O ato de compreender e a obrigatória similaridade constitucional

INTRODUÇÃO
 
            A interpretação é parte da própria aplicação da lei, pois para que haja compreensão da situação fática a interpretação dos elementos do mundo da vida já estão em pleno conflito para o jurista.
            O ato de construir um sentido para a norma jurídica não pode descuidar dos valores contidos na Carta Democrática e o elemento de maior valor que deve ser considerado é que o sentido da norma é vinculado a construção de uma sociedade justa e à proteção da Dignidade, bem como sua realização.
            O respeito aos objetivos da República é elemento de validade do próprio processo, de outra forma não haveria qualquer consideração à busca por Dignidade e Justiça na Carta, assim, o processo penal é, antes de procedimentos, um instrumento de grau de verdade o qual não pode violar as próprias possibilidades de obtenção de tal grau de verdade já que os direitos individuais são a forma de sustentar um procedimento criminal regular e justo.
 
1 INTERPRETAÇÃO E A CONSTRUÇÃO DE SENTIDO
 
            Por claro, no sistema jurídico, a interpretação do magistrado, do defensor e do agente inquisitor a praticada é diversa, exatamente pela particularidade das funções.
            Todavia, ainda que a atividade seja diversa e que o objetivo seja, na prática outro, os aplicadores jurídicos não podem descuidar da Constituição.
            De frente com o pós-positivismo, com a Carta Constitucional e seus valores, com o panorama conjugado das nações, o intérprete deve atuar em conformidade com a verdade dos valores humanos aplicados à ciência jurídica.
            E esse interpretar deve ser o ato com o qual o juiz operador revela o sentido da norma no mundo jurídico. Esse ato é pautado com as anotações advindas da hermenêutica jurídica e tem seu desfecho com a aplicação da norma pelo julgador.
            É o momento em que à norma é atribuído sentido. Há criação de um sentido para a norma, pois deixa de ser apenas objeto de estudo interpretativo e recebe interpretações distintas em fases do processo.
            Revela-se o que está escondido, constrói-se o que está indefinido. A essa situação Barroso chama de “virada na interpretação” com a norma se tornando agente mais complexo do mundo jurídico e a interpretação consistindo em não revelar, mas sim construir um sentido para as regras e os princípios.
Anota-se:
“A grande virada na interpretação constitucional se deu a partir da difusão de uma constatação que, além de singela, sequer era original: não é verdadeira a crença de que as normas jurídicas em geral – e as normas constitucionais em particular – tragam sempre em si um sentido único, objetivo, válido para todas as situações sobre as quais incidem. E que, assim, caberia ao intérprete uma atividade de mera revelação do conteúdo pré-existente na norma, sem desempenhar qualquer papel criativo na sua concretização”. (2)
 
            E outro mestre trata de como essa construção deve ser feita sob ensinamentos da Carta Democrática:
“Por isso, todo ato interpretativo (portanto, aplicativo) é ato de jurisdição constitucional. Mesmo quando o problema parece estar resolvido mediante a aplicação da regra, deve o intérprete – e se trata de um dever constitucional – verificar se o princípio que subjaz à regra não aponta em outra direção (isso quando não se está diante de uma simples análise paramétrica, hipótese em que a regra afronta princípios ou preceitos constitucionais)”. (3)
 
            O enunciado é firme e coeso, o novo paradigma necessita tanto a criação de um sentido quanto da constitucionalização deste.
 
2 UNICIDADE JURÍDICA E OS MÉTODOS HERMENEUTICOS
 
            O jurista, entretanto, não pode se afastar de outra questão, qual seja, a importância de reconhecer a unicidade jurídica.
            Na Filosofia do Direito, a gnoseologia já se determinou por formas de conhecimento que abrangem os sistemas de conhecimento como um conjunto, o qual não deve ser vista separadamente. (4)
            A abordagem da unidade do conhecimento, especificamente do sistema jurídico, amplia as possibilidades na busca por aperfeiçoamento, pois parte da adequação constitucional como critério de validade abstrata e atinge mais uma vez tal pressuposto no plano concreto, quando da aplicação.
            Streck determina:
“Numa palavra, as condições de possibilidades para que o intérprete possa compreender um texto implicam (sempre e inexoravelmente) a existência de uma pré-compreensão (seus pré-juízos) acerca da totalidade (que a sua linguagem lhe possibilita) do sistema jurídico-político-social. Desse belvedere compreensivo, o intérprete formulará (inicialmente) seus juízos acerca do sentido do ordenamento (repita-se, o intérprete jamais interpreta em tiras, aos pedaços, como bem alerta Eros Grau). E sendo a Constituição o fundamento de validade de todo o sistema jurídico – e essa é a especificidade maior da ciência jurídica – , é de sua interpretação/aplicação (adequada ou não) que exsurgirá a sua (in)efetividade”. (5)
 
            A construção de sentido, então, passa pelo entendimento da unicidade jurídica. Os métodos interpretativos também devem atender a isso, sob pena de fugir da realidade jurídica.
            Aos métodos, anotações são necessárias.
            Há vertentes distintas capitaneadas pela classificação dos sujeitos, o legislativo interpreta nos limites do sentido para o qual criou a norma. Pela necessidade de ampliação e a dinâmica, aliada as mudanças de estruturas legais, essa modalidade, chamada autêntica, fica limitada.
            A vertente judicial é feita pelo judiciário e realizada por delegados, agentes policiais, defensores, agentes do Ministério Público e juízes e atividade é a aplicação da norma. A vertente doutrinária é feita por doutrinadores e jurisconsultos para o desenvolvimento de estudos e pareceres.
            Já os métodos interpretativos são as formas pelas quais estes sujeitos e qualquer outro envolvido.
            O método gramatical é fundamentado nas palavras, os conceitos definem as possibilidades e a restrição é forte. Tal abordagem é primária no estudo da norma, que deve, com efeito, ser complementada por outras que possam esclarecer a ratio legis ou a mens legis. Ao que se anota, os princípios, com sua abstratividade, devem passar por processo interpretativo efetivo. O gramatical contribui à construção de sentido, contudo, necessita documentos abertos de mais estudo, pois o sentido literal é limitado.
            Já o método histórico busca o ocasio legis no qual a lei foi criada. A aproximação é relacionada ao momento histórico da lei, a conjuntura, os conflitos, as tensões políticas e necessidades sociais. Uma lei tem determinado efeito e necessidade em um momento histórico, mas em outro essa situação é alterada. A ampla defesa tem, sem qualquer margem, maior relevância após a crise humana do regime militar.
            O sistema jurídico determina harmonia e, assim, uma norma não deve ser posta sobre outra, causando sua antinomia. Há lógica entre as normas, pautada pelo sistema adotado pelo ordenamento, no qual uma norma que não respeite uma norma superior a ela deve ser eliminada. Essa é a interpretação sistemática, na qual o intérprete deve buscar a lógica do sistema jurídico, atuando de forma harmônica.
            O atendimento as finalidades e objetivos socialmente aceitos são observados na interpretação teleológica. Em tal modalidade, a Constituição em seus dispositivos teleológico deve ser a matéria fundamental. Assim, construir sociedade livre e justa, garantir o desenvolvimento nacional, promover o bem de todos, erradicar a pobreza, também os preceitos fundamentais, devem ter tratamento interpretativo.
Em relação aos efeitos da interpretação sobre a norma, há o extensivo,o qual aumenta o alcance da norma, fazendo-a ter efeito sobre situações não previstas pelo legislador ou não indicadas por este no ocasio legis.
Já o efeito restritivo limita a aplicação da lei.
Com tais estudos, ao intérprete, portanto, cabe determinar-se pela Constituição para alcançar a razão da norma ao caso concreto e mesmo a melhor aplicação ao ordenamento, visto que o caso concreto influência no conjunto, ainda mais quando lesiva.
            Dessa forma, a ambiência jurídica deve ter um postulado do qual devem emanar qualquer ato interpretativo, qual seja, a unidade.
 
3 REQUISITOS DE VALIDADE INTERPRETATIVA
 
            Preceitua Horvath que ao jurista cabe observação os diversos sistemas de interpretação na busca de ter, diante de si, todo o sistema jurídico, para assim realizar Justiça. (6)
            Os elementos que devem, com efeito, direcionar o jurista são a constitucionalidade e os objetivos dispostos na Carta Democrática, ademais, cabe estudar por métodos que permite tal finalidade, como os métodos interpretativos com a contribuição da unidade do Ordenamento.
            Ao Processo Penal, de forma direta, cabe a construção de sentido e aplicação da norma, com substrato constitucional, pois tal vertente tem diante de si os bens jurídicos de maior relevância.
            A interpretação democrática é a que considera os elementos expostos no documento e nos valores que fundamentam a sociedade.
            Imperativa que haja assim a proteção e a busca pela sociedade justa e Dignidade.
            Novamente há, segundo o punitivismo, imprecisão no sentido de tais conceitos, contudo, o argumento cede.
            A sociedade justa apenas pode ser alcançada com o respeito a lei. Assim, os cidadão tem o dever de respeito aos dispositivos, da mesma forma, o Estado tem sua atuação vinculada ao que é exposto na regra e, por serem ontologicamente superior, aos princípios.
            Atinge-se a sociedade justa com o respeito do Estado aos valores que sustentam sua existência, de outra forma haveria permissividade para que, em mesmo direcionamento aos delitos, violação de lei, o Estado praticasse violação de princípios.
            Consoante a Dignidade, por evidente, a proteção do Estado a tal dever de tratamento, também valor, é um imperativo constitucional.
            Em razão da necessidade de respeito aos princípios, a Dignidade deve ser realizada em cada frente de atuação do Estado, em mesma linha, no processo.
 
4 PRINCÍPIOS PROCESSUAIS PENAIS E SEUS DESTINATÁRIOS
 
O processo busca justiça, como também busca a República, e esta, no pós-positivismo, alia-se a Constituição e as proteções sociais conquistadas, segundo concepção acertada de Rawls.
De forma mesma que a Constituição tem o dever de atingir os cidadãos com suas normas, o processo deve atingir os sujeitos que cometem ação típica e a sociedade.
            Os cidadãos, nesse quadro, são os maiores atingidos pelo Processo Penal e é dever da Constituição e do Estado sua proteção.
            Reside neste ponto debate sobre a aplicação das garantias humanas ao cidadão acusado e já condenado por crime ou infração penal típica.
            Em razão do estado crítico que se amolda a cada momento, há, em direções contrapostas, forças políticas, informativas e jurídicas, as quais fizeram tortuoso o sistema de nulidades.     O aumento dos delitos e da violência com que tais atos são cometidos ataca a paz social e fazem a sociedade sentir. Consiste, tal situação, em uma suposta necessidade de desrespeitar a característica humana e extirpar dos que cometem delitos seus direitos.         
Um fato, fixo entre tal abismo, é visto e mencionado pelo mestre Aury Lopes:
 
“o modelo de tolerância zero é cruel e desumano. Os socialmente etiquetados sempre foram os clientes preferenciais da polícia e, com o aval dos governantes, nunca se matou, prendeu e torturou tantos negros, pobres e latinos. A máquina estatal repressora é eficientíssima quando se trata de prender e arrebentar hiposuficientes.” (7)
 
            De outra face, há parcela buscando reforçar as garantias humanas para evitar crimes e proteger os cidadãos sujeitos a processo judicial de arbitrariedades, conferindo direitos. 
            Considerar a criminalidade e os fatos pertinentes é, de fato, dever, contudo, ainda de forma mais vultosa, necessário tratar dos direitos humanos antes de construir o terror.
            Os princípios penais são elementos de defesa aos arbítrios do Estado, da mesma forma que os preceitos processuais penais.
            Assim, deixar de verificar a aplicação de tais valores durante os processos é subverter a própria necessidade de construir uma sociedade de leis, haja vista o primeiro descumprimento de princípios feito pelo Estado.
            Outra frente trata da mídia, processos que devam buscar um grau de verdade segundo regras de proteção à Dignidade não se tornam eficazes sob o aspecto constitucional quando permitem um julgamento antecipado. A normatividade do preceito da Inocência é aniquilada pelo agente que permitiu a informação.
            Embora haja em tais processos ainda possibilidade de o Judiciário, nas diversas e posteriores fases processuais, respeitar o preceito da Inocência, o ataca à Carta já ocorreu e a lesão é formada e estabilizada.
           
 
CONCLUSÃO
 
            Embora a interpretação seja ampla e as possibilidades hermenêuticas garantam uma diversidade no estudo do direito e dos fatos relativos, necessário que haja obrigação do agente em buscar a realização do teor da Constituição Federal.
            Atuar contra a Carta é subverter não o método, contudo, de fato, há ataque a finalidade dos métodos.
 
 
Diego Prezzi Santos (1)
 
 
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
 
(1)      Acadêmico do 5º ano de direito na UEL – Londrina. O autor foi aluno e, também, monitor do projeto Teorias Críticas do Direito e projeto GIAII, atual membro do Projeto Prisão em Flagrante.
 
(2)     BARROSO, Luís Roberto. BARCELLOS, Ana Paula. O começo da história: a nova interpretação constitucional e o papel dos princípios no direito brasileiro.
(3)     STRECK, Lenio Luiz. A (primeira) aplicação do untermassaverbot pelo Supremo Tribunal Federal: Comentário ao Recurso Extraordinário n. 418.376, p. 1 e s. OBSERVATÓRIO DA JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL. Brasília: IDP, ano 2, outubro 2008. ISSN 1982-4564.
(4)     Gnoseologia é subsistema da filosofia do direito que observa o conhecimento.
(5)     Streck, op. cit., p. 3.
(6)     HORVARTH JÚNIOR, Miguel. Direito Previdenciário. 5 edição. São Paulo: Quartier Latin, 2005, p. 55.
(7)     LOPES, JUNIOR. Aury. Violência urbana e tolerância zero. Verdades e mentiras.

Diego Prezzi Santos

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