A sentença constitucionalmente válida e a nulidade por imposição de princípio

RESUMO: O presente estudo verifica a superação da empoeira determinação jurisprudencial da ausência do dever de fundamentação ampla, demonstrando alinhamento dos Tribunais ao teor constitucional e sua busca de materialização.
 
 
INTRODUÇÃO
 
 
            A superação do paradigma positivista tratou de elucidar a necessidade de respeito à Carta Democrática, sob pena de subversão do Ordenamento e também inconstitucionalidade do ato praticado.       
Há determinação do Código de Processo Penal elucidando que a sentença é o documento composta por elementos de existência.
Contudo, em muitos momentos, verifica-se que a sentença apenas atende formalmente aos requisitos, atacando preceitos fundamentais da Constituição por não considerar a materialidade dos valores.
            O sistema de nulidades – junto com os enunciados democráticos – deve ser utilizado como forma de sustentar o processo no Devido Processo Legal, evitando que haja sabotagem constitucional lesivo a parte.
            Assim, sem pretensão de encerrar os debates, buscando, de fato, diversificá-los, é necessário verificar que a materialidade constitucional é aniquilada por sentença com fundamentação superficial e que para a realização constitucional a proteção aos valores deve ser buscada.
 
1 SENTENÇA
 
            Conforme elucida o art. 381 do CPP, a sentença é construída sobre elementos necessários a sua existência:
 
“I – os nomes das partes ou, quando não possível, as indicações necessárias para identificá-las;
II – a exposição sucinta da acusação e da defesa;
III – a indicação dos motivos de fato e de direito em que se fundar a decisão;
IV – a indicação de artigos de lei aplicados;
V – o dispositivo;
VI – a data e a assinatura do juiz.”
 
            Assim, a sentença a ser proferida deve ter os requisitos supra, sob pena de caracterização de inexistência do documento decisório em razão de ausência de requisito considerado fundamental.
            A natureza jurídica de tal decisum pode ser condenatória na hipótese de atender aos preceitos de punir do agente estatal, mandamental a qual tem dever ordenada por juiz, declaratória, que pode consistir em decisão absolutória ou extintiva, ou mesmo constitutiva.
           
2 PRINCÍPIO DA FUNDAMENTAÇÃO E MATERIALIDADE CONSTITUCIONAL
 
            O art. 93 da Carta Democrática determina que a fundamentação é inerente, ainda que a lei não impusesse obrigação, a decisão:
 
IX – todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei, se o interesse público exigir, limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e advogados, ou somente a estes”.
 
            Por evidente, a fundamentação é necessária para que se evite arbitrariedade do julgador quanto às razões, demonstrando, efetivamente, a imparcialidade, para cientificar o acusado ou o Parquet da decisão e dos fundamentos, permitindo, assim, o exercício do Duplo Grau de Jurisdição e do Devido Processo e, ainda, para permitir ao processo um resultado segundo os critérios democráticos.
            Dessa forma, a fundamentação permite ao processo sua validade constitucional, as partes o exercício de direitos garantidos pela Carta Democrática e ao julgador que exerça sua atividade sem subverter as razões de sua investidura.
            Nery Junior determina sobre a fundamentação:
 
“Fundamentar significa o magistrado dar as razões, de fato e de direito, que o convenceram a decidir a questão daquela maneira. A fundamentação tem implicação substancial e não meramente formal, donde é lícito concluir que o juiz deve analisar as questões postas a seu julgamento”. (2)
 
            Assim, em respeito ao art. 381 e ao art. 93 da Carta Democrática, a fundamentação é um dever e não pode ser entendida de outra forma.
 
3 DEVER DE FUNDAMENTAÇÃO            
 
            A questão de forte conflito que orbita sobre a fundamentação é consoante a extensão de tal dever.
            A jurisprudência – constituída por uma frente constitucional – tem buscado a materialização da Carta Democrática e impondo o dever de fundamentar amplamente a sentença, como forma, também, de permitir o exercício do efeito devolutivo nos Tribunais.
            Em parecer naAp. 70.022.598.791alinhado com os preceitos democráticos, Lênio Streck elucida a necessidade de fundamentação
 
“ofensa ao princípio constitucional do devido processo legal, aí compreendida a obrigatoriedade da fundamentação de todas as decisões do Poder Judiciário. Com efeito, o art. 93, IX, da Constituição Federal veda que o juiz lance qualquer decisão sem que aponte, explicitamente, os motivos pelos quais delibera. Impossível, por isso, cogitar-se em rejeição implícita da tese defensiva quando as razões motivadoras do julgamento não são apresentadas como fundamento daquilo que se decidiu.”
 
            Novamente, menção ao mesmo autor é determinante para que se verifique que, diante do paradigma neopositivista, os preceitos democráticos devem ser o fundamento para a interpretação e incidência:
 
“Constituição enquanto detentora de uma força normativa e compromissária, pois é exatamente a partir da compreensão desse fenômeno que poderemos dar sentido à relação Constituição-Estado-Sociedade. Mais do que isso, é do sentido que temos de Constituição que dependerá o processo de interpretação dos textos normativos do sistema”.
 
            A materialidade constitucional, com efeito, é buscada também com o respeito ao preceito da fundamentação, o qual é postulado obrigatório e que impõe dever ao magistrado de tratar de todos os elementos considerados.
            A sentença é formalmente existente quando preenche os requisitos, contudo, deve ser materialmente existente e, assim, imperativo que seja adequada ao teor constitucional, havendo fundamentação ampla e que trate de todas as teses defensivas.
            Tal manifestação é tratada também por Barroso:
 
“Uma vez investida na condição de norma jurídica, a norma constitucional passou a desfrutar dos atributos essenciais ao gênero, dentro os quais a imperatividade. Não é própria de uma norma jurídica sugerir, recomendar, aconselhar, alvitrar. Normas jurídicas e, ipso facto, normas constitucionais contêm comandos, mandamentos, ordens, dotados de força jurídica, e não apenas moral”.(4)
 
            Os Tribunais determinam os preceitos como normas de imperatividade, assim também, o dever de fundamentar, aniquilando o argumento de que o magistrado sofre com uma forte carga de processo. Tal argumento, ainda mais, deve ser atacado, pois, da mesma forma que o magistrado não pode se ocupar com diversas situações particulares do acusado, o cidadão não pode sofrer pela ausência de estrutura do Estado.
            Na mesma linha, o magistrado não pode atuar contra a finalidade de uma sociedade justa, no art. 3º, I, por arbítrio.
            As decisões recentes dos Tribunais elucidam:
 
Apelação crime. Nulidade. Inquirição por precatória. Ampla defesa. Ausência de intimação do réu. Nulidade da sentença. Todas, absolutamente todas as teses defensivas levantadas, por mais absurdas que possam parecer, devem ser enfrentadas no ato sentencial, pena de agressão aos princípios do contraditório e da ampla defesa. Prescrição projetada. De ofício, prejudicado o recurso defensivo, decretaram a nulidade do feito e, consequentemente, a extinção da punibilidade pela prescrição (unânime). (Apelação Crime Nº 70028151165, Quinta Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Amilton Bueno de Carvalho, Julgado em 11/03/2009)
 
            O voto do ilustre relator é alinhado com a busca democrática:
 
“Mais do que isso, a fundamentação – dar as razões do decidir – é instante sublime da atividade judicante, momento em que o juiz sela seu compromisso com a sociedade: todos os cidadãos têm o direito de saber das razões pelas quais uma pessoa vai a presídio”.
 
            Em mesma determinação, julgado do mesmo Egrégio Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul:
 
APELAÇÃO CRIME. FURTO QUALIFICADO. ROMPIMENTO DE OBSTÁCULO. FURTO PRIVILEGIADO E PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. TESES NÃO ENFRENTADAS NO ATO SENTENCIAL. NULIDADE. A sentença que deixa de apreciar tese deduzida em alegações derradeiras, pela defesa, ofende a regra da obrigatoriedade de fundamentação das decisões judiciais ¿ CF, art. 93, IX. Pretensão defensiva de reconhecimento do furto privilegiado e da atipicidade da conduta pela aplicação do princípio da insignificância completamente olvidada pelo magistrado singular. Nulidade do ato sentencial decretada. Precedentes STF. NULIDADE DA SENTENÇA ACOLHIDA DE OFÍCIO, desconstituindo-se a decisão, para que outra seja proferida, analisando a totalidade das teses vertidas. PREJUDICADO O MÉRITO DO APELO. (Apelação Crime Nº 70027295161, Oitava Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Fabianne Breton Baisch, Julgado em 20/05/2009)
 
            O Tribunal de Justiça de Minas Gerais também determina:
 
APELAÇÃO – LATROCÍNIO – SENTENÇA QUE DEIXA DE ANALISAR TESE DEFENSIVA LEVANTADA EM ALEGAÇÕES FINAIS – NULIDADE – OFENSA À CONSTITUIÇÃO FEDERAL – PRELIMINAR ACOLHIDA. 1. Há que se reconhecer a nulidade da sentença porquanto foi constada a omissão na análise de tese defensiva, sendo que tal omissão importa em cerceamento do direito de defesa e ofensa ao princípio do devido processo legal, que abrange o duplo grau de jurisdição e a obrigatoriedade da fundamentação de todas as decisões. 2. Ainda que eventualmente seja descabida a alegação da defesa, o juízo a quo deve se manifestar sobre ela, não podendo este tribunal fazê-lo em seu lugar, sob pena de supressão de instância. 3. Acolhimento da preliminar da defesa. Nulidade da sentença reconhecida. (Apelação nº 0374200-3, 2ª Câmara Criminal do TAMG, Rel. Alexandre Victor de Carvalho. j. 05.11.2002, unânime, DJMG 09.05.2003).
 
            Assim, o dever de fundamentar, quando alinhado à Constituição, que é dever do magistrado, deve ser apto a tratar de todas as teses levadas a juízo
 
 
4 A FUNDAMENTAÇÃO NECESSÁRIA AO EXERCÍCIO DE DEFESA
 
            Da mesma forma que é imperativo o respeito ao princípio do prazo razoável, devido processo, imparcialidade e o ampla defesa é requisito necessário à validade processual perante a Constituição.
            Ainda mais, é um dever do magistrado garantir que haja exercício pleno da defesa, sob pena de quebrar a imparcialidade e também aniquilar tal valor para o processo.
            A sentença, como já mencionado, necessita, para ser existente, não apenas o preenchimento de requisitos formais, deve haver a buscar ao atendimento do valor que fez necessário o requisito.
            Dessa forma, a sentença que trata de fundamentar superficialmente – além de permitir uma atuação ineficiente perante um princípio que vincula atuação do Estado e um ataque ao princípio da finalidade – não é materialmente constitucional, em mesma linha, não é materialmente existente, já que não encerra o critério de existência em sua plenitude, apenas quanto ao aspecto formal é fundamentada.
            Imperativo elucidar que a fundamentação quando plena proteger e, ainda mais, permite o exercício da defesa plena, não subtraindo questões levadas a juízo.
            A ausência de verificação de tese da defesa limita a atuação da defesa e, assim, possibilita arbítrio e parcialidade, já que não necessitaria atacar todas as razões que devem levar a inocência ou benefício ao acusado.
           
5 NULIDADES COMO PROTEÇÃO AS GARANTIAS
 
            O sistema de nulidades é, de fato, uma espécie de proteção ao processo e à Constituição.
            O processo que aniquila o Devido Processo é um processo, substancialmente, inconstitucional e, ainda que os critérios de finalidade e prejuízo sejam importações do direito civil que devam ser superadas, o sistema do CPP permite que haja invalidade apenas por desrespeito a necessidade de fundamentação vista na lei, já que nesta reside um enunciado democrático.
            Contudo, os requisitos em que o princípio da fundamentação deve ser construído são respeito aos princípios e a busca por materialidade destes.
            Tal necessidade decorre do próprio texto constitucional no art. 5º, §1º que trata da auto-aplicação, pois o preceito deve incidir em diversas situações. Da mesma forma que a regra incide em situações dentro do seu limite, os princípios incidem de forma ampla, com a permissividade estrutural decorrente da Carta e também do caráter de fundamento.
            Aury Lopes ensina:
 
“A nulidade serve assim para dar eficácia ao princípio contido naquela forma. Anula-se o ato, sacando-lhe os efeitos, para a seguir repeti-lo segundo a forma legal, mas sempre de modo a garantir a eficácia do princípio constitucional que está por detrás dele”. (5)
 
            Em mesma determinação, necessário determinar que a aferição constitucional da validade dos atos é imperativa e, assim, a eficácia constitucional é o critério de validade do ato e não os critérios formais de finalidade e prejuízo, os quais devem estar alinhados ao preceito da Dignidade, Sociedade Justa e Devido Processo.
            A finalidade do ato deve ser verificada segundo a instrumentalidade constitucional do processo e não apenas pela conclusão do ato. O Devido Processo e seus densificadores, quando respeitados, permitem ao processo, como método que necessita dos princípios, que atinja uma finalidade constitucionalmente válida e eficaz segundo sua própria estrutura.
            Consoante o prejuízo, este deve ser aferido por critérios do objetivo de Dignidade e não apenas pela delimitação do prejuízo. Novamente, ensinamento de Aury Lopes:
 
“Partindo do que aí está e, mais especificamente, da teoria do prejuízo, pensamos que há somente uma saída em conformidade com o sistema de garantias da Constituição: não incumbirá ao réu a carga probatório de um tal “prejuízo”. Ou seja, não é a parte que alega a nulidade que deverá “demonstrar” que o ato atípico lhe causou prejuízo, senão que o juiz, para manter a eficácia do ato, deverá expor as razões pelas quais a aticipidade não impediu que o ato atingisse sua finalidade”.(5)
 
            Dessa forma, imperativo reconhecer a nulidade da sentença que não permite a ampla defesa e que ataca o Devido Processo em razão de serem tais enunciados garantidos constitucionalmente, não podendo qualquer ente da Justiça deixar de considerar seu teor.
 
CONCLUSÃO
 
            Assim, verificada a necessidade de materialização democrática da própria constituição, o dever de fundamentar atinge todas as teses levadas a juízo e tal determinação, já vista em Tribunais, evidencia a superação do paradigma anterior que justificava e permitia que as sentenças tratassem apenas de poucas razões, situação que ataca o preceito da Fundamentação, da Ampla Defesa e do Devido Processo, além de não permitir que o processo tenha um resultado válido e eficaz.
            Na mesma linha, imperativo que o sistema das invalidades – com os critérios superados, com grande ineficiência, ou constitucionais – seja utilizado para alinhar os procedimentos com os objetivos da República.
 
 
Diego Prezzi Santos(1)
 
           
                                   REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
 
(1) Acadêmico do 5º ano de direito na UEL – Londrina. O autor foi aluno e monitor do projeto Teorias Críticas do Direito e projeto GIAII, atual membro do Projeto Prisão em Flagrante.
 (2) NERY JUNIOR, Nelson. Princípio do processo na Constituição Federal. Processo civil, penal e administrativo. 9ª edição, revista, ampliada e atualizada. São Paulo: RT, 2009,p. 286.1          
(3) STRECK, Lenio Luiz. Bem jurídico e constituição: da proibição de excesso (übermassverbot) à proibição de proteção deficiente (untermassverbot) ou de como não há blindagem contra normas penais inconstitucionais. Disponível em:<http://leniostreck.com.br/index.php?option=com_docman&Itemid=40> Acesso em: 05 fev. 2009.
(4) BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo. Os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 218.
(5) LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal e sua conformidade constitucional. 3 edição revisada e atualizada. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2009.
(6) Lopes Jr. op., cit. p. 388.

Diego Prezzi Santos

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