Filho da mãe…
No século passado, se alguém falasse em “dupla maternidade”, “locação de útero” ou “direito homoafetivo” seria tratado como um esquizofrênico, bipolar, imoral ou qualquer palavra que deixasse claro o verdadeiro repúdio da sociedade.
Será que neste século as coisas mudaram?
Será que o preconceito foi substituído pela compreensão e pelo respeito?
Desculpem-me os que pensam e agem diferentemente, mas ainda vivemos em uma sociedade hipócrita, em que os discursos não condizem com as atitudes. É fácil. Basta uma simples pergunta: o que você faria se sua filha ou filho fosse homossexual?
Na maioria das vezes, a resposta diz tudo: aceitaria, mas ficaria penalizada pelas dificuldades e pelo sofrimento trazidos pela opção sexual diversa da convencional. Será que não gostariam de dizer que sofreriam e ficariam muito envergonhados perante os amigos, os vizinhos, os porteiros do prédio ou qualquer outro estranho?
A Justiça de São Paulo reconheceu a “dupla maternidade” requerida por duas mulheres, permitindo que figurassem como mães na certidão de nascimento de uma criança de três anos. Uma das mulheres é a mãe biológica que doou seu óvulo para a inseminação no útero de sua companheira. Na sentença, a juíza consignou que “o importante para a criança é que tenha figuras significativas que exerçam as funções parentais, independentemente de suas opções sexuais“. De acordo com reportagem da Folha de S.Paulo, esse é o terceiro caso de dupla maternidade reconhecido pela justiça brasileira.
Maria Berenice Dias anota que há muito se vem proclamando a “desbiologização da paternidade e da maternidade em prol do vínculo afetivo (…) não se trata apenas da hipótese de uma mulher gerar um filho por outra, a quem caberá atribuir a maternidade, pois no caso em apreço as duas mulheres pretendem ver reconhecida a maternidade da criança, que, assim, terá duas mães e nenhum pai, pois as mulheres, de comum acordo, tencionam influir sobre o registro de terceiros (as crianças), cuja certidão de nascimento e demais documentos de identidade invulgarmente conterão a designação de duas mães”.
A discussão é acirrada, pois, de um lado, uma mulher doa seu óvulo para ser implantado no útero de outra mulher, com quem se relaciona; do outro, a mulher que recebeu o óvulo vai gerar a criança, alimentá-la através de seu cordão umbilical e sofrer as “dores do parto”, amamentar… Fica a pergunta: Quem pode invocar o ditado “ser mãe é padecer no paraíso”?
Em fevereiro do ano passado, a 4ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro negou a duas mulheres a possibilidade de registrar o filho, em cartório, com o nome de ambas. Ficou vencido o desembargador Wagner Cinelli, que
É considerável o aumento de casos que buscam o Judiciário para solução de conflitos que envolvem a disputa pela maternidade na reprodução assistida em relações homossexuais. Como resolver a questão? A verdade é que ainda não estamos preparados para essas situações, embora tratemos com naturalidade o assunto e o Conselho Federal de Medicina já tenha publicado resolução com novas normas para reprodução assistida. O CFM entendeu que outras pessoas, independentemente do estado civil e da orientação sexual, poderiam se beneficiar da técnica.
É inegável o vínculo afetivo e o intuito de formação de uma família por casais homossexuais, mas entendo que antes de tudo o interesse do menor tem de prevalecer. A criança não pode servir de munição para atingir alvos desconhecidos, nem ser manipulada para dar conta da falência das relações.
De agora em diante, quando alguém “fechar” alguém no trânsito e ouvir o sujeito dizer, aos berros, “Preste mais atenção, filho da mãe!”, talvez o estressadinho nem esteja xingando ninguém. Talvez esteja apenas desatualizado em relação à jurisprudência do STF. Talvez fosse o caso de dizer “Preste mais atenção, filho das mães!”.
Nunca se sabe…
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