Agora que os empregados domésticos estão na moda, praticamente equiparados aos demais empregados urbanos, convém prestar mais atenção ao mundo do direito. Não, não se preocupem. Não vou tratar aqui de horas extras, fundo de garantia, de quem dorme no emprego ou se você vai poder deduzir tudo isso do imposto de renda. A lei cuidará disso e os juízes do trabalho ganham para isso. Não perca o seu sono. O mercado se regula. Também não vou falar da crise do desemprego e se você vai ter de dispensar a sua empregada e contratar uma diarista. Na prática, o mercado vai ficar exatamente como está e todas aquelas pessoas que deixaram as “casas de família” para se empregar em supermercados, lava-rápidos, shopping centers e estações rodoviárias, atraídas pela maior quantidade de benefícios legais, vão retornar, aos poucos, às velhas e antigas casas de família, onde o serviço é bem mais fácil e sem o rigor de uma empresa.
Quero falar de algo mais sério: a sua casinha, construída tijolinho por tijolinho ao longo de toda uma vida, e que pode, de uma hora para outra, ser penhorada por sua empregada doméstica numa ação trabalhista.
Não pense que essa novidade terrível veio com a “PEC dos domésticos”. Não veio. Já estava na Lei nº 8.009, desde 1990, mas o seu advogado não lhe disse isso. Se eu fosse você, a primeira coisa que eu faria depois de ler este artigo seria procurar outro advogado. Mas também não quero falar disso agora. Volto à sua casinha de estimação.
A Lei nº 8.009/90 proíbe a penhora do “bem de família”. Bem de família é o imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar e, por extensão, o imóvel sobre o qual se assentam a construção, as plantações, as benfeitorias de qualquer natureza e todos os equipamentos, inclusive os de uso profissional, ou móveis quitados que guarneçam a casa (L.nº 8.009/90, art.1º, parágrafo único).
Todos esses bens são impenhoráveis, exceto se a execução for movida por:
empregado doméstico (L. nº 8.009/90, art.3º,I);
para cobrança de contribuições previdenciárias (art.3º,I);
pelo titular de crédito decorrente do financiamento destinado à construção ou à aquisição do imóvel, no limite dos créditos e acréscimos constituídos em função do respectivo contrato (art.3º,II);
pelo credor de pensão alimentícia (art.3º,III);
para cobrança de impostos, predial ou territorial, taxas e contribuições devidas em função do imóvel familiar (art. 3º IV);
para execução de hipoteca sobre o imóvel oferecido como garantia real pelo casal ou pela entidade familiar (art.3º,V);
por ter sido adquirido com produto de crime ou para execução de sentença penal condenatória a ressarcimento, indenização ou perdimento de bens (art.3º,VI); ou
por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação (art.3º, VII, com redação da L.nº 8.245/91).
A lei permite, expressamente (art.2º), a penhora dos veículos de transporte, das obras de arte e dos adornos suntuosos, e considera residência um único imóvel utilizado pelo casal ou pela entidade familiar para morada permanente (art.5º).Há duas classes de bem de família: o bem de família obrigatório e o bem de família facultativo. O bem de família facultativo ou voluntário) é instituído por vontade do proprietário, que destaca, dentre os seus imóveis, aquele que servirá de morada permanente. Essa instituição depende de inscrição no registro imobiliário.
O bem de família de que fala a L.nº 8.009/90 é o obrigatório. Sua instituição não depende da vontade do proprietário pois decorre, antecipadamente, da própria lei.
Não perde a qualidade de bem de família aquele imóvel que o executado aluga a terceiros para prover o seu sustento, ou o dos seus, com o produto da locação, passando o devedor, em consequência, a residir em imóvel locado. Mas cabe a ele, executado, provar que o produto da locação é destinado, exclusivamente, ao suprimento das necessidades básicas de sua família, mas casa de campo, praia ou montanha não gozam da proteção da lei.
Se, em relação ao imóvel residencial, decidir quando há e quando não há bem de família é questão relativamente simples, em relação aos móveis que guarnecem a casa não há consenso na jurisprudência. Em regra, admite-se a penhora de móveis e utensílios domésticos desde que não acarrete empobrecimento indevido da família, a ponto de levá-la à indignidade. Esses critérios, por si, são extremamente subjetivos, pois os contornos dos conceitos de “empobrecimento indevido” e “indignidade” vivem no íntimo de cada juiz. O que se aceita de forma razoavelmente pacífica é que a impenhorabilidade de que fala a L.nº 8.009/90 só se refere a um único bem de cada classe. Assim, se a penhora recai em dois ou mais aparelhos de ar condicionado, duas ou mais linhas telefônicas, dois ou mais televisores, apenas um bem de cada classe é impenhorável, pois os demais, ainda que necessários ou úteis ao conforto da família, podem ser retirados sem que haja empobrecimento indevido do devedor ou sem que se imponha à família uma indigna condição de vida. São impenhoráveis, em regra, uma linha telefônica, a cama do casal, o sofá, a mesa de jantar, um aparelho de televisão, a geladeira, o fogão. Utensílios como freezer, máquinas de lavar louças e roupas, fornos de micro-ondas, aparelhos de som e de videocassete são, em regra, penhoráveis.
Em vez de ficar preocupada com horas extras, fundo de garantia, 13º salário, a dona de casa deveria preocupar-se com a própria casa, pois é grande o risco de voltar de férias e ter de trabalhar de doméstica para a própria empregada, agora dona da sua doce casinha. Se isso, por hipótese, viesse a ocorrer, a dona de casa certamente acharia muito justa a PEC dos domésticos e seus minguados direitos que, no frigir dos ovos, não mudam absolutamente nada!
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