A utilização do recurso extraordinário como instrumento do controle de constitucionalidade em abstrato

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RESUMO: No presente trabalho é desenvolvida uma análise sobre a origem e evolução do controle difuso de constitucionalidade no Brasil até a Constituição de 1988 quando o controle de normas passou a ser predominantemente concentrado, como forma de garantia da existência da própria Constituição. Entretanto, objetiva-se perpassar algumas considerações sobre a teoria da abstrativização do controle de constitucionalidade difuso, o qual pode possibilitar ou não a aplicação dos efeitos erga omnes e vinculante às decisões proferidas neste tipo de controle. Nesse sentido, a doutrina e a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem-se envergado a tornar maior os efeitos das decisões proferidas no controle de constitucionalidade difuso para além partes envolvidas no processo, em especial, na utilização do Recurso Extraordinário como instrumento do controle de constitucionalidade em abstrato. Assim, o Recurso Extraordinário de acordo com a teoria da abstrativização do controle de constitucionalidade difuso deve, em alguns casos, deixar de ser utilizado como mais um grau de jurisdição às partes em conflito privado para efetivar a jurisdição constitucional. A partir daí, as decisões em Recurso Extraordinário quando submetidas à apreciação do plenário do Supremo Tribunal Federal, passam a ter efeito erga omnes e vinculante, prescindindo da participação do Senado Federal na suspensão da execução da norma declarada inconstitucional. Vê-se com isso, a necessidade de uma mutabilidade constitucional na interpretação do artigo 52, inciso X, da Constituição Federal e uma inegável e crescente transformação doutrinária e jurisprudencial na adoção da mencionada teoria da abstrativização no Recurso Extraordinário, mesmo diante da resistência da doutrina conservadora em aceitar esse novo paradigma de controle de constitucionalidade.

PALAVRAS-CHAVES: Controle de Constitucionalidade; Teoria da Abstrativização do Controle de Constitucionalidade Difuso; Recurso Extraordinário.

ABSTRACT: In this paper we developed an analysis of the origin and evolution of diffuse control of constitutionality in Brazil until the 1988 Constitution when the control of standards is now focused predominantly as a means of ensuring the existence of the Constitution itself. However, the objective is to pervade some considerations about the theory of judicial abstrativização diffuse, which may enable or not the application of the effects erga omnes and binding the decisions taken in this type of control. In this sense, the doctrine and jurisprudence of the Supreme Court has been worn to make the effects of major decisions in the diffuse control of constitutionality, in addition to those involved in the process, in particular on the use of the extraordinary appeal as an instrument of judicial in the abstract. Thus, the extraordinary appeal according to the theory of abstrativização must, in some cases no longer be used as another level of jurisdiction to private parties in conflict to effect constitutional jurisdiction. From there, decisions on extraordinary appeal when submitted to the plenary of the Supreme Court, now have erga omnes effect and binding, regardless of the participation of the Senate in suspension of the rule declared unconstitutional. Check with this, a mutability constitutional interpretation of Article 52, item X of the Federal Constitution and an undeniable and growing transformation in the adoption of doctrinal jurisprudential theory abstrativização Extraordinary Appeal, even before the resistance of conservative doctrine in accepting this new paradigm of judicial review.

KEYWORDS: Control of Constitutionality; Abstrativização Theory Diffuse Control of Constitutionality; Extraordinary Appeal.

 

  1. INTRODUÇÃO

Como é cediço, o controle de constitucionalidade das leis figura como um mecanismo de tutela do sistema constitucional.

Na evolução da jurisdição constitucional brasileira, observa-se uma maior influência dos modelos norte-americano e europeu. A partir da Constituição Federal de 1.988, o controle constitucional das normas passou a ser, predominantemente, concentrado em prejuízo do controle constitucional difuso. Mas, foi por atuações do Poder Legislativo, na ânsia de dar mais forças aos instrumentos de controle em abstrato e à jurisdição constitucional brasileira que fizeram com que os sistemas de controle aproximassem-se.

Há tempos desenvolve-se um processo de reforma constitucional com o intuito de se restringir a atuação do Supremo Tribunal Federal a sua função primeira – a de guardião da Constituição da República Federativa do Brasil – afastando-o de lides, meramente, privadas.

Foram por essas razões que motivaram a inclusão, por meio da Emenda Constitucional n. 45/2004, a denominada Reforma do Poder Judiciário, da repercussão geral nos recursos extraordinários, como também, da súmula vinculante. Se referidas mudanças foram intencionais ou não, aqui não se vai entrar nesse mérito, porém, demonstram o objetivo de transformar o Recurso Extraordinário em instrumento de controle de constitucionalidade em abstrato.1

Nesse sentido a doutrina e a jurisprudência mais recentes adotam a tese da abstrativização do controle de constitucionalidade difuso e, especialmente, no Recurso Extraordinário, o qual deve deixar de ser utilizado como mais um grau de jurisdição às partes na lide privada para efetivar a jurisdição constitucional.

Portanto a situação que se vislumbra é que se o Supremo Tribunal Federal teria legitimidade para efetuar essa mutação constitucional na interpretação do artigo 52, inciso X, da Constituição Federal e, assim, ignorar o papel político do Senado Federal no controle de constitucionalidade difuso, passando a conferir às decisões do Supremo Tribunal Federal efeitos erga omnes e vinculante, haja vista que toda decisão em controle de constitucionalidade difuso para que gere efeito erga omnes há a necessidade do concurso do Senado Federal, o qual utilizando de sua discricionariedade política editará resolução para suspender a execução da lei ora declarada inconstitucional pela Corte Suprema.

Aqui, o que se propõe é analisar se há possibilidade de, em alguns casos, os efeitos da decisão de inconstitucionalidade, em sede de controle de constitucionalidade difuso, serem erga omnes e vinculante, como acontece no controle de constitucionalidade concentrado.

 

2. EVOLUÇÃO DO MODELO BRASILEIRO DO CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE

Deu-se de forma lenta, a evolução do modelo brasileiro do controle de constitucionalidade.

Do dogma da soberania do Parlamento, cristalizado na carta Imperial de 1.824, que não admitia a mais incipiente forma do controle judicial, à adoção de instrumentos avançadíssimos de fiscalização, concentrada de constitucionalidade pelo Texto Maior de 1.988, o que se constata é a ascendência da matéria entre nós.

Veja-se como o tema evoluiu nas Constituições Brasileiras.

 

2.1. A CONSTITUIÇÃO DE 1.824

O controle jurisdicional de constitucionalidade não foi previsto na Constituição de 1.824. Apenas, outorgou ao Poder Legislativo, a tarefa de “fazer as leis, interpretá-las, suspendê-las e revogá-las”, bem como “velar na guarda da Constituição” (art. 15, n. 8º e 9º).

Teoricamente, pois, o controle de constitucionalidade deveria ser exercido pelo Poder Legislativo. Contudo, ele se manteve inerte diante a onipotência do Poder Moderado, ao qual competia assegurar “a independência, equilíbrio e harmonia dos demais Poderes” (art. 98).

A tônica do dogma da soberania do Parlamento, na Constituição do Império de 1.824, foi assim sintetizada por Pimenta Bueno: “Só o poder que faz a lei é o único competente para declarar por via de autoridade ou por disposição geral obrigatória o pensamento, o preceito dela. Só ele, e exclusivamente ele, é quem tem o direito de interpretar o seu próprio ato, suas próprias vistas, sua vontade, seus fins”2.

 

2.2. A CONSTITUIÇÃO DE 1.891

A Constituição de 1.891 inaugurou, em termos constitucionais positivos, o modelo brasileiro de controle jurídico-difuso de constitucionalidade. Ruy Barbosa, inspirado no Direito Constitucional americano, teve especial influência nesse sentindo, embora o art. 3º do Decreto n. 848, de 11 de outubro de 1.890, já tivesse previsto a via incidental, ao dizer que, “na guarda e aplicação da Constituição e das leis nacionais, a magistratura federal só intervirá em espécie e por provocação da parte”. A chamada Constituição provisória de 1.890, também, previa a fiscalização judicial (art. 58, 1, a e b).

A referida constituição de 1.891 reconheceu a competência do Supremo Tribunal Federal para rever as sentenças das Justiças dos Estados, em última instância, quando se questionasse a validade ou a aplicação de tratados e leis federais (art. 59, §1º, a e b).

Com advento da Lei n. 221, de 20 de novembro de 1.894, reforçou-se, ainda mais, o modelo judicial de controle de constitucionalidade.

A reforma constitucional de 1.926 da carta de 1.891 empreendeu algumas modificações nas técnicas de controle sem, contudo, alterar–lhe o âmago. Ficou mantido o método difuso e, de certa forma, a jurisdição constitucional do Supremo foi ampliada, porque, na exegese da lei federal, outorgou-se-lhe a tarefa de uniformizar a jurisprudência dos demais Tribunais (art. 60, §1º, c).

Estava consolidado, entre nós, o controle, difuso de constitucionalidade, à moda do judicial review dos nortes americanos – “um poder de hermenêutica, e não um poder de legislação”3.

 

2.3. A CONSTITUIÇÃO DE 1.934

Empreendeu profundas mudanças no método de controle, mantendo a fiscalização incidental, de constitucionalidade das leis e atos normativos pelo Pretório Excelso (arts. 76, 78 parágrafo único; 83,§1º).

Introduziu a competência do Senado para suspender a execução de lei, decreto, regulamento ou deliberação, declarados inconstitucionais pelo Poder Judiciário, emprestando efeito erga omnes às decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal (arts. 91, IV, e 96).

Em nome do ideário da segurança jurídica, consagrou quórum especial para se declarar a inconstitucionalidade (art. 179). Somente pela maioria da totalidade dos membros dos Tribunais, as leis e atos normativos poderiam ser decretados inconstitucionais.

Buscava-se, assim, evitar flutuações de entendimentos na jurisprudência.

Implantou, no ordenamento pátrio, a representação interventiva.

Proibiu ao Poder Judiciário conhecer de questões exclusivamente políticas (art. 68).

 

2.4 A CONSTITUIÇÃO DE 1.937

A estagnação e o retrocesso foram marcas características do controle de constitucionalidade da Carta de 1.937. É, também, conhecida pejorativamente como “Constituição Polaca”, por ter sido baseada na Constituição autoritária da Polônia, ela foi redigida pelo jurista Francisco Campos, ministro da Justiça na época, e de igual maneira obteve a aprovação prévia do Presidente Getúlio Vargas e de igual forma do Ministro da Guerra, general Eurico Gaspar Dutra.

Foi mantido o controle difuso (art. 101, III, “b” e “c”) e o quórum especial para se decretar a inconstitucionalidade (art. 96).

Reiterou a vedação do Texto de 1.934, proibindo ao Poder Judiciário conhecer de questões exclusivamente políticas (art. 94).

Permitiu ao Presidente da República submeter ao Parlamento a lei declarada inconstitucional. Se, pelo voto de 2/3 terços de cada uma das Casas Legislativas, fosse confirmada a validade da lei, tornava-se insubsistente a decisão do Poder Judiciário que decretou a inconstitucionalidade (art. 96, parágrafo único). Estava à porta para se cassar em veredictos jurisdicionais. Em 1.939, o Presidente Getúlio Vargas editou o Decreto-Lei nº 1.564, “validando” textos de lei declarados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal. Pôs em xeque o caráter incontrastável das sentenças judiciais, manchando o histórico do controle de constitucionalidade em nosso país.

 

2.5 A CONSTITUIÇÃO DE 1.946

A constituição de 1.946 restaurou o controle jurisdicional de constitucionalidade no Brasil.

Permitiu que o controle difuso fosse exercido pelo Supremo Tribunal Federal em sede de recurso extraordinário (art. 101, III, a, b, e c).

Preservou a exigência de maioria absoluta dos membros do Tribunal par a eficácia da decisão declaratória de inconstitucionalidade (art. 200).

Manteve a atribuição do Senado Federal para suspender a executoriedade de lei declarada inconstitucional pelo Pretório Excelso (art. 64).

Emprestou nova configuração à representação de inconstitucionalidade interventiva, introduzida, no Brasil, pela Carta de 1.934, deixando-a sob os auspícios do Procurador-Geral da República (art. 8º, parágrafo único, c/c o art. 7°, VII).

A Constituição de 1.946 foi modificada pela Emenda Constitucional nº 16, de 26 de novembro de 1.965, que inaugurou oficialmente em nosso país a fiscalização abstrata de normas. Nisso, conferiu ao Supremo Tribunal Federal a competência para processar e julgar originariamente ações diretas de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo estadual ou federal, propostas pelo Procurador-Geral da República.

A Emenda Constitucional nº 16/65, no art. 124, XIII, permitiu ao legislador “estabelecer processo de competência originária do Tribunal de Justiça, para declaração de inconstitucionalidade de lei ou ato do Município em conflito com a Constituição do Estado”.

 

2.6 A CONSTITUIÇÃO DE 1.967 (EC Nº 1/69)

A Constituição de 1.967 não trouxe maiores contribuições em matéria de controle de constitucionalidade. Preservou o controle difuso e o abstrato, nos mesmos moldes da Carta de 1.946, com a Emenda Constitucional nº 16/65.

Ela ampliou, no entanto, a representação interventiva, titularizada pelo Procurador Geral da República, a fim de garantir os princípios sensíveis (art. 10, VII) e o provimento da execução das leis federais (art. 10, VI, 1ª parte).

Transferiu para o Presidente da República a competência para suspender o ato estadual (art. 11, §2º).

Em sua redação originária, a Carta de 1.967 não acatou a novidade oriunda da Emenda Constitucional nº 16/65, no sentido de permitir ao legislador estabelecer processo de competência originária dos Tribunais de Justiça para declararem a inconstitucionalidade das leis municipais que conflitassem com as contribuições estaduais.

Com advento da Emenda Constitucional nº. 1, de 17 de outubro 1.969, que empreendeu amplíssima mudança formal da Carta de 1.967, retornou o controle de constitucionalidade de lei municipal, em face da constituição do Estado, para fins de intervenção no Município (art. 15, §3º, d).

Mais tarde surgiu a Emenda Constitucional nº. 7, de 13 de abril de 1.977, que introduziu nova modalidade de representação de inconstitucionalidade. Tal instituto foi outorgado ao Procurador Geral da República, que poderia provocar o pronunciamento do Supremo na exegese de lei ou ato normativo estadual ou municipal (art. 119, I, e).

Procurou, com tal medida, evitar a proliferação de demandas, com a fixação correta, pelo Pretório Excelso, da exegese da lei.

A Emenda Constitucional nº 7/77 também reconheceu a competência do Supremo Tribunal para deferir pedido de cautelar formulado pelo Procurador Geral da República (art. 119, I, p).

 

2.7. O CONTROLE CONSTITUCIONALIDADE NA CONSTITUIÇÃO DE 1.988

A Constituição de 1.988 amplia significativamente os mecanismos de proteção judicial e, assim também, o controle de constitucionalidade das leis, estendendo de forma considerável os instrumentos de controle já previstos, bem como com novos instrumentos e, consequentemente, aumentando o rol de legitimados com a possibilidade de propositura das ações.

A Constituição Federal de 1.988 preservou a representação interventiva, destinada à aferição de compatibilidade de direito estadual com os chamados princípios sensíveis (CF, art. 34, VII, c/c o art. 36, III). Esse processo constitui pressuposto da intervenção federal, que, nos termos do art. 36, III, e §1º, da Constituição Federal, há de ser executada pelo Presidente da República. Tradicionalmente, é o Supremo Tribunal Federal competente para conhecer as causas e conflitos entre a União e os Estados, entre a União e o Distrito Federal ou os Estados entre si (art. 102, I, f). Tal como outros países da América Latina, não dispõe a ordem jurídica brasileira de instrumento único para defesa de direitos subjetivos públicos. A Constituição consagra o habeas corpus como instrumento processual destinado a proteger o indivíduo contra atos arbitrários do Poder Público que impliquem restrições ao direito de ir e vir (art. 5º, LXVIII). Ao lado do habeas corpus, dispõe a ordem jurídica brasileira, desde 1.934, do mandado de segurança, destinado, hodiernamente, a garantir direito líquido e certo não protegido por habeas data ou habeas corpus (CF, art. LXIX, a). O mandado de segurança pode ser, igualmente, utilizado por partido político com representação no Congresso Nacional, organização sindical, entidade de classe ou associação em funcionamento há pelo menos um ano, em defesa dos interesses dos seus membros (mandado de segurança coletivo).

A Constituição Federal de 1.988 criou, ao lado do habeas data, que se destina à garantia do direito de autodeterminação sobre informações (art. 5º, LXXII), o mandado de injunção, remédio especial que pode ser utilizado contra a omissão de órgão com o poder normativo que impeça o exercício de direito constitucionalmente assegurado (art. 5º, LXXI).

Até a entrada em vigor da Constituição Federal de 1988 era o recurso extraordinário, também, quanto ao critério de quantidade, o mais importante processo da competência do Supremo Tribunal Federal. Esse remédio excepcional, devolvido segundo o modelo do writ of error americano e introduzido na ordem constitucional brasileira pela Constituição de 1.891, pode ser interposto pela parte vencida, quando a decisão recorrida contrariar dispositivo da Constituição, declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal, julgar válida lei local contestada em face de lei federal (CF, art. 102, III, a, b, c, d). A Constituição de 1988 reduziu o âmbito de aplicação do recurso extraordinário, confiando ao Superior Tribunal de Justiça a decisão sobre os casos de colisão direta entre o direito estadual e o direito federal ordinário.

Tal como já observado, particular atenção dedicou o constituinte à chamada “omissão do legislador”.

Ao lado do mandado de injunção, previsto no art. 5º, LXX, c/c o art. 102, I, q, destinado à defesa de direitos subjetivos afetados pela omissão legislativa ou administrativa, introduziu a Constituição, no art. 103, §2º, o processo de controle abstrato da omissão. Tal como o controle abstrato de normas, pode o controle abstrato da omissão ser instaurado pelo Presidente da República, pela Mesa da Câmara dos Deputados, Senado Federal, Mesa de uma Assembleia Legislativa, Governador do Estado, Procurador-Geral da República, Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, partido político com representação no Congresso Nacional, confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional.

A grande mudança vai-se verificar no âmbito do controle abstrato de normas, com a criação da ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo estadual ou federal (CF, art. 102, I, a, c/c o art. 103).

Se a intensa discussão sobre o monopólio da ação por parte do Procurador-Geral da República não levou a uma mudança na jurisprudência consolidada sobre o assunto, é fácil constatar que ela foi decisiva para a alteração introduzida pelo constituinte de 1.988, com significativa ampliação do direito de propositura da ação direta.

O constituinte assegurou o direito do Procurador- Geral da República de propor a ação de inconstitucionalidade. Este é, todavia, apenas um dentre os diversos órgãos ou entes legitimados a propor a ação direta de inconstitucionalidade.

Nos termos do art. 103 da Constituição de 1988, dispõem de legitimidade para propor a ação de inconstitucionalidade o Presidente da República, a Mesa do senado Federal, a Mesa da Câmara dos Deputados, a Mesa de uma Assembleia Legislativa, o Governador do Estado, o Procurador–Geral da República, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, partido político com representação no Congresso Nacional, as confederações sindicais ou entidades de classe de âmbito nacional.

Tal fato fortalece a impressão de que, com a introdução desse sistema de controle abstrato de normas, com ampla legitimação, e, particularmente, a outorga do direito de propositura a diferentes órgãos da sociedade, pretendeu o constituinte reforçar controle abstrato de normas no ordenamento jurídico brasileiro como peculiar instrumento de correção do sistema geral incidente.

Não é menos certo, por outro lado, que a ampla legitimação conferida ao controle abstrato, com a inevitável possibilidade de submeter qualquer questão constitucional ao Supremo Tribunal Federal, operou uma mudança substancial ainda que não desejada no modelo de controle de constitucionalidade até então vigente no Brasil.

O monopólio de ação outorgado ao Procurador Geral da República no sistema de 1.967/1.969 não provocou alteração profunda no modelo incidente ou difuso. Este continuou predominante, integrando-se a representação de inconstitucionalidade a ele como um elemento ancilar, que contribuía muito pouco para diferençá-lo dos demais sistemas “difusos” ou “incidentes” de controle de inconstitucionalidade.

A Constituição de 1.988 reduziu o significado do controle de constitucionalidade incidental ou difuso ampliar, de forma marcante, a legitimação para propositura da ação direta de inconstitucionalidade (art. 103), permitindo que, praticamente, todas as controvérsias constitucionais relevantes sejam submetidas ao Supremo Tribunal Federal mediante processo de controle abstrato de normas.

 

3. O CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE CONCRETO E O CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE DIFUSO

O controle de constitucionalidade concentrado ou abstrato teve sua origem na influência de um dos maiores jusfilósofos da história do direito, Hans Kelsen. Como é cediço, ele articulou o conceito de hierarquia das normas, sendo que de uma norma fundamental derivam todas as demais normas e com aquela devem estar em harmonia. Portanto, no Direito Positivo, há uma hierarquia normativa, na qual a Constituição é o seu ápice.

Dentro dessa concepção, sua sistematização buscava equilibrar o controle de constitucionalidade com o poder historicamente atribuído ao parlamento e ao principal produto deste, ou seja, a lei. Tendo em conta o papel das Cortes Constitucionais, esse sistema é chamado de controle concentrado, por óbvias razões.

Já o controle de constitucionalidade difuso teve uma origem incomum, pois, surgiu em um sistema constitucional que não o prevê expressamente, como é o caso do sistema americano. Nessa mesma ocasião, referido sistema já aparecia para a possibilidade dessa construção.

Diversamente, da tradição inglesa de reconhecimento da soberania do parlamento, a doutrina construída pelos norte-americanos desenvolveu detalhes técnicos de atribuir um valor superior da Constituição frente às leis ordinárias. Portanto, o controle de constitucionalidade difuso não surgiu por meio de questionamentos teóricos e acadêmicos, mas de um conflito entre grupos políticos pelo poder, conflito este que gerou uma crise de autoridade entre o Executivo e o Judiciário, o conhecido precedente do Marbury vs Madison que ganhou o mundo. Não foram poucos os países que seguiram o exemplo norte-americano, firmando este com características peculiares.

Por esse controle de constitucionalidade, as formulações criadas pelo juiz Marshall, criou-se o controle judicial de constitucionalidade difuso ou incidental, no qual todo e qualquer juiz pode apreciar, no caso concreto, a conformidade da lei à Constituição.

Alguns países optaram por harmonizar os dois sistemas, originando o sistema de controle misto. Como o Brasil, que desde a instituição da emenda constitucional n.º 16, de 1.965, adotou um sistema de controle de constitucionalidade misto, híbrido ou eclético, haja vista que se utiliza tanto do método abstrato quanto do difuso.

 

4. O RECURSO EXTRAORDINÁRIO

O Recurso Extraordinário é um instituto de berço constitucional, qualidade esta que lhe confere um status de recurso imunizado contra a supressão ou mesmo condicionamento pela via legislativa.

Não configurando, o Supremo Tribunal Federal uma terceira (e eventualmente, quarta), instância de julgamento e, sendo sua tarefa precipuamente (art. 102, da CF) a defesa da Constituição, conclui-se que o Recurso Extraordinário não presta (ao menos não num primeiro momento) à correção dos julgamentos prolatados pelas instâncias inferiores. A preocupação principal é, ao contrário, com o Direito objetivo. Daí falar-se, inclusive, de um recurso objetivo no sentido de preocupação com questões de ordem objetiva, e não com as causas subjetivamente presentes no processo do qual, eventualmente, emerge o recurso em apreço4.

 

5. PRESSUPOSTOS CONSTITUCIONAIS DE ADMISSIBILIDADE DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO

Nos termos do art. 102, III, da Constituição Federal, das causas decididas em única ou última instância, caberá recurso extraordinário em quatro hipóteses, a saber, quando a decisão recorrida:

  1. Contrariar dispositivo da Constituição;

  2. Declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal;

  3. Julgar válida lei ou ato de governo local contestado em face da Constituição;

  4. Julgar válida lei local contestada em face de lei federal.

As três primeiras hipóteses tratam explicitamente de matéria constitucional e já se encontram sedimentadas no Direito brasileiro. A alínea “d”, introduzida pela Emenda Constitucional nº 45/2004, merece um comentário adicional.

O dispositivo transferiu ao Supremo Tribunal Federal competência até então reservada ao Superior Tribunal de Justiça, pela via do recurso especial. Antes mesmo da mudança, já havia a percepção de que o conflito entre lei local e lei federal muitas vezes envolve questão constitucional, relativa à divisão constitucional de competências legislativas entre os entes da federação. Com efeito, identifica-se vício de inconstitucionalidade tanto nos casos em que um ente invade a esfera de competência reservada com exclusividade em nível federativo diverso, quanto naqueles em que, tendo a Constituição estabelecido competências concorrentes, um dos entes envolvidos transborde os limites próprios à sua atuação. O julgamento de tais questões pelo Superior Tribunal de Justiça não seria coerente com a divisão de atribuições entre este Tribunal e o Supremo Tribunal Federal, tal como promovida pelo constituinte de 19885.

 

5.1. A EXISTÊNCIA DE UMA CAUSA E DE SENTIDO PRECISO

O artigo 102, III, da Constituição Federal fala em julgar as “causas” mediante recurso. A interpretação mais ampla no caso há de ser preferida, portanto, “causa” para fins de controle jurisdicional difuso da constitucionalidade via recurso extraordinário é termo que engloba todo e qualquer processo judicial.

É a posição igualmente encampada por José Afonso da Silva, ao notar que “não há cogitar se se trata de processo de jurisdição voluntária, ou de jurisdição contenciosa. Se o processo é cautelar, principal ou incidental. Basta que a decisão proferida em qualquer deles encerre uma questão federal e seja irrecorrível no mesmo sistema judiciário. Só isto é pressuposto dele. A natureza, o tipo de processo não constitui seu pressuposto”6.

 

5.2. A DECISÃO

O inciso III, do artigo 102 prescreve o cabimento do recuso extraordinário para julgar as causas “decididas (…) quando a decisão recorrida” inserir-se em uma das hipóteses a seguir arroladas pelo dispositivo. Nota-se, pois, que a Constituição foi enfática e insistente: deve haver uma decisão, da qual se poderá recorrer extraordinariamente.

Decisão, no caso, é a decisão judicial, que tanto pode ser de juízo monocrático como de colegiado. Não há restrição alguma quanto a se tratar de decisão de mérito ou de decisão sobre questão formal, de decisão definitiva de mérito ou meramente terminativa. De outra parte, fica claro que se exige o julgamento da causa.

 

5.3. NECESSIDADE DE PRÉVIO ESGOTAMENTO DAS INSTÂNCIAS INFERIORES

Uma das especificidades do recurso extraordinário está na exigência constitucional de que seja proposto apenas a partir de “causas decididas em única ou última instância”. Veda-se, como se percebe, o exercício desses recursos per saltum, eliminando fases recursais outras, previstas pelo Direito7.

 

5.4. IMPOSSIBILIDADE DE REVISÃO DA MATÉRIA DE FATO

O recurso extraordinário determina uma ponderável restrição. É que a amplitude (extensão) da cognição permitida ao tribunal é absolutamente restrita às questões de Direito.

Não se admite o reexame de matéria de fato, caso contrário o Supremo Tribunal Federal figuraria, na estrutura judiciária, como nova instância ordinária. Por esse motivo é que se explica o teor da Súmula 279, do STF: “para simples reexame de provas não cabe recurso extraordinário”.

Em outras palavras, as instâncias inferiores decidem soberanamente em matéria fática, restando ao Supremo Tribunal Federal acompanhar a versão dos fatos encampada anteriormente.

 

5.5. A PRESENÇA DA REPERCUSSÃO GERAL

A Repercussão Geral é um instrumento processual inserido na Constituição Federal de 1.988, por meio da Emenda Constitucional 45/2004, conhecida como a “Reforma do Judiciário”. O objetivo desta ferramenta é possibilitar que o Supremo Tribunal Federal selecione os Recursos Extraordinários que irá analisar, de acordo com critérios de relevância jurídica, política, social ou econômica. O uso desse filtro recursal resulta numa diminuição do número de processos encaminhados à Suprema Corte. Uma vez constatada a existência de repercussão geral, o Supremo Tribunal Federal analisa o mérito da questão e a decisão proveniente dessa análise será aplicada posteriormente pelas instâncias inferiores, em casos idênticos. A preliminar de Repercussão Geral é analisada pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, por meio de um sistema informatizado, com votação eletrônica, ou seja, sem necessidade de reunião física dos membros do Tribunal. Para recusar a análise de um Recurso Extraordinário são necessários pelo menos 8 votos, caso contrário, o tema deverá ser julgado pela Corte. Após o relator do recurso lançar no sistema sua manifestação sobre a relevância do tema, os demais ministros têm 20 dias para votar. As abstenções nessa votação são consideradas como favoráveis à ocorrência de repercussão geral na matéria

Cumpre observar que o pressuposto da repercussão geral assemelha-se ao “writ of certiorari” do direito norte-americano. Tendo em vista tratar-se de uma opção política do constituinte derivado, no sentido de limitar a atividade jurisdicional da Suprema Corte, reservando-a aos casos de repercussão geral.

Por repercussão geral, a lei entende aquela que se origina de questões que ultrapassam os interesses subjetivos da causa”, por envolver controvérsias que vão além do direito individual ou pessoal das partes. Em análise mais acurada, pode-se concluir que haverá repercussão geral quando estiverem em análise para julgamento questões de relevância econômica, social, política ou jurídica, que transcendam os interesses das partes envolvidas no processo. A interposição do Recurso Extraordinário à Corte Suprema revela o interesse geral da sociedade no pronunciamento judicial deste em máxima instância.

Em síntese, dever-se-á compreender como de “repercussão geral” a temática que afete um grande número de pessoas; que trate de assuntos significativos; que possua um significado geral, socialmente relevante; que transcenda os interesses egoísticos e pessoais das partes processuais envolvidas; que tenha “repercussão considerável sobre o conjunto do ordenamento jurídico e político”. Ou ainda, as causas quando envolvam (i) aspectos econômicos de monta; (ii) temas já amplamente debatidos mas, ainda, pendentes em diversas instâncias judiciais, com decisões contraditórias; (iii) assuntos intrinsecamente relacionados a causas pendentes de julgamento no STF8.

 

6. A ABSTRATIVIZAÇÃO DO CONTROLE CONSTITUCIONAL DIFUSO E SUAS VANTAGENS

A abstrativização do controle constitucional difuso introduz a aproximação dos efeitos da decisão que aprecia a inconstitucionalidade tanto do controle constitucional difuso como do controle constitucional em abstrato, ou seja, no campo meramente normativo, sem se preocupar com o caso concreto. Para o autor da expressão “abstrativização do controle constitucional difuso”, Fredie Didier, “nada impede, porém, que o controle de constitucionalidade seja difuso, mas abstrato: a análise de constitucionalidade é feita em tese, embora por qualquer órgão.”9

Tal fenômeno vem se apresentando na doutrina e também na jurisprudência brasileira, principalmente, por meio das transformações sofridas pelo Recurso Extraordinário. Isso decorre, segundo os simpatizantes da tese da abstrativização, do entendimento de que não há razões para não se atribuir efeitos erga omnes e vinculantes às decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal e, consequentemente, fortalecendo ainda mais as suas decisões.

Em contrapartida, esse entendimento encontra óbice na interpretação do artigo 52, inciso X, da Constituição Federal, em sede de recurso extraordinário, que exige a participação política do Senado Federal, na medida em que lhe atribui a função de suspender a execução da lei ora declarada inconstitucional pelo supremo Tribunal Federal.

A solução que os simpatizantes da tese da abstrativização do controle de constitucionalidade difuso defendem é que o artigo 52, inciso X, da Constituição Federal seja reinterpretado. Isso porque, com fundamento na adoção do direito brasileiro de um controle híbrido, fica sem sentido continuar atribuindo tal função ao Senado Federal no controle de constitucionalidade difuso, quando há o controle de constitucionalidade abstrato.

A proposta efetivada em defesa da teoria da abstrativização do controle constitucional difuso é a mutação constitucional do artigo 52, inciso X, da Constituição Federal, atribuindo ao Senado Federal a função de dar publicidade às decisões do Supremo Tribunal Federal já que teriam eficácia contra todos e vinculante.

Ainda, pela teoria da abstrativização do controle de constitucionalidade difuso percebe-se uma manifesta economia processual, ou ainda, uma tendência teórica, haja vista que ao se ter declarada a inconstitucionalidade de uma lei em sede de controle constitucional difuso, mas com efeito erga omnes, não se exigirá das pessoas que se encontrarem na mesma situação jurídica, que estas ingressem em juízo para que obtenham o mesmo efeito prático obtido anteriormente.

Outra vantagem seria que, o controle de constitucionalidade estaria acessível a todos os cidadãos, uma vez que não se exigiria legitimação específica para a ação, assegurando ampla supremacia e rigidez constitucionais.

 

7. O RECURSO EXTRAORDINÁRIO COMO INSTRUMENTO DE CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE EM ABSTRATO.

O Recurso Extraordinário, como já visto, é um instituto destinado ao controle de constitucionalidade difuso, deve, de acordo com a tese da abstrativização e em determinados casos, deixar de ser utilizado como mais um grau de jurisdição às partes no conflito privado, para, sim, efetivar a jurisdição constitucional. Para tanto, as decisões em Recurso Extraordinário, quando afetadas à apreciação do Plenário do Supremo Tribunal Federal, passariam a ter efeito erga omnes e vinculante, como no controle de constitucionalidade abstrato, dispensando a participação do Senado Federal na suspensão da execução da norma ora declarada inconstitucional. Observa-se, assim, uma mutação constitucional na interpretação do art. 52, inciso X, da Constituição Federal.

Também se observa que está em movimento um processo de reforma constitucional objetivando restringir ao máximo a atuação do Supremo Tribunal Federal a sua função primeira – a guarda da constituição – afastando-o de lides meramente privadas. Essas razões motivaram a inserção, pela Emenda Constitucional 45/2004, da repercussão geral nos recursos extraordinários, bem como da própria súmula vinculante.

O Ministro Gilmar Ferreira Mendes, foi quem emitiu o primeiro posicionamento que enfrentou as mudanças a favor da tese da teoria da abstrativização do controle de constitucionalidade difuso, adotando-a no processo administrativo nº 318.715/STF de 17/12/200310, que culminou na edição da emenda nº. 12 ao Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal (RISTF). O respectivo Ministro afirmou que o Recurso Extraordinário deveria deixar de ter caráter marcadamente subjetivo ou de defesa de interesses das partes, para assumir, de forma decisiva, a função de defesa da ordem constitucional objetiva. Esclarecedor e objetivo se mostra parte do voto do r. Julgador em que afirma que “a função do Supremo nos recursos extraordinários – ao menos de modo imediato – não é a de resolver litígios de fulano ou beltrano, nem a de revisar todos os pronunciamentos das Cortes inferiores.”

E, ao finalizar afirma que “o processo entre as partes, trazido à Corte via recurso extraordinário deve ser visto apenas como pressuposto para uma atividade que transcende os interesses subjetivos.”11. O mesmo entendimento foi mantido pelo Ilustre Ministro no julgamento do RE 376.852, de 27/03/2003, quando ele reafirmou a necessidade de transformação do Recurso Extraordinário em remédio de controle abstrato de constitucionalidade.12

Entende-se, então, que o Recurso Extraordinário, instrumento do controle de constitucionalidade difuso, deve superar o interesse eminentemente privado, servindo, também, como controle de constitucionalidade abstrato. Nesse mesmo entendimento, a Ministra Ellen Gracie, por força do julgamento do AI 375.011, dispensou o pré-questionamento permitindo que o Tribunal conhecesse da matéria constante do Recurso Extraordinário. Após afirmar que se encontrava pacificado no âmbito da Suprema Corte a necessidade do pré-questionamento para o conhecimento do Recurso Extraordinário, ressaltou a referida Ministra em seu voto “estou, entretanto, mais inclinada a valorizar, preponderantemente, as manifestações do Tribunal, especialmente as resultantes de sua competência mais nobre – a de intérprete último da Constituição Federal.”13

É incontroversa a evolução jurisprudencial, em especial, sobre a utilização do recurso extraordinário como instrumento de controle de constitucionalidade difuso em abstrato. Também, como outra grande mutação no controle de constitucionalidade difuso, está a utilização pelo Supremo Tribunal Federal da técnica de modulação de efeitos da decisão de inconstitucionalidade no controle difuso.

Cita-se o RE 197.917/SP, por exemplo, a conhecida decisão que o Plenário do Supremo Tribunal Federal emitiu sobre o número de vereadores em cada município, dirimida dentro de um recurso extraordinário14. Nessa oportunidade, o plenário entendeu por aplicar ao controle de constitucionalidade difuso a técnica da limitação dos efeitos, fazendo com que os efeitos da declaração de inconstitucionalidade valessem pro futuro, ou seja, ex nunc. Ressalte-se que até então os efeitos atribuídos em sede de controle de constitucionalidade difuso eram somente ex tunc “. Ainda, destaca-se a decisão do Plenário do Supremo Tribunal Federal que declarou a inconstitucionalidade do § 1°, art. 2°, da Lei n.8.072/90 – Progressão de regime nos crimes hediondos – em sede do Habeas Corpus n.82.959/SP15. Referida decisão mostra-se como paradigma que veio a fundamentar a possibilidade da adoção da teoria da abstrativização do controle de constitucionalidade difuso. Quando do julgamento do Habeas Corpus n.82.959/SP, em 23.02.2006, o plenário salientou que a declaração incidental de inconstitucionalidade da vedação da progressão de regime nos crimes hediondos não geraria conseqüências jurídicas em relação às penas já extintas nesta data, pois esta decisão plenária envolve, unicamente, o afastamento do óbice representado pela norma ora declarada inconstitucional, sem prejuízo da apreciação, caso a caso, pelo magistrado competente, dos demais requisitos pertinentes ao reconhecimento da possibilidade de progressão.

Por isso, pode-se dizer que o Supremo Tribunal Federal no julgamento do Habeas Corpus n.82.959/SP, passou a adotar a teoria da abstrativização do controle de constitucionalidade difuso.

 

8. CONCLUSÃO

Não se pode mais negar a teoria da abstrativização do controle de constitucionalidade difuso em nosso ordenamento jurídico, ela é real. Tanto que o próprio Supremo Tribunal Federal que tem a função de guardião da Constituição, vê-se obrigado a transpassar as suas funções para enfrentar novos posicionamentos em prol do aperfeiçoamento de suas decisões e de uma satisfação social como forma, também, de se adequar ao moderno constitucionalismo.

Sua posição não seria diferente ao se posicionar a favor, em alguns julgados, da utilização do Recurso Extraordinário como instrumento de controle de constitucionalidade difuso, o qual de acordo com a teoria da abstrativização deve deixar de ser utilizado como mais um grau de jurisdição às partes em lide privada para efetivar a jurisdição constitucional. Essas decisões em Recurso Extraordinário quando submetidas à apreciação do Plenário do Supremo Tribunal Federal, passam a ter efeito erga omnes e vinculante, tornando desnecessária a participação do Senado Federal na suspensão da execução da norma declarada inconstitucional.

Esse fenômeno vem se apresentando na doutrina e, também, na jurisprudência brasileira, principalmente, por meio das transformações sofridas pelo Recurso Extraordinário. Isso decorre, segundo os defensores da tese da abstrativização do controle de constitucionalidade difuso, do entendimento de que não há razões para não se atribuir efeitos erga omnes e vinculantes às decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal e, consequentemente, fortalecendo ainda mais as suas decisões

No que concerne à mutabilidade constitucional na interpretação do artigo 52, inciso X, da Constituição Federal, esta deve ocorrer, porque é inconteste a transformação doutrinária e jurisprudencial na utilização do Recurso Extraordinário como instrumento de controle de constitucionalidade difuso em abstrato.

Portanto na adoção da tese da abstrativização do controle de constitucionalidade difuso o caminho para uma melhor prestação da jurisdição constitucional, na medida em que diminuirá a interposição de inúmeros recursos/ações autônomas de impugnação objetivando reformar decisões dos tribunais/juízes, tendo em vista que a matéria já foi pacificada pelo plenário. Acredita-se que a abstrativização do controle de constitucionalidade difuso será firmada na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e será um grande passo, mas não o único, a conferir maior efetividade à prestação da Jurisdição Constitucional.

 

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Todos os acórdãos citados estão disponíveis no sítio eletrônico do Supremo Tribunal

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1 DEOCLECIANO, Pedro Rafael Malveira e SOUZA, José Péricles Pereira de. Objetivação do controle difuso na ordem jurídica brasileira. Revista DIREITOS FUNDAMENTAIS E DEMOCRACIA. UNISUL. Vol.06, 2009 p.05, apud DIDIER JR. Fredie. O recurso extraordinário e a transformação do controle de constitucionalidade no direito brasileiro. In: CAMARGO, Marcelo Novelino (Org.). Leituras complementares de direito constitucional. Salvador: Juspodivm, 2007, p. 104. Um dos aspectos dessa mudança é a transformação do recurso extraordinário, que, embora instrumento de controle difuso de constitucionalidade das leis, tem servido, também, ao controle abstrato.

2 Direito público brasileiro e análise da Constituição do Império, p. 69, apud. BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 119.

3 Ruy Barbosa, Os atos inconstitucionais do Congresso e do Executivo ante a Justiça Federal, p. 83, apud. BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 120.

4 TAVARES, José Ramos. Curso de Direito Constitucional. 3ª ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 300.

5 BARROSO, Luís Roberto. O controle de constitucionalidade no direito brasileiro: exposição sistemática da doutrina e análise crítica da jurisprudência. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 90.

6 SILVA, José Afonso. Do Recurso Extraordinário no Direito Processual Brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1963, p. 293.

7 Exige-se, v.g., a interposição de embargos infringentes contra a decisão não unânime, antes de se alcançar a apreciação, pelo tribunal nacional, dessa matéria não unanimemente decidida pelo tribunal a quo.

8 TAVARES, José Ramos. Curso de Direito Constitucional. 3ª ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 309/310.

9 DIDER JR, Fredie. Transformações do recurso extraordinário: aspectos polêmicos e atuais dos recursos cíveis e assuntos afins. Coordenação Nelson Nery Júnior e Teresa Arruda Alvim Wambier. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. v. 10, p.106.

10 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Processo Administrativo nº 318.715/STF, do Plenário do Supremo Tribunal Federal, Brasília, DF, 17 de dezembro de 2003. In: http://www.stf.gov/portal/inteiroteor/.

11 Ibidem.

12 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Medida Cautelar no Recurso Extraordinário nº. 376.852/SC, do Tribunal Pleno Brasília, DF. In: HTTP://www.stf.gov.br/portal/inteiroteor/obterinteiroteor.asp/numero=376852&classe=REMC.

13 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Agravo Regimental no agravo de Instrumento nº. 375.011/RS, Segunda Turma. Rel. Min. Ellen Gracie, Brasília, In: HTTP://stf.gov.br/portal/inteiroteor.asp/numero=375011&classe=AIAgR.

14 BRASIL.Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário 197.971/SP, Tribunal Pleno, Rel. Min. Mauricio Correa, publicado em 07/05/2004, Brasília, in: HTTP://www.stf.gov.br/portal/inteiroteor/obterinteiroteor.asp/numero=197917&classe=RE.

15 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus nº 82959/SP, Tribunal Pleno, Rel. Min. Marco Aurélio, publicado em 23/02/2006, Brasília, in:HTTP://www.stf.gov.br/portal/inteiroteor/obterinteiroteor.asp/numero=82959&classe=HC.

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Rubia Spirandelli Rodrigues

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