1. A Inafastabilidade da Jurisdição Ambiental (art. 5º, XXXV, c.c. art. 225, CF/88).
O Estado tomou para si a feitura das leis, e sobremaneira, os julgamentos dos conflitos existentes entre aqueles pertencentes ao seu território. Assim, a função jurisdição é, peremptoriamente, exclusividade estatal, excetuando-se casos em que o Estado permite a transição de direitos. Nesse sentido é o magistério de Enrico Tullio Liebman (2003, p.23), esclarecendo a criação de normas, isto é, “(…) mediante a atividade legislativa, o Estado define a ordem jurídica criando normas organizacionais e de conduta, gerais e abstratas, que devem incidir sobre as situações e as relações jurídicas que derivam da convivência em sociedade”.
Emanada de comando constitucional, a inafastabilidade da prestação jurisdicional é cláusula pétrea (art. 5º, XXXV, CF), e que, portanto não pode ser revogada ou modificada se não pelo poder constituinte.
Decorre do conceito que o direito de ação nada mais é do que a possibilidade da pessoa de adentrar ao Poder Judiciário, com a perspectiva de ver solucionado seu interesse, que é resistido por outrem, isto é, uma lide. Como bem leciona Nelson Nery Junior (2004, p. 130) “o comando constitucional atinge a todos indistintamente, vale dizer, não pode o legislador e ninguém mais impedir que o jurisdicionado vá a juízo deduzir pretensão”.
Em outras palavras, a prestação jurisdicional é fator primordial à consecução do Estado Constitucional de Direito, pois “o Estado, como garantidor da paz social, avocou para si a solução monopolizada dos conflitos intersubjetivos pela transgressão à ordem jurídica, limitando o âmbito da autotutela” (FUX, 2001, p. 41).
Não basta, pois, que o Estado preste a jurisdição, mas que este a preste juridicamente adequada, ou seja, “pelo princípio constitucional do direito de ação, todos têm o direito de obter do Poder Judiciário a tutela jurisdicional adequada. Não é suficiente o direito à tutela jurisdicional. É preciso que essa tutela seja a adequada, sem o que estaria vazio de sentido o princípio” (NERY JR, op. cit., p. 132).
Portanto, o direito de ação somente se encontra consagrado se dele resultar da adequada prestação jurisdicional propiciada pelo Estado, pois se do contrário acontecer os direitos materiais – metaindividuais – estarão à mercê de letras vagas num diploma sem efeitos práticos. Em síntese, logra-se pelo princípio da inafastabilidade da prestação jurisdicional o juiz não pode subtrair-se da função julgadora, ou seja, de apreciar e julgar qualquer caso quedante pertencente ao seu mister, demonstrada pela expressão francesa non liquet.
2. Noções Propedêuticas sobre o Mandado de Segurança Coletivo (art. 5º, LXX, CF/88).
A priori, cabe a nós demonstramos a origem da tutela ora abordada, e sua terminologia atual.
Muitos autores conduzem a existência do mandado de segurança ao surgimento da class action norte-americana (vide Antônio Gidi. A Class Action como Instrumento de Tutela Coletiva dos Direitos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007). De outra banda, autorizada doutrina processualista brasileira atribui a existência do mandado de segurança ao chamado judicio de amparo do direito mexicano (nesse sentido, Alfredo Buzaid. Estudos e Pareceres de Direito Processual Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002).
Corrobora-se, ainda, a proposta do i. Prof. Nelson Nery Junior (2004, p. 94), ensinando que:
Quer com a evolução das ‘seguranças reais’ do direito reinol, ou com o tratamento dado pela doutrina mais antiga à ‘posse dos direito pessoais’, o fato é que o mandado de segurança tem mesmo origem no antigo direito luso-brasileiro, havendo recebido, contudo, influência do judicio de amparo do direito mexicano e dos writs do direito anglo-saxão (original).
O mandado de segurança foi criado, preliminarmente, como o instrumento necessário para tutelar os direitos que não são amparados pelo habeas corpus, ou seja, seu caráter é eminentemente subsidiário, destinando-se às causas cíveis. Bem ensina Arruda Alvim (RP, 11:12)
Pode-se dizer que, na realidade, entre nós constitui-se o Mandado de Segurança num desdobramento operativo e processual da figura do Habeas Corpus, criado que foi como instrumento especificamente destinado à proteção de assuntos não respeitantes ao direito penal.
Pois bem, o mandado de segurança adveio estampado, com a constatação do eminente jurista, no Texto Magno de 1934, e assim se deu sucessivamente nas Constituições, até a Constituição Federal de 1.988. Acontece que, em todos os textos explicitavam o termo “individual”, ou seja, uma única pessoa em nome próprio poderia exercer a tutela. Somente a partir do texto constitucional da emenda 1/69 é que fora abolido essa terminologia, albergando agora o vocábulo “coletivo” (art. 5º, LXX, CF/88), designando a abertura do sistema processual da legitimidade ativa do writ.
Com bons olhos vislumbramos que a mudança circunstancial foi no aspecto da legitimidade para ajuizá-lo. Pois, legítimo é aquele que tem o direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus, em sua individualidade. Já no mandado de segurança coletivo, legítimo são aqueles que a própria lei estabelece como tais, demonstrando que o rol de legitimado não é taxativo, mas sim exemplificativo (numerus apertus). Bem explica a esse respeito Nelson Nery Junior (1994, p.255):
Quando o intérprete se encontra diante de enumeração de hipóteses na lei, é preciso que se verifique se se trata de elenco exaustivo ou meramente exemplificativo. Se a enumeração for exaustiva, a interpretação é restrita; se houver mera enunciação exemplificativa, a interpretação é estrita; se houver mera enunciação exemplificativa, aquela se faz de maneira mais amplo e genérico. Pois bem. Quando o legislador quer tornar evidente que a enumeração constante de lei é taxativa, utiliza-se de expressão com a finalidade de restringir o limite de abrangência da norma legal. As expressões mais empregadas para indicar que a norma refere hipóteses em numerus clausus são: apenas, unicamente, só e seguinte, entre outras, precedendo o elenco de casos.(original)
Doravante, podemos nos valer disso se observarmos que a partícula “pode” é a causa amplificativa do rol dos legitimados para a impetração do mandado de segurança coletivo ambiental.
Por fim, no pólo passivo da ação estará somente a autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público, quando da ofensa ao direito líquido e certo seja oriunda de sua ilegalidade ou de seu abuso. Não obstante, a esse aspecto carece explicitar que somente o Poder Público pode ser o sujeito passivo da relação processual, posto que o objeto o writ é a ilegalidade e/ou o abuso de direito praticado agente com vestes de autoridade pública, somente.
2.1. A Cognição no Mandado de Segurança Coletivo Ambiental.
No condiz à cognição da ação ambiental, primorosos são os dizeres do Kazuo Watanabe (1987, p. 85), esclarecendo que a cognição é:
(…) prevalentemente um ato de inteligência, consistente em considerar, analisar e valorar as alegações e as provas produzidas pelas partes, vale dizer, as questões de fato e as de direito que são deduzidas no processo e cujo resultado é o alicerce, o fundamento do judicium, do julgamento do objeto litigioso do processo.
Portanto, quando se estiver diante de um processo onde se encontra amplo contraditório e instrução de provas, estaremos diante da cognição exauriente (delongada, procrastinada). Doutro lado, versando a prestação jurisdicional estatal sobre tutelas sem a necessária cognição delongada, ou seja, tutelas de urgência, estaremos diante da cognição sumária (mais rápida, célere). Desse modo, o mandado de segurança coletivo ambiental pode encontrar-se diante de uma cognição exauriente (quando a demonstração do direito líquido e certo perfaz necessária para que a fruição do direito se dê), como também é possível se vislumbrar o writ em uma cognição sumária (quando a tutela é de urgência, prescindindo de uma medida liminar).
2.3. Sentença em sede de Mandado de Segurança Coletivo Ambiental
Por se tratar de sentença com efeitos destinados a exaurir ordens de fazer ou não fazer, a sentença em sede de mandado de segurança coletivo ambiental é eminentemente mandamental. Consoante lição de Arruda Alvim (2008, p.660):
O comando mandamental, em nosso sentir, é significativo de que se agrega ao efeito da decisão uma ordem, categórica, para o destinatário desta, a esse mandamento submeter-se. De certa forma, se na execução, propriamente dita, praticam-se atos materiais substitutivos da vontade do executado, na mandamentalidade a realização do direito depende dessa vontade; ou talvez, mais comumente de vergar e submeter essa vontade. Nessa medida, ou, diante dessa contingência, é necessário quebrar essa vontade do destinatário do mandamento. Pretender-se que alguma coisa se cumpra ou que uma ordem seja obedecida, sem correspondente sanção, ou sem a correspondente possibilidade de sanção, é manifesta ingenuidade.
Assim, na sentença pode haver todos os outros tipos de efeitos já englobados pela doutrina, quais sejam, declaratória, condenatória, constitutiva, e executiva. Porém, é inerente a sentença o efeito mandamental, posto que a emanação de mandamento do Estado tenha-se por essência um ato de império.
Se procedente o pedido consubstanciado no mandado de segurança coletivo ambiental, ter-se-á coisa julgada material, que de acordo com o mestre maior Enrico Tullio Liebman (p. 54):
a autoridade da coisa julgada, que se pode definir com precisão, com a imutabilidade do comando emergente de uma sentença. Não se define ela simplesmente com a definitividade e intangibilidade do ato que pronuncia o comando; é, pelo contrário, uma qualidade mais intensa e mais profunda, que reveste o ato também e seu conteúdo e torna assim imutáveis, além do ato em sua existência formal, os efeitos, quaisquer que sejam o próprio ato.
Mais do que a coisa julgada material (art. 469, CPC), reveste-se a sentença de efeitos erga omnes, isto é, a destinação de toda a ordem emanada do Poder Judiciário é concedida a todos, indistintamente, porque o objeto atingido pelo efeito da sentença não tem determinado número de pessoas, mas sim a universalidade de seres humanos.
Lucas Carlos Vieira
acadêmico do 6º semestre do Curso de Direito do UniToledo; Estagiário do Koga Advocacia e Consultoria Jurídica.
REFERÊNCIAS
ARRUDA ALVIM, José Manoel de. Revogação de medida liminar em mandado de segurança. Revista de Processo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 11:12.
______. Manual de Direito Processual Civil. vol II. 12.ed. São Paulo: RT, 2008.
FUX, Luiz. Curso de Direito Processual Civil. 2ªtir. Rio de Janeiro: Forense, 2001.
LIEBMAN, Enrico Tullio. Manual de Direito Processual Civil. v.1 Tocantins: Intelectus Editora, 2003.
______. Eficácia e Autoridade da Sentença. Rio de Janeiro: Forense.
NERY JR., Nelson. Princípios do Processo Civil na Constituição Federal. 8ª.ed. rev. atual. e ampliada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004.
______. Código de Processo Civil e legislação processual civil extravagante em vigor. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1994.
WATANABE, Kazuo. Da Cognição no Processo Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1987.
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