“No me dedico a decirle a la gente lo que tiene que hacer – ya hay bastantes que se dedican a ello -, sino lo que hago yo.”
Montaigne
Tomemos, por exemplo, o caso de um indivíduo que experimenta a desagradável sensação de “não aprovar” em um concurso público e que logo permanece desanimado, sem forças, temeroso e algo desestimulado para enfrentar-se a novos concursos. Pode ser completamente consciente de sua suscetibilidade, permanecer desestimulado durante muito tempo e, sentindo-se insultado pela fortuna, deixar que seu estado de ânimo decaia cada vez mais, seus objetivos se dispersem e sua capacidade de desembaraçar-se da desesperança e dos sentimentos negativos simplesmente fique em suspenso ou desapareça.
O que ocorre com os momentos de frustração? Com esses momentos intermédios em que necessitamos continuar estudando, apesar de não termos conseguido a aprovação em um concurso anterior. Parece que nunca estamos preparados para que existam esses intermédios, essas angustiantes pausas. Dá a impressão de que se todo o nosso esforço não serviu para nada, então continuar a estudar talvez não mereça a pena. São momentos que se fazem tremendamente “eternos”, vazios e algumas vezes difíceis de suportar, momentos nebulosos e rotinários nos que travamos uma luta implacável e desmedida para recuperar e manter viva nossa força de vontade, nosso ânimo e nossa determinação, principalmente no que se refere ao bom fluxo de nossos estudos.
Essas experiências, esses momentos intermédios, não são alheios a muitas pessoas. Tão pouco negamos a evidência da dificuldade que representa manter a firmeza quando se trata de suportar a pé firme os infortúnios que já não tem remédio, que a conduta humana é muito complexa e que com frequência há mais de uma razão para qualquer comportamento dado. Mas a dor emocional que não nos beneficia é sofrimento inútil. E não sendo a mente humana unicamente fáustica em sua eterna insatisfação, senão quase vitoriana em sua salaz fascinação pelo lado negativo da vida, a maioria de nossas frustrações são exageradas e, quanto mais as experimentamos, mais miserável tornamos nossa própria existência (M. Csikszentmihalyi). Afinal, segundo avançamos pela vida, nosso cérebro adquire novas expectativas e esperanças a partir de nossas experiências (sobretudo a partir das negativas), expectativas e esperanças que modelam nosso caráter, pois o melhor do que somos está precisamente no que esperamos chegar a ser.
Então, por que nos entregamos à falta de motivação, ao desânimo e ao stress com desesperança provocados pela frustração gerada por um eventual fracasso? Por que, ao invés de aprender a controlar e confiar no valor de nossas experiências subjetivas, de nossa vontade consciente, nos empenhamos a prestar demasiada atenção e dedicar tanto tempo aos nossos fracassos? Por que se a crença que temos de nós mesmos guia nossos atos, serve para dar significado a nossas experiências e determina o sentido e direção que damos a nossa vida (passado, presente e futuro), nos resistimos a mudar este tipo de mentalidade fatalista tão frequente nesses momentos intermédios de verdadeira tormenta emocional?
Há uma extraordinária distância entre as formas de perceber um fracasso (de não ser aprovado): vê-lo como uma ação (“fracassei”) ou concebê-lo como uma identidade (“sou um fracassado”). Este corresponde ao sentimento de não ter valido a pena tanto “sacrifício”, de haver perdido tanto tempo estudando; equivale a não ser capaz ou a não ter talento e têmpera suficientes para uma empresa dessa natureza. Aquele é simplesmente uma ação, um não haver (ainda) atingido a totalidade do próprio potencial. É tão somente não haver alcançado, temporariamente, o que se busca e o que se valora. É a convicção de que o esforço é a única forma de superar essa espécie de impotência aprendida que nos impede controlar nosso presente e renunciar a natural tendência de sucumbir ao desalento.
Podemos dizer, desde logo, que o fracasso como identidade, que mina a firmeza e alenta a dúvida, nem sequer deveria ser cogitado e, sendo inevitável, não deveria ser considerado como um fator da experiência adquirida por contraste. Também, e não menos importante, diremos que o melhor a fazer é tratar de aceitar esses momentos como uma oportunidade em que uma e outra vez nos sentimos obrigados a refletir sobre nossas deficiências e que nos obriga a corrigir-nos: o fracasso atrai necessariamente a preocupação que é capaz de voltar a canalizar a verdadeira vontade e determinação de um individuo. Um tipo de preocupação vigilante, de certo “pessimismo defensivo”, que todos necessitamos para afrontar os problemas reais com que nos enfrentamos, para reconhecer nossas próprias limitações, para superar nossas dificuldades e as más experiências, assim como para continuar a lutar contra os obstáculos que nós mesmos criamos e outros que nos coloca a própria vida.
Todos sabemos que a vida tem seus altibaixos, que após a festa vem o descanso. Mas, segundo o (sufocante) otimismo dominante, como o poder da mente não tem limites, como podemos controlar o que pensamos e o que concebemos como verdadeiro se converte em verdade, parece que só os bons momentos têm direito a existir. O problema é que, embora sendo razoável aceitar esse tipo de idéia no que se refere exclusivamente com a “esfera interna de nossas mentes”, a nossos estados mentais, não podemos escolher evitar todo fracasso ou sofrimento. De fato, dado que todas as precauções que podemos tomar sempre estão cheias de incertezas, mais vale preparar-se com uma plena serenidade para todo o que possa ocorrer e, na mesma medida, obter algum consolo de que não estamos seguros de que realmente ocorra (Montaigne). Não ver sempre o lado bom das coisas, não esperar produzir acontecimentos concretos com o poder de nossa mente ou não passar o dia controlando nossa atitude positiva e nossos pensamentos otimistas, não nos levará diretamente ao “lado escuro”; ao contrário, nos fará mais cautelosos, moderados e resistentes.
Com isso queremos dizer que a vontade e a determinação não surgem de admitir e ressaltar somente uma parte da vida, a parte agradável, exitosa e “positiva”. Também deve abarcar e assumir, com sensatez e equilíbrio, a outra parte, a parte desagradável e “negativa”, com que devemos aprender a conviver. Evidente que ninguém busca ou deseja essa outra parte, mas tão pouco pode ser excluída. No melhor dos casos, admitindo por princípio que esta outra parte da vida tem direito a existir, podemos aprender a moderar suas consequências, exercitar o pensamento, refinar nossas prioridades e praticar a arte de suportar e superar as adversidades.
Para isso, dependemos exclusivamente da postura mental que adotamos ante nossos fracassos e da serena assunção de que isso é precisamente o característico da vida através de todos seus fenômenos e imprevistos. Não se mostra, por acaso, a polaridade, o antagonismo, a contraposição, em todas as nossas experiências e em todas as coisas? A imagem que temos de nossas experiências pode ser “positiva”, mas o fato é que há coisas “negativas” que jamais desaparecem. A vida reclama sua polaridade de forma obstinada e vivê-la implica um incessante respirar entre os pólos do positivo e o negativo. Aceitar tanto os bons como os maus momentos, tomar ar novo com as coisas que nos fazem bem, precisamente ante uma dessas fases problemáticas em que as coisas se nos complicam e, por outro lado, encontrando-nos em uma boa fase da vida, estar preparados para esses outros tempos em que os obstáculos e as dificuldades nos surpreendem.
Em especial para quem decide passar pela experiência de fazer concursos, as dificuldades e os eventuais momentos de frustração são inevitáveis. E o indivíduo que não faz concurso por temor a não aprovar não falha menos que aquele que faz e não consegue aprovar. Assim que a melhor atitude (mental) parece ser a de cultivar uma vontade indomável de evitar sentir-se desbordados por uma situação difícil e intentar imaginar o problema desde ângulos distintos ou com diferentes escalas de significado. Um pequeno câmbio de atitude que nos ajudará a desenvolver mecanismos que eliminem nossa (vitoriana) tendência a sobrevalorar as faltas passadas, a minimizar nossas habilidades presentes e a exagerar os imprevisíveis obstáculos e dificuldades do futuro.
Este tipo de mentalidade não depende de casualidades favoráveis ou desfavoráveis, das oscilações pontuais entre o êxito e o fracasso, entre o entusiasmo e o desânimo. Pelo contrário, constitui o equilíbrio que se repete em toda polaridade da vida, não precisamente naqueles momentos em que não conseguimos o que desejamos, senão ao longo de todo o tempo dedicado a alcançar nossas metas. Não somente os logros, também as frustrações; não somente o êxito, também o fracasso; não somente o prazer, também o sofrimento; não somente estar alegre, também estar triste; não somente estar satisfeito, também estar insatisfeito (W. Schmid). Não somente dias plenos, senão também dias vazios, pois todos esses “trezentos” dias que percebemos como vazios, cansativos e frustrantes se justificarão totalmente com um único dia em que conseguimos alcançar nossos objetivos e realizar nossos sonhos.
Uma postura mental, enfim, que dá tanta importância à alegria como à tristeza, que conhece muito bem as oscilações da balança para um ou outro lado, o sereno sossego da consciência de que em tudo o que existe há também outra possibilidade; de que os bons momentos se alternam com os maus como o dia e a noite, como inspirar e expirar; de que esse é o ritmo da vida que desde a polaridade e a incerteza estende sua tensão a todas as coisas. Que se nossa realidade “depende del cristal con que se mira” (P. Zimbardo), aquilo em que concentramos nossa atenção e vontade não é qualquer coisa sem sentido e tem sua importância: somos aquilo que nos interessa.
Daí a primazia que os estóicos atribuíam à vontade e sustentavam que nada nem ninguém podem fazer nada contra ela. Porque, diziam, há uma só coisa no mundo que depende de nós e só exclusivamente de nós: nossa vontade. A maneira como interpretamos e afrontamos nossas dificuldades, fracassos, frustrações e expectativas é apenas uma questão de disposição; isso é o único que importa. E embora a atenção seja o recurso mais escasso da mente, é o único meio de que dispomos para fortalecer nossa vontade. Estar atento significa simplesmente ter o controle voluntário sobre nossa atenção: poder colocá-la onde se deseja e deixá-la ali fixa, até que nos decidimos dedicá-la a outra coisa.
A atenção voluntária é a única atividade que nos permite reprimir impulsos negativos sem esperar recompensas imediatas. Quando a atenção está fixa, também o está nossa mente: não se encontra distraída nem sequestrada por qualquer coisa que lhe chegue à consciência, senão estável, assentada e imperturbável. A vontade produz a atenção, e a atenção está relacionada com a plasticidade cerebral. Quando nos concentramos em nossos objetivos, é a atenção que nos permite alterar literalmente a mente e o cérebro em relação com nossa motivação. E ainda que diferentes o perfil pessoal relacionado com a capacidade voluntária de atenção, empenhar-se em desenvolver um maior controle sobre a atenção quiçá seja a maneira mais poderosa de adquirir um autêntico autocontrole sobre nossas emoções, em especial naquelas situações desagradáveis em que nos sentimos particularmente desmotivados.
Essa capacidade de seguir adiante, de superar-se em circunstâncias adversas e com a firme convicção de que se pode conseguir a maior parte do que desejamos, depende unicamente de encontramos o modo correto de fazê-lo. Sempre haverá uma forma correta e uma forma equivocada de controlar, dirigir e concentrar nossa vontade para esforçar-nos por conseguir o que desejamos. Convencer-nos de que não somos capazes, renunciar à esperança e à determinação, e a não esforçar-nos por um futuro melhor (ou inclusive diferente) é, sem dúvida, a equivocada; ter grandes expectativas, resistir e comportar-se com determinação diante dos retos da vida é a correta. Um tipo de hábito que se pode cultivar, uma prática que não aceita um não por resposta, uma prática que persevera e que sabe que o cérebro se adapta física, cognitiva e emocionalmente a qualquer exigência que seu proprietário lhe imponha. Somos, definitivamente, produto de nossos pensamentos: o ser humano é aquilo que pensa e o que pensamos sobre nós define quem fomos, quem somos e quem seremos.
Ante o excesso de tristeza e de desânimo que sentimos diante de nossos fracassos, devemos intentar fazer-nos bem a nós mesmos em todo momento. Por uma boa razão Voltaire fazia dizer, a modo de conclusão, a seu herói Candide , perdido pelo mundo: “Devemos cultivar nosso jardim”. A parte tormentosa e autodestrutiva de nossas frustrações e melancolia se atenuam quando o indivíduo se esforça por admitir que a infelicidade também é parte essencial da felicidade e reforça sua duração e importância. Esta é a classe de pessoas que saltam da cama pelas manhãs e estão prontos para abraçar o mundo. Não é um tipo de otimismo ingênuo, passivo, relaxado e ilusório. É uma atitude pró-ativa, comprometida e que reconhece que não há outro fracasso que aquele que subjuga nosso ânimo.
O mérito e a valia de uma pessoa radicam no ânimo e na vontade; daí é donde provém sua verdadeira virtude. O esforço é a firmeza não somente de estudos e preparação constantes, senão também, e principalmente, do ânimo e do espírito; não consiste no valor de nossos professores, nem de nossos livros, senão em nossa própria valia e férrea disposição. Quem cai obstinado no seu esforço, quem não rebaixa nem sequer um ápice, nem com pensamentos nem com atitudes, sua vontade, confiança e determinação por nenhuma eventual “não aprovação”; quem, ao dominar a vontade, ao resistir, segue mirando a seu objetivo com uma mirada firme, entusiasmada e desdenhosa, é derrotado não por si mesmo senão pela fortuna. Enfim, aquele que, com uma grandeza de ânimo invencível, “se cai, luta de joelhos” (Sêneca).
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