Cilaine de Oliveira Guilherme BARROS
[1]
Ruy de Jesus Marçal CARNEIRO
[2]
RESUMO
O direito à saúde, reconhecido expressamente como um direito fundamental na Declaração Universal dos Direitos Humanos, em 1948, busca ainda hoje sua efetivação, principalmente por meio de ações positivas do Estado. A ineficácia deste direito afronta dispositivos constitucionais, tais como os fundamentos e os objetivos, princípios estruturais de nossa República. O presente artigo enfoca a necessidade da materialização do direito à saúde, como um dos pressupostos para o desenvolvimento social e o progresso da humanidade, operando transformações indispensáveis que aproximam o homem e o Direito. Utilizam-se como embasamento os Princípios Fundamentais, previstos no Título I da Constituição Federal de 1988, bem como o Título VIII do mesmo documento – DA ORDEM SOCIAL -, além de Pactos Internacionais ratificados pelo Estado brasileiro.
Palavras-chave: direito à saúde, Estado, reflexos sociais.
ABSTRACT
The Rights to Health, clearly recognized in 1948 as a basic right at Human Rights Universal Declaration still searches its effectiveness, mainly pursued by positive actions from the State. The ineffectiveness of that right insults constitutional provisions, such as basis and purposes, which are structure principles of our Republic. This article herein focuses on the need of a materialization of the rights to health, as one of the presupposes to the social development, and the improvement on the mankind as well, bringing about indispensible changes that make the human being and the Rights be near. It is supported by the Basic Principles, predicted on Title I and Title VIII of the Federal Constitution, from the document – SOCIAL ORDER -, in addition International Agreements ratified by the Brazilian State.
Key-Words: Health Rights, State, Social Consequences
1. Introdução
O direito à saúde é sem dúvida alguma, um daqueles direitos que parecem interessar muito mais à área médica do que propriamente à jurídica. E não é de se admirar que seja assim. Abordada a questão da saúde, é no âmbito médico que se verificam de maneira mais expressiva, os resultados concretos da transformação pela qual passa a mesma, e conseqüentemente, a sua prestação no Estado brasileiro.
Ocorre que, quando a saúde está em debate, verifica-se uma tendência natural à associação desta com o atendimento médico dispensado aos pacientes, e o resultado satisfatório ou não decorrente deste atendimento.
É indiscutível que o bom atendimento e o preparo profissional daquele que cuida diretamente do paciente, façam parte do macromundo da saúde, mas estes, são apenas fragmentos de um universo que possui outros e mais complexos componentes.
O conceito de saúde não se restringe ao bom ou efetivo atendimento médico, apesar de ser este, sem dúvida, o viés popular da discussão, mas também na disponibilidade de medicamentos para tratamentos, no acompanhamento médico adequado, no acesso às terapias em geral, nas medidas preventivas que possam ser implementadas para a promoção da saúde, e em especial, na identificação do papel estatal para a efetivação desse direito.
A saúde de que se fala não se resume apenas à ausência de doença, mas a uma gama de fatores que devem ser observados conjuntamente, sob pena de em algum momento do processo de avaliação, se furtar a aspectos relevantes que possam comprometer todo o contexto.
Assim, buscando uma abordagem da questão da saúde, entendida não apenas como a terapia curativa, é que se objetiva aqui, uma análise um pouco mais ampla, tomando como ponto de partida a previsão do direito à saúde, foco central do tema proposto.
Analisando-se aqui os aspectos inerentes à saúde, desde sua abstração como direito social previsto constitucionalmente, até sua efetiva prestação e resultados, o que se propõe é uma análise especialmente jurídica deste direito, cuja inobservância afeta diretamente outros direitos fundamentais, provocando o descrédito nas estruturas estatais, e o conseqüente enfraquecimento da Democracia que legitima tais estruturas.
2. A saúde entendida como direito fundamental
É inquestionável que em se tratando de direitos fundamentais, dentre todos eles, o direito à vida assume papel de destaque, ganhando a importância de um direito primordial, porque os demais, dele necessariamente dependerão.
O direito à vida não se restringe ao fato de “estar vivo”, mas trata-se de um complexo organizacional que vai desde o efetivo funcionamento do organismo humano até a qualidade do ambiente em que essa vida se desenvolve.
É justamente deste contexto que deriva o direito à saúde, condição indispensável ao indivíduo para que possa manter-se vivo. Sem saúde o ser humano perde a força que o impulsiona e estimula, e ainda que se enquadre na condição de ser vivo, sem o bem-estar que a saúde proporciona, sente-se como se não fosse.
A ausência de saúde provoca nos indivíduos em geral uma compreensível sensação de impotência, estreitamente relacionada ao sentimento de diminuição de sua importância e inutilidade no desenvolvimento social. Para o indivíduo, estar vivo não é o bastante se desta vida não se extraem as mínimas condições para produzir e realizar-se.
A impossibilidade de gozar plenamente dos direitos que a vida proporciona ao indivíduo, provoca neste um esvaziamento capaz de retirar da própria vida a importância que lhe é (ou pelo menos deveria ser) peculiar.
Isso faz provar que o direito à saúde gira em torno do próprio direito à vida, sendo parte integrante deste último, um meio indispensável para que o primeiro efetive-se totalmente e atinja o alcance material da amplitude de seu contexto.
3. Desenvolvimento histórico do direito à saúde
Apesar de integrar os mais fundamentais dos direitos inerentes ao homem, a saúde jamais recebeu do Estado brasileiro o reconhecimento a que faz jus. E isso é facilmente verificado pelo próprio desenvolvimento histórico do País e suas conseqüentes adequações normativas.
No aspecto mundial, foi por meio da Declaração Universal dos Direitos Humanos, datada de 1948, que o direito à saúde passou a receber novos contornos e a despertar a necessidade de um tratamento diferenciado. Nascia então o reconhecimento de que tal direito, posto estrategicamente em uma tábua de valores, ocupava uma posição de superioridade quando comparado aos demais.
A Declaração em questão serviu como uma recomendação aos membros da Assembléia Geral das Nações Unidas, em razão das barbáries ocorridas durante a Segunda Guerra Mundial, o que trazia a necessidade de se implementar o lema da Revolução Francesa, reconhecendo-se a supremacia de valores como a liberdade, a igualdade e a fraternidade.
Como já mencionado, apesar de indiscutível a importância do documento supracitado, o mesmo não era provido de uma força vinculante, apresentando-se apenas como uma recomendação, trazendo no bojo de seu texto a discriminação de etapas que deveriam ser aos poucos realizadas, todas no sentido de alcançar a efetivação de direitos de extremo valor.
Assim, após a elaboração da Declaração Universal dos Direitos Humanos, já em data de 1966, sobrevieram dois Pactos Internacionais, que tinham por objetivo primordial dar àquela Declaração uma força vinculante, produzindo assim, documentos mais fortes, inauguradores de uma segunda etapa evolutiva, donde se procurava, ainda que lentamente, dispensar aos direitos fundamentais o tratamento equivalente à sua importância.
Surgiam então, o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos e o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. O primeiro direcionava seu foco em especial à liberdade individual e à dignidade da pessoa humana, que não passariam de uma ilusão se não pudesse controlar a intervenção constante e abusiva do Estado. Neste Pacto, a preocupação recai sobre a intervenção do Estado, verificando-se a necessidade da inversão desta circunstância, uma vez que essa influência maculava a fruição de liberdades civis.
O segundo Pacto, por sua vez, relativo aos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, desenvolveu-se sobre novos contornos, trazendo à evidência, um mal resultante não da interferência estatal, como no Pacto anterior, mas sim da omissão do Estado que se furtava ao dever de coibir todos os tipos de abusos econômicos e promover, assim, a proteção dos indivíduos frente aos excessos do próprio poder privado atuante na Economia. Neste último Pacto, a atenção recaiu sobre direitos que não eram individuais, mas atinentes a grupos desfavorecidos, tais como educação, habitação e saúde, dentre outros.
É no Pacto dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, que se observa a imprescindibilidade de ações positivas do Estado, manifestas por meio da implementação de programas e políticas públicas que permitam engendrar ações no sentido da realização material de tais direitos.
4. O direito à saúde na Constituição de 1988 e as normas infraconstitucionais
Sob o prisma nacional, o direito à saúde só recebeu maior atenção com o advento da Constituição de 1988, que, em seu Título VIII – DA ORDEM SOCIAL -, assim dispôs:
Art.196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.
Das Constituições e Cartas anteriores à Constituição de 1988, apenas a Carta de 1937 fazia referência ao direito à saúde, porém sem imprimir ao mesmo toda a sua grandeza. Talvez por causa da ditadura militar, apesar da expressa previsão constitucional, esse direito ainda não tivesse encontrado sua aplicação, com a efetiva prestação à sociedade.
A ratificação do Pacto dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, anteriormente mencionado, só aconteceria depois de decorridos quatro anos da promulgação da atual Constituição, já em 1992.
Disso tudo é possível extrair que a saúde, ao longo da história, conquistava muito lentamente seu reconhecimento, e apesar de fazer parte dos direitos considerados fundamentais, não conseguia revestir-se de uma força capaz de operar seu “deslocamento” do plano abstrato para o concreto.
A partir daí, passou-se à produção de normas infraconstitucionais, que tinham o condão de aproximar a população da efetivação do direito à saúde, proporcionando uma materialização deste último.
O que não se pode negar, entretanto, é que as políticas públicas relacionadas à saúde tanto física quanto mental, bem como as de assistência e previdência social, instituídas por meio de normas infraconstitucionais, foram desastrosas, e que as ações governamentais relacionadas a esta área ainda deixam muito a desejar, exteriorizando-se por meio de tentativas, que não raras vezes, resultam em fracassos absolutos.
Essas sucessivas tentativas fracassadas de efetivação do direito à saúde, terminam por enfraquecer a própria Constituição, posto que entendida como fundamento de validade para as normas infraconstitucionais, se não consegue a materialização de seus dispositivos, acaba como bem descrevia Ferdinand Lasssale, sendo apenas “tinta sobre papel”.
A saúde é direito que exige do Estado ações positivas que realizem sua concretização, sob pena de afetar direta e especialmente um dos fundamentos constitucionais, que é a dignidade da pessoa humana, previsto já no primeiro artigo do Texto Maior.
Art.1° A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
[…]
III – a dignidade da pessoa humana;
A Constituição brasileira atual delineou com exatidão o papel ao qual se propunha, mas a elaboração do referido Texto perde sua força ao deparar-se com a distorção ou até mesmo a ausência de sua aplicação. Esta, a importância de visualizar as figuras do jurista e do Poder Judiciário sob um novo prisma, numa conjugação de esforços que impulsionem o progresso desta Nação.
Sob esta ótica, providencial a manifestação do Professor Lênio Streck[3], ao enfatizar que:
É por demais evidente que se pode caracterizar a Constituição brasileira de 1988 como uma “Constituição social, dirigente e compromissária”, alinhando-se com as Constituições européias do pós-guerra. O problema é que, como alerta Guerra Filho, a simples elaboração de um texto constitucional, por melhor que seja, não é suficiente para que o ideário que o inspirou se introduza efetivamente nas estruturas sociais, passando a reger com preponderância o relacionamento político de seus integrantes. Daí que a eficácia das normas constitucionais
exige um redimensionamento do papel do jurista e do Poder Judiciário[4] (em especial da Justiça Constitucional) nesse complexo jogo de forças, na medida em que se coloca o seguinte paradoxo:
uma Constituição rica em direitos (individuais, coletivos e sociais) e uma prática jurídico-judiciária que, reiteradamente, (só)nega a aplicação de tais direitos.[5]
Sendo a Constituição brasileira, pois, uma Constituição social, dirigente e compromissária –conforme o conceito que a doutrina constitucional contemporânea cunhou e que já faz parte da tradição -, é absolutamente lógico afirmar que o seu conteúdo está voltado/dirigido para o resgate das promessas da modernidade. Daí que o Direito, enquanto legado da modernidade – até porque temos (formalmente) uma Constituição democrática – deve ser visto, hoje,
como um campo necessário de luta para a implantação das promessas modernas (igualdade, justiça social, respeito aos direitos fundamentais, etc.)[6]
Indiscutível que a precariedade na promoção, proteção e também na recuperação da saúde, afete diretamente a dignidade da pessoa humana. Não há que se falar em dignidade quando o indivíduo não desfruta da proteção do direito que serve de origem para a decorrência de tantos outros.
A afetação à saúde, proveniente da conturbada ação estatal, ou não raras vezes de sua omissão, não permite que a dignidade de nenhum indivíduo permaneça intocável, ao contrário, compromete-a violentamente, criando um obstáculo ao desenvolvimento regular do ser humano, deflagrando um processo de descaso e estagnação social que retira da Constituição seu status superior, resultado de um poder legítimo que encontra origem junto ao povo.
5. Obstáculos à materialização da saúde e seus reflexos sociais
Em que pese existir previsão constitucional e infraconstitucional do direito à saúde, a materialização deste não é tarefa das mais fáceis, muito pelo contrário, envolve inúmeros obstáculos que se revezam nas esferas jurídica, econômica, social, cultural, entre outras.
Aplicar concretamente o que até então se resume em abstração legal, exige uma conjugação de fatores que vai além da boa vontade, que em muitos casos acaba “soterrada” pela burocracia, ineficiência e incompetência do poder público.
Foi essa também a observação de Ingo Wolfgang Sarlet, que em seu artigo “Algumas Considerações em torno do conteúdo, eficácia e efetividade do direito à saúde na Constituição de 1988”, apontou como primeiro problema a ser pontuado, relativamente às ações positivas do Estado, a indefinição constitucional sobre o objeto do direito à saúde.
A incerteza sobre a dimensão do direito protegido deixava em dúvida se sua aplicação restringia-se às prestações básicas de saúde, ou ao fornecimento, por exemplo, de aparelhos e atendimento médico.
No entender do referido autor, a tarefa de definir a abrangência do direito à saúde ficaria a critério do legislador, que em níveis federal, estadual, distrital e municipal, se incumbiria dessa especificação, restando por fim, ao Poder Judiciário, uma análise detida de cada caso concretamente e a interpretação tanto da Constituição quanto das normas infraconstitucionais. E sobre a possibilidade do Poder Judiciário atender ou não a demandas que cobram uma ação positiva na prestação da saúde, assim posicionou-se:
Embora tenhamos que reconhecer a existência destes limites fáticos (reserva do possível) e jurídicos (reserva parlamentar em matéria orçamentária) implica certa relativização no âmbito da eficácia e efetividade dos direitos sociais prestacionais, que, de resto, acabam conflitando entre si, quando se considera que os recursos públicos deverão ser distribuídos para atendimento de todos os direitos fundamentais sociais básicos, sustentamos o entendimento, que aqui vai apresentado de modo resumido, no sentido de que sempre onde nos encontramos diante de prestações de cunho emergencial, cujo indeferimento acarretaria o comprometimento irreversível ou mesmo o sacrifício de outros bens essenciais, notadamente – em se cuidando da saúde – da própria vida, integridade física e dignidade da pessoa humana, haveremos de reconhecer um direito subjetivo do particular à prestação reclamada em Juízo. Tal argumento cresce em relevância em se tendo em conta que a nossa ordem constitucional (acertadamente, diga-se de passagem) veda expressamente a pena de morte, a tortura e a imposição de penas desumanas e degradantes mesmo aos condenados por crime hediondo, razão pela qual não se poderá sustentar – pena de ofensa aos mais elementares requisitos da razoabilidade e do próprio senso de justiça – que, com base numa alegada (e mesmo comprovada) insuficiência de recursos, se acabe virtualmente condenando à morte a pessoa cujo único crime foi o de ser vítima de um dano à saúde e não ter condições de arcar com o custo do tratamento.
[7]
A saúde é um direito que sem dúvida alguma necessita da disponibilização de meios materiais, sob pena de cingir-se à abstração, que não opera as transformações que a sociedade tanto almeja. Isto é, essa inércia causada pela impossibilidade material chega sim a transformar o meio social, porém não no sentido de progresso, ao contrário, piorando o convívio entre as pessoas, a qualidade dos relacionamentos e implantando o descrédito no Poder Público.
Essa escassez de recursos deu ensejo à obra de Gustavo Amaral “Direito, Escassez & Escolha”, onde acentua que:
[…] a escassez é inerente aos recursos necessários à satisfação das necessidades públicas, em especial quanto à saúde, onde além de escassez de recursos financeiros, há carência de recursos não monetários, como órgãos, pessoal especializado e equipamentos, que são escassos em comparação com as necessidades.
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Depreende-se disso, que a limitação de recursos é a “espinha dorsal” da efetivação da saúde, isso porque no Brasil, a sociedade acostumou-se às medidas curativas, sem um trabalho que conjugasse esforços no sentido de implantar medidas preventivas, o que certamente traria transformações sociais positivas, evidenciadas por um aumento na qualidade de vida dos indivíduos e a conseqüente satisfação individual.
6. Conclusão
Dentre as diversas funções do Direito, a de organizar a sociedade com a conseqüente pacificação social, certamente é a mais compreendida e desejada pelos indivíduos em geral. Daí porque a necessidade constante de se estabelecer uma adequação das previsões normativas com as condutas humanas.
A sociedade se desenvolve com velocidade assustadora, exigindo que o Direito também se modifique, a fim de atingir as finalidades a que se propõe.
Para tanto, o Estado se organiza como Estado de Direito, inaugura o ordenamento jurídico com a Constituição e imprime nesta uma força tal que reflete sobre a sociedade seu status de supremacia, deflagrando uma estrutura hierárquica onde todas as demais normas infraconstitucionais encontram nela (Constituição) seu fundamento de validade.
Essa é, porém, uma visão positivista, que não se demonstra suficiente aos indivíduos, que esperam das regras impostas pelo Estado não apenas sua existência, mas a produção de seus efeitos, materializando as previsões e transformando o dever-ser em ser.
Diante desta verificação, o sentido jurídico de Constituição abre espaço ao sentido sociológico, por meio do qual Lassale defendeu a necessidade da Lei Maior ser reflexo dos chamados “fatores reais de poder”.
Assim, no pensar deste autor, nenhum valor ou força se extrairia de uma Constituição que não refletisse a realidade em que se vivia.
Este conceito e pensamento sociológico permanece atual, em especial quando os direitos analisados são aqueles considerados fundamentais, cuja afetação é muito mais danosa e cuja inobservância, fere mais agressivamente o homem.
O direito à saúde é direito fundamental que necessita por assim dizer, “sair do papel”, encontrar efetivação junto à sociedade, sob pena de, em não ocorrendo isso, retirar do Texto Constitucional, a força do poder que a legitima.
Não se pode conceber que o ser humano viva desamparado em seu direito à saúde, posto que diante dessa ocorrência, os comprometimentos a outros direitos também fundamentais, talvez lhe causem danos tão imensos, que impossibilitem seu restabelecimento ao “status quo ante”.
O que se deve buscar é a aplicabilidade das normas constitucionais e a conseqüente produção de seus efeitos, valorizando a dignidade da pessoa humana, expresso fundamento da República. Agindo assim, efetivam-se também os objetivos traçados no Art.3° da Constituição brasileira, especialmente na construção de uma sociedade livre, justa e solidária e na promoção do bem de todos.
A importância do direito à saúde, como bem se viu, não é restrita ao âmbito nacional, ao contrário, foi antes reconhecido em outros países, dando ensejo à previsão expressa na Constituição de 1988, e após o reconhecimento internacional, com a ratificação do Pacto de Direitos Civis e Políticos e do Pacto dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais pelo Brasil, esta ocorrida em 1966.
Ao Estado cabe o dever de materializar o direito em epígrafe e de garantir sua promoção, proteção e recuperação, conforme dispõe o Art.196 da Constituição Federal, isso por meio de políticas que possibilitem tal realização e fomentem o desenvolvimento em direção ao progresso.
Cuida-se também, da atenção que se deve dirigir ao Poder Legislativo, a quem cabe a regulamentação dos dispositivos do Texto Maior, tal como se verifica no Art.200 deste, com a responsabilidade de definir esmiuçadamente, as atribuições do Sistema Único de Saúde. Ao Poder Judiciário, por sua vez, no dizer de Lênio Sttreck, “ o resagate das promessas da modernidade”.
A fundamentalidade do direito à saúde deve ser entendida como um obstáculo à inércia ou omissão do Estado, vez que essa afronta ao indivíduo vai muito além de mera contrariedade jurídica, maculando valores subjetivos deste, que tem desconsiderada sua dignidade, reduzindo-se por conseguinte, sua própria condição humana.
O Estado não pode furtar-se ao dever de efetivar os direitos constitucionalmente previstos, pois assim agindo, afeta diretamente a Constituição Federal, enfraquece suas estruturas, e põe em risco a liberdade advinda da Democracia, conquistada por meio de lutas e cuja desvalorização, agora, seria a imagem do exato retrocesso.
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[1] Mestranda em Direito, Empreendimentos Econômicos, Desenvolvimento e Mudança Social pela Universidade de Marília –UNIMAR-, Especialista em Direito Penal e Direito Processual Penal pela Universidade Católica Dom Bosco – UCDB -Campo Grande/MS e Professora de Direito Constitucional pela Universidade para o Desenvolvimento do Estado e da Região do Pantanal – UNIDERP- Campo Grande/MS.
[2] Mestre e Doutor em Direito do Estado, subárea de Direito Constitucional pela PUC/SP e Professor do Programa Mestrado em Direito da Universidade de Marília – UNIMAR – Marília/SP.
[3] STRECK, Lênio Luiz.
Jurisdição Constitucional e Hermenêutica. Uma Nova Crítica do Direito. 2.ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2004. p.15
[7] SARLET, Ingo Wolfgang. Algumas considerações em torno do conteúdo, eficácia e efetividade do direito à saúde na Constituição de 1988
. Interesse Público, Porto Alegre, v.12, p.91-107, 2001.
[8] AMARAL, Gustavo.
Direito, Escassez e Escolha. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p.172
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