”
[39]
Portanto, a cidadania continuará definida pela pertença a um Estado-Nação, mas se deve somar a ela as novas formas de cidadania global passando a atuar de forma conjunta e complementar, ou seja, a cidadania nacional não excluí a cidadania global, sendo ambas necessárias à concretização da democracia global.
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[1] Cf. BECK, Ulrich. O que é globalização. Equívocos do globalismo. Respostas à globalização. Tradução: André Carone. São Paulo: Paz e Terra, 1999, p. 25.
[2] ROBERTSON, Roland. Mapeamento da condição global: globalização como conceito central. In: Cultura Global. Nacionalismo, globalização e modernidade. 3. ed. Petrópolis: Vozes, 1990, p. 23-39, p. 23.
[3] Cf. HELD, David; MCGREW, Anthony. Prós e contras da globalização. Tradução: Vera Ribeiro.Rio de Janeiro: Jorge Zahar , 2001, p. 12-13.
[4] Cf. ORTIZ, Renato. Mundialização e cultura. 2. ed. São Paulo: Editora Brasiliense S. A., 1996, p. 15.
[5] BECK, Ulrich. O que é globalização. Equívocos do globalismo. Respostas à globalização, p. 44.
[6] SANTOS, Boaventura de Sousa (Org.). A globalização e as ciências sociais. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2002, p. 26.
[7] Cf. RIVERO, Angel. Ciudadanía y globalizacíon, Revista Anthopos, Barcelona, n.191, 2001, p. 70- 78, p. 72.
[8] Cf. BECK, Ulrich. O que é globalização. Equívocos do globalismo. Respostas à globalização, p. 215.
[9] Cf. AVRITZER, Leonardo. Globalização e espaços públicos: a não regulação como estratégia de hegemonia global. Revista Crítica de Ciências Sociais, out., 2002, n. 63, Coimbra-Portugual, p. 107-121, p. 112.
[10] FARIA, José Eduardo. O direito na economia globalizada. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 52.
[11] Cf. VIEIRA, Liszt. Cidadania e globalização. Rio de Janeiro: Record, 1997. p.81.
[14] Cf. HANNERZ, Ulf. Cosmopolitas e locais na cultura global. In: Cultura Global. Nacionalismo, globalização e modernidade. 3. ed. Petrópolis: Vozes, 1990, p. 251-266, p.251.
[15] HALL, Stuart. Da diáspora: identidades e mediações culturais. Tradução: Adellaine La guardia Resende et al. Belo Horizonte: Ed. UFMG/Brasília: Representação da UNESCO no Brasil, 2003, p. 59.
[16] HANNERZ, Ulf. Cosmopolitas e locais na cultura global, p. 46.
[17] Cf. HELD, David; MCGREW, Anthony. Prós e contras da globalização, p. 14.
[18] Cf. HIRST, Paul; THOMPSON, Grahame. Globalização em questão. Rio de Janeiro: Vozes, 1998.
[19] GUIDDENS, Anthony. As conseqüências da modernidade. São Paulo: UNESP, 1991, p. 79.
[21] ORTIZ, Renato. Mundialização e cultura, p. 8.
[22] Cf. DAGNINO, Evelina. Os movimentos sociais e a emergência de uma nova noção de cidadania. In: ______ (Org).Anos 90: política e sociedade no Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1994. p. 103.
[23] É de ressaltar que não será feito neste artigo um estudo histórico da categoria cidadania, e muito menos um estudo variado das possíveis dimensões de análise do termo, visto que demandaria um maior espaço para tais considerações e por entender suficiente os aspectos selecionados para a compreensão da análise presente. Somente se tomará por base algumas noções gerais para classificação em cidadania nacional e cidadania global. Para uma análise mais detalhada acerca das possíveis classificações da categoria cidadania ver: TORRES, Ricardo Lobo. A cidadania multidimensional na era dos direito.
In:______.
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Os argonautas da cidadania. A sociedade civil na globalização. Rio de Janeiro: Record, 2001.
[24] VIEIRA, Liszt. Os argonautas da cidadania: a sociedade civil na globalização. Rio de Janeiro: Record, 2001.
[25] Para Held, essas forças disjuntivas “revelam um conjunto de forças que se combinam para limitar a liberdade de ação de governos e Estados ao tornar menos nítidas as fronteiras da política doméstica; ao transformar as condições do processo de decisão; ao modificar os contextos institucionais e organizacionais das comunidades políticas nacionais; ao alterar o arcabouço jurídico e as práticas administrativas dos governos e ao obscurecer as linhas de responsabilidade e prestação de contas (accountalibity) dos próprios Estados nacionais. Cf. HELD, David. A democracia, o estado-nação e o sistema global, Lua Nova, São Paulo: Cedes, n. 23, mar., 1991, p. 145-194, p. 178.
[27] HELD, David; MCGREW, Anthony. Prós e contras da globalização, p 89
[28] Cf. JULIOS-CAMPUZANO, Alfonso. La ciudadania global: apuentos sobre el desafio cosmopolita, Crítica Jurídica, n. 21, jul-dez, 2002, p.279-295, p.280.
[29] Um exemplo de defesa dos direitos humanos pela seara internacional que desafia a soberania dos Estados nacionais foi a prisão do ditador chileno Augusto Pinochet na Inglaterra quando decretada pelo juiz espanhol Baltazar Garzón para averiguação e julgamento de crimes cometidos pelo ditador durante seu mandato presidencial nos idos de 1973. Como afirma Falk, o caso Pinochet sugeriu que “os indivíduos, incluindo os chefes de Estado, poderiam ser responsabilizados criminalmente em qualquer lugar por condutas realizadas dentro de seu próprio pais de acordo com a estrutura de governo predominante, inclusive pelas ações oficiais.” FALK, Richard. Uma matriz emergente de cidadania: complexa, desigual e fluida. In: Direitos humanos na sociedade cosmopolita. BALDI, César Augusto. (Org.) Rio de Janeiro: Renovar, 2004, p. 139-158, p.143.
[30] Idem, Ibidem, p. 89.
[31] VIEIRA, Liszt. Cidadania e globalização, p. 31-32. Ressalta-se que este trabalho não tem por objetivo esclarecer e aprofundar o estudo sobre as variadas formas de cidadania global existentes, mas apenas ressaltar indícios de sua construção.
[32] TEIXEIRA, Eleonaldo Celso. Participação cidadã na sociedade civil global. Lua Nova, 46, 1999, p.135-168, p.138.
[34] Idem, p. 143. Para obter maior detalhes dessa participação vide o presente texto referenciado.
[35] Cf. SANTOS, Boaventura de Sousa (Org.). A globalização e as ciências sociais, p.71.
[36] VIEIRA, Liszt. Cidadania e globalização, p. 71.
[38] Cf. JULIOS-CAMPUZANO, Alfonso. La ciudadania global: apuentos sobre el desafio cosmopolita,
[39] FALK, Richard. Uma matriz emergente de cidadania: complexa, desigual e fluida, p. 149.
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