RESUMO: A teoria moral da justiça indica a necessidade de um estudo das impressões sentimentais que influenciam a formação do senso de justiça subjetivo que indica para cada indivíduo seu padrão de aplicação do justo e para a intersubjetividade um direcionamento das condições de acordo que possibilitam o direito em sociedade.
ABSTRACT: The moral theory of justice denote a necessity for a study of emotional impressions that influence the shaping of the subjective sense of justice that denote for each individual application of their standard of fair and intersubjectivity one direction pact to the conditions that enable the law in society .
PALAVRAS-CHAVE: justiça; senso de justiça; impressões sentimentais
KEY-WORDS: justice; sense of justice; emotional impressions
- A IDÉIA DE SENSO DE JUSTIÇA EM DAVID HUME: PRESSUPOSTOS HISTÓRICO-FILOSÓFICOS
O objetivo de uma fundamentação da natureza e do conceito de justiça sempre foi uma finalidade da filosofia, desde suas origens gregas. Platão definiu a justiça como ‘harmonia”, virtude que harmoniza as faculdades internas do homem e o conceito de justiça como bem a atingir, seria também, além da virtude que pode ser vivenciada pelo homem, uma forma que, ao lado da idéia de bem e de beleza, seriam as formas supremas a que a pólis e o homem poderiam aspirar.
Aristóteles, por seu turno, desenvolveu uma concepção metodológica de justiça que enquanto virtude um bem universal e, portanto, um bem moral que poderia se particularizar como virtude jurídica em duas formas básicas: a comutativa, envolvendo a busca da igualdade entre iguais, o justo como sinalagma (livre pactuação) entre indivíduos presumivelmente dotados de capacidade de ação.
A função da justiça quando busca igualar desiguais seria distributiva, ação própria de distribuir bens e méritos entre indivíduos em posições diferentes.
Outro conceito fundamental em torno da idéia de justiça como saber virtuoso que nos é legado pela tradição grega é a noção de fronesis (saber moral). O homem virtuoso é o cidadão equilibrado, que busca imprimir tanto no trato público como no privado a proporção, o equilíbrio, motivados num senso de justiça, realizando, assim, equidade (equitas, de Cícero).
Marco Túlio Cícero indica a necessidade de virtude para consecução do bem comum da pólis, o que somente pode ser feito através da iustitia. O homem virtuoso possui tal senso de justiça, é o homem que se afasta da vida ociosa e prazerosa e vive para o bem comum. É seu dever, portanto, ser virtuoso. Dever para consigo e para com a comunidade.
O cristianismo reforça a idéia de senso moral a atingir pela vivência das virtudes de amor ao próximo, de cumprimento do dever moral e da própria justiça divina que enquanto parâmetro deverá servir para avaliar a conduta humana, e ao final da resolução da História (parusia) decretar a salvação ou danação humanas – do indivíduo, da pessoa.
O cristianismo desenvolve o senso de justiça em um âmbito preferencialmente pessoal e com abertura para o campo espiritual. O drama existencial narrado nas ‘Confissões’ de Santo Agostinho é exemplo e impulso nesse sentido.
Há um forte senso moral, principalmente de caráter privado, que acompanha o desenvolvimento do cristianismo. Na verdade, a moral privada e a justiça pública cristãs são tomadas como virtudes da vida ética e espiritual do cristão dentro da Eclesia. Há um apelo a virtudes cardeais que norteiam desde a conduta do Príncipe, como preconizou São Tomás, até a virtude privada de imitação de Cristo (Tomás de Kempis).
Na Modernidade a justiça entre em definitivo na esfera estatal da concentração de poderes nas mãos do Estado burguês laico e racional, dominado pela idéia de coercibilidade da conduta dos indivíduos e pelo monopólio da violência.
A “razão de Estado”, na concepção de Maquiavel, deve superar a moralidade cristã quando envolver interesse público: tudo em busca da eficiência e da construção do bem comum pelo Estado-Administrador.
A idéia de justiça cada vez mais tornar-se-á vinculada não mais ao homem, porém às virtudes públicas e à razão universal – o jusnaturalismo de Hugo Grotius, o Leviatan de Thomas Hobbes, Kant, Hegel, o iluminismo, serão os grandes motivadores da racionalidade pública objetiva.
A Modernidade frisou o aspecto racional e objetivo-legal da justiça: a construção da razão pública e no esteio desta da razão jurídica. No entanto, o fundamento originário da justiça como virtude é algo circunscrito ao coração do homem, aos seus sentimentos, portanto.
É o homem singular que sente o drama de ser julgado ou de julgar o semelhante; o drama de suportar a injustiça ou de cometê-la. Tal descrição fenomênica da justiça aponta a necessária investigação da faculdade sentimental que fundamenta o julgamento moral de um indivíduo.
Há, portanto, um aspecto subjetivo do sentimento de justiça que o ser humano possui dentro do círculo de experiências morais que se denominam de “senso de justiça” ou o moral sense que os filósofos ingleses do Século XVIII reclamam como o fundamento do justo (JAFFRO 2000,p.82).
Nesse contexto situamos o pensamento de David Hume quanto ao problema da idéia de senso moral que fundamenta o julgamento moral enquanto faculdade subjetiva de realizar a justiça enquanto bem ou valor.
- A POSIÇÃO DE HUME ACERCA DO SENSO DE JUSTIÇA
Para Hume o senso de justiça é subjetivo e sentimental e não racional (2005, p.168):
‘a justiça deriva a sua origem apenas do egoísmo e da limitada generosidade dos homens, bem como dos insuficientes recursos que a natureza predispôs para a satisfação das suas necessidades (….)
Portanto, o senso de justiça não é formulado por nossas idéias, mas nas nossas impressões (….)
Hume parte do fato da complexidade da natureza humana, a qual não possui uma finalidade de respeito abstrato a um dever moral, nem mesmo a uma pura virtude de justiça que possa ser reconhecida universalmente sem a presença de elementos particulares que componham o conteúdo da vivência da justiça. ‘Se houvesse um amor universal entre todas as criaturas humanas, ele se manifestaria do mesmo modo’ (HUME, 2005, p.154).
Na verdade, para Hume não se pode dissociar dever de justiça e impressões sentimentais e, portanto, subjetivas acerca dos julgamentos morais dos indivíduos. Não há uma fundamentação racional da virtude de modo a assegurar um plano racional incontrastável em que se reconhecesse a objetividade do dever do justo realizado para todos os indivíduos.
Quanto aos conceitos racionais ou deontológicos de justiça, Hume não crê que uma análise filosófica objetiva possa desvendá-lo a contento, haja vista que é assaz subjetivo estatuir-se uma caracterização da sensação do justo que o homem tenha em geral e em todas as épocas.
É preferível, pois, no plano de uma subjetividade do sentir do justo, se é que se pode denominar assim a essa esfera psíquica, falar-se apenas em dois aspectos centrais: a experiência adquirida histórico-cultural e individualmente acerca do justo e a satisfação dessa experiência ligada a uma vivência sentimental do conteúdo objetivo da justiça enquanto valor social, prático, portanto.
O homem ‘inventa’ a justiça para Hume (2005, p.156). Ela não é natural, não é abstrata-essencialmente posta como dever objetivo como pensou a tradição racionalista. Para Hume (2005, p.169), as impressões humanas enquanto componentes da natureza humana ao lado das intelecções influenciam nossos julgamentos morais.
De uma relação com as impressões produzidas no homem pelos fatos da vida, fatos práticos, portanto, Hume estabelece a origem da regulamentação sobre a justiça. Na verdade, Hume (2005, p.169) coloca a origem do senso de justiça a partir de tais impressões e não como produto de uma razão jusnaturalista.
Como cada homem possui suas inclinações, interesses e sentimentos, a idéia de um senso de justiça fundamenta-se em uma convenção ou acordo capaz de assegurar a base de uma moralidade pública.
Diferentemente de Thomas Hobbes, Hume não funda o contrato social numa abstração ou pressuposição racional, que assegure a possibilidade de aplicação da força e a garantia do valor da segurança jurídica. Para Jaffro (2000, p.82), Hume funda no sentimento da simpatia a base do acordo moral que entre os homens possibilita todo o direito.
- CONCLUSÃO
A função do senso de justiça nas relações humanas constitui um corolário importante da capacidade de julgar moralmente e indica, dessa forma, avaliar as relações intersubjetivas, pois se os padrões sentimentais que constituem a base das relações podem ser conflitantes, o desenvolvimento de um senso de julgar, relacionado principalmente a um sentimento de dever moral para com o outro, é que vai fundamentar a ética.
Essa constatação de uma primazia do sentimental, todavia, é a própria noção de que a abstração conceitual não pode fundamentar uma eticidade, mas que se faz notar uma crítica de Hume ao senso de justiça que não seja sentimental, mas racional.
Ora, o problema da justiça é que ela não se revela nos parâmetros do discurso, esse discurso sobre o justo somente se faz presente a partir de uma pressuposição racionalista, o que Hume nega.
Hume coloca que as virtudes ética e racionais, preconizadas como independentes da sensibilidade por Aristóteles, na verdade são condicionadas pela sensibilidade, e isto leva ao problema do conhecimento de si mediante uma introspecção a fim de se conhecer seu eu interno e seus próprios sentimentos.
Como observa Pequeno (2002, p.283) a consciência da emoção indica uma intenção do sujeito que o possibilita agir no mundo. A aplicação de uma fenomenologia emocional do senso de justiça faz com que a aplicação dos julgamentos seja mais concernentemente à apreciação moral de situações concretas quando julgamos ou somos julgados moralmente com um fim e um dever de realizar justiça.
Nada mais que isso Hume quis dizer quando frisou o caráter complexo da natureza humana, que efetivamente é relacional entre sentimentos morais e dever de justiça; desenvolver um senso de justiça implica um ganho de humanidade para os homens, buscando uma mútua compreensão nas relações e uma mais eficaz capacidade de concretizar a justiça nas relações intersubjetivas e sociais.
- BIBLIOGRAFIA
JAFFRO, Laurent (Coord). Le sens moral. Une histoire de la philosophie morale de Locke à Kant. Paris: Presses Universitaires de France, 2000.
HUME, David. Tratado Sobre a Natureza Humana. As circunstâncias de justiça. In: MAFFETONE E VECA (Orgs.). A idéia de justiça de Platão a Rawls. São Paulo: Martins Fontes, 2005.
PEQUENO, Marconi. O papel das emoções nas determinações da ação. Manuscrito. Campinas: Centro de Lógica, Epistemologia e História da Ciência, 2002, pp. 271-284, n. XXV(número especial
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