RESUMO
O presente trabalho tem como objetivo analisar o filme “O show de Truman: o show da vida” à luz dos estudos desenvolvidos por pesquisadores da Escola de Frankfurt, bem como de outros filósofos contemporâneos. Para isso, em um primeiro momento, expõe uma síntese do filme em questão e define o que se entende por modernidade. Por meio de revisão bibliográfica, medita sobre questões éticas, morais e sobre o papel do Direito na Sociedade Moderna. Nesse sentido, reflete sobre as mudanças trazidas pela complexidade social e sobre seus desdobramentos no sistema de crenças, hábitos e valores da população. Por fim, levanta a questão do respeito aos direitos individuais e a discussão sobre a racionalidade estratégica dos meios de comunicação, abordando a influência da mídia no comportamento humano.
Palavras-chave: Modernidade; Indústria Cultural; Ética; Moral; Direitos Individuais
ABSTRACT
This paper focuses on an analysis of the film The Truman Show based on the studies carried out by researchers of the Frankfurt School as well as other contemporary philosophers.Firstly the paper presents a summary of the film and defines the meaning of moden.Using a bibliographical revision, the paper reflects about ethical and moral matters,as well as the role of law in modern society.In this sense it shows the differences between the changes brought by the complex social problems and its consequences on faiths,habits and values of the population.Finally it raises the matter of respect with the human rights and individuals and the ongoing discussion about racionalizing the strategies of the means of communication in the human behaviour.
Key words: Modern, Cultural Industry, Ethics, Moral; Individual Rights
Introdução
A gênese do Estado Moderno ficou marcada pela queda do Feudalismo e o surgimento subsequente da Revolução Comercial. Dentro desse contexto, as mudanças forjadas levaram ao progresso gradual e ao desenvolvimento científico. Se antes a igreja se imiscuia nas questões de Estado, impondo seus valores dogmáticos por meio de uma legitimidade divina, a partir da laicidade advinda com a modernidade, nasce verdadeiramente a dialética entre Estado x indivíduo.
Assim, inicialmente prevaleceu a ideia de que a natureza humana – boa ou má – determinaria os rumos do Estado. E, por isso, Nicolau Maquiavel e Thomas Hobbes justificaram regimes totalitários, sob o argumento da necessidade de se coibir a maldade intrínseca dos seres humanos; enquanto John Locke defendeu as sociedades liberais. Este último pregava a imagem de o Homem ser bom por natureza, dependendo tão somente de um Estado mínimo apto a lhe proporcionar a garantia dos direitos individuais e o equilíbrio dos diferentes segmentos da sociedade.
Após 1750, iniciou-se o pensamento de que não importa se a natureza humana é boa ou má, refutando-se esse determinismo a partir do entendimento de que os valores erigidos em sociedade é que estabelecem o comportamento esperado pelo indivíduo. Jean-Jacques Rousseau, então, priorizou a educação; Immanuel Kant, o esclarecimento; Georg Wilhelm Friedrich Hegel, o desenvolvimento das Instituições; Karl Marx, a consciência da luta de classes; e Auguste Comte, o progresso e o desenvolvimento científico.
Mas foi a partir de 1900 que começou o período das sociedades complexas, com destaques para algumas de suas características, tais como o fortalecimento do Capitalismo Financeiro e a era das sociedades de massas – estas tendo por núcleo essencial a uniformização das relações, despersonalizando-as.
ADORNO e HORKHEIMER (1985), portanto, direcionam seus estudos pautados em uma teoria crítica da sociedade, criando a expressão “indústria cultural”. Para eles, o rádio, o cinema e a televisão haviam se transformado em um negócio que visava, basicamente, legitimar as atitudes daqueles que detêm o poder econômico. Isso porque a racionalidade e o esquematismo eram empregados para dominação.
Nessa perspectiva, diziam os autores que a “indústria cultural” se voltava a reproduzir a realidade como um modelo a ser seguido. A fantasia pretendia reproduzir o mundo da percepção cotidiana, adestrando o espectador para que ele se identificasse prontamente com aquilo que estava assistindo ou ouvindo.
A crítica foi feita em 1947, sob forte influência da oposição ao terror nacional-socialista, porém muitos desses conceitos podem ser encontrados na racionalidade dos meios de comunicação – até hoje empregados.
Com base nesse enfoque, o presente artigo analisará o filme “O show de Truman: o show da vida” à luz dos escritos de vários pesquisadores ligados à Escola de Frankfurt e de outros filósofos contemporâneos.
A primeira parte será composta pela síntese do filme e o que se entende por modernidade. E num segundo momento serão analisadas questões éticas, morais e os direitos individuais identificados na trama.
O estudo demonstra as mudanças sofridas pela sociedade no que concerne aos seus valores, crenças e hábitos. E também sublinha o papel do Direito como mediador de conflitos e garantidor de demandas. Suscitando, por fim, discussão em torno da racionalidade estratégica dos meios de comunicação e sobre a influência da mídia no cotidiano daqueles que compõem a sociedade.
O filme
O filme “O show de Truman: o Show da Vida” retrata a história de um homem que participava de um reality show sem saber. O personagem, interpretado por Jim Carrey, começou a ser filmado ainda dentro do útero da mãe, quando o programa estava selecionando, dentre 05 grávidas, qual seria o bebê escolhido para ser a estrela do show.
Fruto de uma gravidez indesejada, Truman – prematuro – nasceu próximo à data em que o programa estava previsto para começar. Por isso foi o selecionado, sendo legalmente adotado pela empresa produtora.
Assim, 1,7 bilhão de pessoas acompanharam seu nascimento e 220 países assistiram seu primeiro passo. E a despeito de o filme começar quando Truman já possuía 10.909 dias de vida, ou seja, quase 30 anos, a produção volta no tempo várias vezes para mostrar a trajetória do astro.
Gravado 24 horas por dia, durante os 07 dias da semana, o personagem principal vive sendo assistido pelo mundo todo, em uma cidade cenográfica. Construída em Hollywood, a Ilha de Seahaven possui uma alta tecnologia e uma complexa cadeia de câmeras escondidas. Ao todo são quase 05 mil câmeras e um elenco que, contabilizando atores e produção, perfaz o montante equivalente à população de um país.
Além disso, a Ilha é o maior estúdio construído no mundo e é, junto com a Muralha da China, uma das duas estruturas feitas pelo homem visíveis do espaço.
O idealizador do programa, Christof, é considerado o melhor televisionário do mundo. Criador do “mundo Seahaven” dentro do mundo, ele dirige o reality sem interrupções publicitárias, pois todas as receitas são geradas a partir dos produtos existentes na própria cidade cenográfica.
Desse modo, tudo o que há no programa é comercializado – desde as roupas e acessórios dos atores, até a comida e as casas existentes no cenário. Contando com patrocinadores que expõem seus produtos, o “Show de Truman” gera receitas equivalentes ao Produto Interno Bruto de um pequeno país.
Entretanto, o que mais chama atenção nessa grandiosa produção é o fato de que Truman, apesar de ser a estrela do Show, não tem consciência disso. Pois como foi criado desde seu nascimento na cidade cenográfica, ele não tem conhecimento de que a Ilha é artificial. Muito menos tem ideia, num primeiro momento, de que as pessoas que se relacionam com ele são todas atores. Seus pais, sua mulher, seu melhor amigo – todos são atores profissionais.
Também são artificiais os eventos meteorológicos, o sol, a lua etc. Tudo o que está à sua volta tem “uma marcação”, um “script” – apesar de o diretor do programa dizer que não.
Segundo Christof, ainda que o mundo em que Truman viva seja falso, o que importa é que não há falsidade nenhuma nele. Diz ainda que não há scripts, não há interferências, sendo genuíno o que se assiste. O que não é verdade, já que as interferências eram comuns.
Todos aqueles que conviviam com Truman seguiam um roteiro preestabelecido, interpretando papéis e comunicando-se com a direção por meio de um aparelho colocado no ouvido. E, a todo o momento, a direção do programa interferia, seja manipulando notícias e informações, seja criando situações de todo tipo.
A Modernidade
A cidade cenográfica – onde Truman foi criado – reproduziu a era moderna. Lá existia tecnologia, carros potentes, arquitetura padronizada, padrões de moda e de consumo. Em várias cenas aparecem propagandas de produtos, e o próprio personagem principal trabalha com o mundo dos negócios vendendo seguros. Mas a palavra “modernidade” quer dizer muito mais que isso.
HANSEN (2000) entende que o período “moderno” se inicia em 1450 e se estende até os dias atuais, pois foi a partir da metade do século XV que se iniciou a transformação no modo de se compreender o mundo. A modernidade, portanto, representou uma quebra de paradigma, porque – a partir desse marco – o homem passou a dar sentido à própria existência e ao universo que o circunda.
Assim, no período moderno não se fala mais de um passado histórico a espelhar o futuro, uma vez que, diferentemente de outras épocas, a razão passou a ser o norte da política, das normas e demais parâmetros sociais. O princípio da subjetividade ganhou relevância, e a complexidade social se intensificou, gerando distinção da sociedade em sistemas parciais. (HABERMAS, 2001)
O público se separou do privado, e o governante passou a se submeter às leis, justificando racionalmente suas decisões. A existência humana passou a ser um projeto de vida pessoal, que conta com a razão e não mais com a vontade de Deus. Houve então uma secularização, ou seja, uma separação entre religião e política. (ARENDT, 1990)
E, nesse sentido, o advento do protestantismo também ajudou a concretizar essa transformação, pois gerou na sociedade desconfiança na autoridade divina, fazendo surgir uma política contratual.
FREITAG (1993) afirma que o início da modernidade foi caracterizado por três eventos históricos: a Reforma Protestante, o Iluminismo e a Revolução Francesa. Porque, apesar de ocorridos na Europa, seus efeitos foram sentidos pelo Mundo.
Contudo, embora o filme se passe na Modernidade, o idealizador do reality show – Christof – calculava que Truman viveria toda sua vida pautada em uma concepção de mundo ontológico-metafísica.
Fala-se isso porque, pelo enredo desenvolvido, claro se mostra que o diretor esperava do astro apenas o cumprimento de seu destino. Ou seja, a “vida” se encarregaria de conduzir os acontecimentos, de forma a alegrar os milhares de espectadores que assistiam Truman todos os dias.
Além disso, Christof agia como a autoridade divina do Cristianismo, não se submetendo a valores ou normas, já que sua onipresença e onipotência eram naturais e legítimas – não necessitando de justificativas.
Pode-se perceber esse comportamento quando o diretor engana Truman, fazendo-o acreditar que se relaciona com pessoas sinceras; quando controla o rádio de seu carro de forma a lhe criar medos e bloqueios; ou quando cria uma tempestade colocando em risco sua vida.
A ideia era de que Truman entendesse que nasceu com um destino impossível de se afastar. Ele já possuía uma bela esposa, família, casa, trabalho. Então, por que reclamar? Cabia-lhe apenas seguir um roteiro, deixar os acontecimentos do seu dia a dia conduzir seu “futuro brilhante”.
Por isso alguns autores1 compararam o filme à Alegoria da Caverna de Platão. Escrito dentro do livro “A República”, o mito conta a história de cativos que – desde a infância – foram acorrentados nas pernas e nos pescoços, em uma caverna. Nela, os cativos ficavam virados de frente para uma parede e de costas para a entrada da caverna, de forma que só lhes era possível ver e ouvir as sombras e os ecos daqueles que desfilavam do lado de fora.
Em vista disso, dizia Platão, se algum deles conseguisse se libertar e fosse em direção à luz – em um primeiro momento -, nada do que visse ou ouvisse seria nítido ou lhe faria sentido. As sombras, inicialmente, ainda pareceriam mais verdadeiras, pois seria necessário um tempo até que os olhos acostumassem com a claridade.
Somente depois, dizia o filósofo, o ex-cativo perceberia a realidade como de fato era. Contudo, ainda assim, não adiantaria àquele que conheceu a verdade voltar à caverna e contar a boa-nova aos demais acorrentados, porque estes não lhe dariam ouvidos, só acreditando naquilo que suas próprias percepções lhes revelassem.
CHAUÍ (2000) – analisando a fábula citada acima – diz que a caverna é o mundo em que vivemos, sendo as sombras as coisas materiais e sensoriais que percebemos. Daí a luz do sol ser a luz da verdade, captada pelo filósofo ao descobrir as ideias verdadeiras. A dialética, dessa forma, seria utilizada por Platão para a “libertação”, pois é um debate, crítico e autocrítico, de conceitos contrários, que se expõem dispostos à alteração, a fim de chegarem à identificação de sua essência.
Truman, da mesma forma que os cativos, nasceu e cresceu em uma cidade cenográfica. Tudo à sua volta era falso, e a ideia que tinha do seu mundo era equivocada e limitada. Mas sua racionalidade fez com que começasse a perceber as pequenas contradições do dia a dia. E, com isso, que começasse a ganhar consciência do mundo à sua volta, enxergando o que a “luz da caverna” tinha para lhe mostrar.
Mas diferentemente de Platão, que acreditava que o homem descobriria seu lugar pelo conhecimento, pelo estudo, o filme mostra Truman usando de sua subjetividade. Foi a razão pessoal a força motriz capaz de impulsionar escolhas e reconstruir sua trajetória, o que lhe enquadraria na Modernidade.
MARTINS (2007) comenta esse início de sabedoria, advertindo que todo o processo de conscientização teve início a partir do momento em que a monotonia do dia a dia tornou-se insuportável, quando Truman percebeu que sua rotina não tolerava imprevistos.
Desse ponto em diante, os pequenos deslizes começaram a chamar atenção. O spot que caiu do “céu”; o rádio que saiu de sintonia e começou a narrar seus movimentos; a aparição de um homem na sua frente, idêntico ao pai falecido; a conversa com uma moça que tentava lhe alertar para o fato de estar vivendo uma vida de mentira; esses são apenas alguns dos acontecimentos que desencadearam a dúvida e uma atenção mais apurada às contradições que se impunham no seu cotidiano.
Por outro lado, como nota PELUSO (2003), deve-se ter em mente a forma como a sociedade moderna conhece a realidade. Diz o autor, seguindo a “teoria da construção social da realidade” de Berger e Luckmann, que
(…) o ser humano é o único ser que carece de um ambiente específico de sua espécie, já que vive imerso em um ambiente social, em uma realidade criada intersubjetivamente. Dessa forma, todo conhecimento que ele tem do mundo real está mediado pela forma que o conhece e, na atual sociedade de massa, a principal forma de conhecer o mundo exterior é através dos meios de comunicação, que, assim, cumprem a função mediadora e conformadora de sua realidade. Portanto, a realidade que o indivíduo percebe depende da informação que os meios lhe passam. (…)
A realidade, assim, é facilmente reconstruída, ou mesmo construída, de acordo com a vontade dos meios, que impõem a sua visão do mundo, a sua problemática, o seu ponto de vista, enfim, o que consideram importante. (PELUSO, 2003, p.111/116)
O que explicaria, em parte, a dificuldade do astro de se desvencilhar da introjeção de que a Ilha de Seahaven era o melhor lugar da Terra, não havendo razão para ele pensar em mudanças.
Questões Éticas e Morais
A análise do reality show comporta igualmente uma série de questionamentos éticos e morais, porque aparentemente o público que assiste Truman se vê anestesiado pela curiosidade e diversão proporcionados pela programação, chegando ao ponto de as pessoas ignorarem o fato de se tratar de um ser humano enganado e tolhido de seus direitos mais elementares.
Truman “é uma vida”, como disse o idealizador do programa, mas é uma vida que habita um mundo falso. Não há falsidade alguma em Truman, mas tudo à sua volta é controlado sem a sua consciência. E, mesmo assim, as pessoas que o assistem em momento algum questionam tais fatos.
Os espectadores se envolveram de tal modo no desenrolar da vida do personagem, que passaram a ver com normalidade todas as mentiras que o circundavam. Por esse motivo, não questionam se o diretor do programa está agindo unicamente em busca de audiência e lucro. Também não questionam se Truman teria o direito de saber que se relaciona intimamente com atores ou que vive em uma cidade fictícia.
A direção do reality expõe abertamente já ter tido alguns problemas com pessoas de fora do elenco, pelo fato de elas tentarem contar a verdade ao protagonista. Além disso, reconhece que à medida em que Truman foi crescendo, utilizou-se da introjeção do medo como forma de mantê-lo em Seahaven – e isso não suscita questionamentos por parte dos espectadores.
Mas, antes de aprofundar nessa abordagem, é importante a diferenciação entre ética e moral. Isso porque “ética” se liga a um conjunto de valores e concepções de vida partilhados por uma coletividade, enquanto “moral” se liga a um conjunto de princípios e normas racionais que, vivenciados ou não, partilhados ou não, orientam as ações dos seres humanos.
Nessa perspectiva, FREITAG (1992) diz que Kant e Hegel retomam Platão para distinguir ética e moral. Ética, então, estaria condicionada às virtudes da Polis, às condições objetivas de um modo de agir orientado pelo bem comum, pelo bem coletivo. Ao passo que a “moral” estaria condicionada à subjetividade, às virtudes da alma, tendo como base a ação individual, a busca pessoal de cada um pelo agir correto.
Leis morais, portanto, seriam leis que, apesar de direcionadas a cada um dos indivíduos que compõem a sociedade, se traduziriam em máximas de condutas, em diretrizes que poderiam ser universalizadas. O que significaria dizer que tanto a ética quanto a moral sempre estiveram presentes em todas as coletividades – com a ressalva de que, após o advento da Modernidade, separaram-se tais princípios dos mandamentos religiosos.
A assertiva, porém, não é unânime. Há quem diga que ética não existe, que o individualismo – após a modernidade – fez desaparecer valores comuns, dando origem ao ceticismo moral. E há quem diga ainda que a ética é objetiva, posto que oriunda ora da revelação divina, ora do determinismo – social ou genético.
A esse ceticismo, no entanto, HABERMAS (1989) responde com as ideias de P. F. Strawson e a fenomenologia linguística da consciência ética, encarando expectativas morais recíprocas como fenômenos naturais que se expressam por atos de fala e ação.
Isso porque, quando o cético diz que a ética não existe, ele também tem a expectativa de que isso seja considerado como verdadeiro. Portanto, deixa claro que são pressupostos existentes em uma simples conversa, em que é adotada a argumentação como forma de legitimação, a capacidade de compreensão, a pretensão de validade universal do discurso e a sinceridade.
Nessa leitura, trata-se de atitude “objetivante” aquela que afasta antecipadamente as censuras morais, por tirar do participante da conversa sua imputabilidade, julgando-o incapaz de compreender suas atitudes. Enquanto trata-se de atitude “performativa”, passível de se falar em ética e moral, toda aquela em que há simetria entre os participantes do debate, sem restrições de imputabilidade. (HABERMAS, 1989)
No filme, por exemplo, percebe-se uma atitude objetivante quando o suposto pai de uma figurante – que tentou alertar Truman de que todos sabiam o que ele fazia – desmente as acusações da menina, sob o argumento de que ela sofria de esquizofrenia, ou seja, de que ela não possuía condições de argumentar.
Os céticos, no entanto, se esquecem que se a ética fosse realmente objetiva, haveria imposição de valores e falta de liberdade – o que é inconcebível. Porque, para se falar em ética e moral, deve-se sempre respeitar a vontade, a liberdade e autonomia individuais. O que também não quer dizer que cada um defenderá somente valores que valem para si, já que tais valores devem ter uma pretensão de validade universal, sob pena de não terem eficácia.
Assim, é importante destacar que, embora Habermas critique o caráter monológico da ética Kantiana, muitos conceitos até aqui estudados sofreram sua influência.
KANT (1948), falando sobre a filosofia dos costumes, acreditava que o fundamento da ética era intersubjetivo, social, pois a finalidade da existência humana não era a busca da felicidade, e sim o cumprimento de um dever. Daí a vontade – enquanto querer – ser condição para ética, assim como a liberdade e a autonomia.
Além disso, para o filósofo – por meio do “imperativo categórico” – era possível verificar se as ações escolhidas foram moralmente corretas, bastando para isso poder universalizá-las. A ação moral, nesse caso, não podia ceder e ser usada como artifício para tratar a humanidade simplesmente como meio, porque reduzir as relações a simples utilidades era imoral.
Desse modo, seguindo sua linha de raciocínio, todos os indivíduos de uma sociedade seriam legisladores de leis morais, já que validariam normas, ao mesmo tempo em que se submeteriam a elas, atuando também como fiscais – cobrando uns dos outros seu cumprimento. (KANT, 1948)
Essa relação entre os conceitos da filosofia clássica de Kant e os conceitos da filosofia moderna de Habermas são abordados por FREITAG (1989) com propriedade:
“Em sua essência, a ética discursiva (de Habermas) procura substituir o imperativo categórico de Kant pelo procedimento da argumentação moral. Dessa forma, o imperativo categórico é transformado em um princípio universalizável, na situação dialógica ideal, perdendo sua autoridade como critério moral absoluto “puro”. A ética discursiva sugere que somente podem aspirar à validade aquelas normas que tiverem o consentimento e a aceitação de todos os integrantes do discurso prático. Para que uma norma tenha condições de transformar-se em norma geral, aspirando validade universal enquanto máxima da conduta de todos os participantes do discurso prático, os resultados e efeitos colaterais decorrentes da sua observância precisam ser antecipados, pesados em suas conseqüências e aceitos por todos. Isto ocorre através de um procedimento argumentativo em que prevalece o melhor argumento, respeitados todos os demais, à luz de sua maior coerência, justeza e adequação.”
Trazendo o debate para a análise do filme, traduzem-se como “imorais” as mentiras e falsidades ao redor de Truman, pois tais condutas inviabilizam a confiança, não podendo ser adotadas coletivamente, porque isso geraria uma crise de desconfiança na sociedade.
Aliás, a racionalidade instrumental estava o tempo todo presente no filme, já que, em busca do aumento da audiência, valia colocar em risco até a vida do personagem principal. O lucro era o fim almejado, e para seu alcance todos os meios eram permitidos.
O programa incrementava a audiência e, conseqüentemente, aumentava seus ganhos com patrocinadores – tudo às custas do drama explorado. Então, era lucrativo testar os medos de Truman; inventar-lhe amores; forjar um reencontro com o pai desaparecido, ainda que em detrimento de seus sentimentos, porque os expectadores acompanhavam fervorosos tais acontecimentos – sem se preocuparem com valores.
Os valores dos espectadores estavam tão invertidos e esquecidos, que a cena em que a figurante tentou alertar Truman da verdade dos fatos foi colocada pela produção do programa nos “melhores momentos”, como se se tratasse de algo divertido e absolutamente normal.
Por isso, em nenhum momento se discutia se era correto Christof ter inventado uma morte por afogamento do “pai” de Truman, somente para lhe causar um trauma. Truman, naquele momento com 08 anos, depois do acidente forjado, havia ficado com pavor do mar, o que garantia à Produção a certeza de que ele não tentaria sair da Ilha.
Mas a proibição moral e ética da manipulação não foi só abordada por Kant ou Habermas. Vários autores debruçaram-se sobre o assunto para defender valores coletivos, mesmo após o advento da modernidade, pois
(…) do ponto de vista ético, somos pessoas e não podemos ser tratados como coisas. Os valores éticos se oferecem, portanto, como expressão e garantia de nossa condição de sujeitos, proibindo moralmente o que nos transforme em coisa usada e manipulada por outros.
A ética é normativa exatamente por isso, suas normas visando impor limites e controles ao risco permanente da violência. (…)
No caso da ética, portanto, nem todos os meios são justificáveis, mas apenas aqueles que estão de acordo com os fins da própria ação. Em outras palavras, fins éticos exigem meios éticos. (CHAUÍ, 2000, p.433-435)
Seguindo ainda o raciocínio de CHAUÍ (2000), pode-se fazer um paralelo entre o filme “O show de Truman” e o romance do diretor George Orwell, intitulado “1984”, posto que este retrata a história de uma sociedade totalmente dominada por um ditador.
“O Big Brother”, como era chamado o líder do Partido no poder, vigiava a todos, transformando e controlando a realidade conforme seus interesses. O lema do Partido era de que quem controla o passado, controla o futuro; e quem controla o presente, controla também o passado. Ou seja, não existiam verdades ou mentiras, pois a história era alterada e reescrita o tempo todo por quem detinha o controle.
O romance – produzido em 1948 – se traduz em críticas a regimes totalitários e à redução das pessoas a objetos de manipulação. Afora isso, traz a discussão sobre qual a função que a mídia representa ao difundir informação, sua influência junto ao público e o papel da linguagem no controle social. (CHAUÍ, 2000)
Em ambos os filmes, a crítica quer chamar atenção para o fato de que interesses estratégicos sobrepõem-se à solidariedade, às leis morais – constituindo-se em verdadeiros impedimentos para quaisquer possibilidades de mudança social.
Portanto, a atitude de Christof, assim como os regimes totalitários, baseia-se na dominação integral da vida de Truman. Acreditando que a realidade do mundo é aceita conforme ela nos é dada, o diretor entende que deu a Truman a chance de levar uma vida normal, uma vida até melhor que a vida das outras pessoas. Diz ele que Seahaven é como o mundo deveria ser e que não existe mais verdade lá fora do que a verdade de seu mundo criado. E, por todos esses motivos, não havia que se falar em abusos ou violações de direitos.
O Direito
Os direitos individuais, ao longo dos séculos, foram sofrendo uma evolução. Os Gregos e Medievais, antes do advento da Modernidade, possuíam uma concepção de mundo ontológico-metafísica.
Assim, acreditavam que todos estavam inseridos em uma polis, sendo esta inserida na natureza, a qual se encontra, por fim, dentro do cosmos. E era essa concepção que originava a ideia de que os valores eram naturais, e os direitos já estavam confirmados antecipadamente, sem serem passíveis de discussão.
Acreditava-se, naquele momento, que Deus havia criado o homem submetido a um conjunto de leis naturais, sendo estas inafastáveis. E, como a legitimação política era divina, os reis eram como deuses, podendo mudar as regras quando quisessem, sem se submeterem a elas.
Tal concepção, no entanto, era totalmente prejudicial às liberdades individuais, na medida em que não possibilitava existir prerrogativas particulares em face do Estado.
“Quando o direito positivo sucedeu ao natural, momento em que todos os meios legítimos de usar a força passaram a ser monopolizados pelo Estado, esses direitos de usar a força transformaram-se em autorizações para iniciar uma ação judicial. Ao mesmo tempo, os direitos privados subjetivos foram complementados, através de direitos de defesa estruturalmente homólogos, contra o próprio poder do Estado. Esses direitos de defesa protegiam as pessoas privadas contra interferências ilegais do aparelho do Estado na vida, liberdade e propriedade.” (HABERMAS, 1997, p. 48)
Com efeito, as sociedades modernas acabaram com a dicotomia entre Estado e Indivíduos. Daí HABERMAS (1997) afirmar que o Estado passou a ser um subsistema, ao lado de outros subsistemas – tais como a economia, a política e o direito. E que a democracia e a cidadania começaram a ser conquistadas e ocupadas permanentemente.
Sob a perspectiva habermasiana, o direito agora é visto como um mediador, gerando obrigações aos sistemas que compõem a sociedade, ao mesmo tempo em que os cidadãos a elas também estão submetidas.
Por esse motivo, o direito positiva demandas do mundo da vida, as garantindo a partir de uma dimensão emancipatória. Ou seja, o direito concilia a relação entre o mundo da vida, da solidariedade, e os subsistemas da cultura, sociedade etc.
Compreende-se, também, que na sociedade há um conjunto de fatos que demandam leis, que, por outro lado, devem estar alicerçadas na racionalidade, na legitimação social – somente conseguida por meio de consensos. Contudo, deve-se tomar cuidado para que a norma não se torne refém da factualidade, que é casuística. A lei deve ser um parâmetro, não necessariamente ligado a um fato, pois, caso contrário, ela estaria reduzida ao seu elemento subjetivo. (HABERMAS, 1997)
Dessa forma, na modernidade há o desenvolvimento do direito subjetivo, da moralidade, e à medida em que as pessoas amadurecem, a eticidade é desenvolvida. O direito, apesar de possuir código próprio, nunca deixa de dialogar com a política e a moral, devendo todos participarem de seu processo de deliberação, implementação e fiscalização. (HABERMAS, 1997)
Aliás, segundo HABERMAS (1997), somente dessa forma o direito vai cristalizar – na forma de leis – consensos gerados pela cidadania ativa, sendo inconcebíveis situações como as que acontecem no filme.
A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, foi uma das normas universais mais importantes até os dias atuais, justamente pelo fato de ser a primeira a declarar que todos os homens nascem e são livres.
A Constituição Federal de 1988 também tem o mesmo condão. Ela coíbe a restrição à liberdade – em seu preâmbulo e em seu art. 1º – ao instituir um Estado Democrático de Direito garantidor dos direitos individuais, da liberdade, do bem-estar e da dignidade da pessoa humana.
Além disso, complementa tal direito em seu art. 5º, XV, ao determinar que “é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens.”
Tais regras servem para inibir ideias como a de se adotar um bebê para fins econômicos. Elas cristalizam “a necessidade de estipular como fim da sociedade o asseguramento da liberdade natural do homem, assim como a idéia de que a lei, expressão da vontade geral, não pode, por natureza, ser um instrumento de opressão.” (BASTOS, 2000, p. 168)
No entanto, a opressão aparece no filme em diversas oportunidades. Seja quando tentam convencer Truman de que a ideia de ser um explorador vai passar, seja quando utilizam de artifícios sórdidos para sua manutenção na Ilha.
A introjeção do medo e as chantagens emocionais nada mais refletem que um abuso de direito e uma violação expressa ao direito de ir e vir do personagem.
“Diz Aristóteles que é livre aquele que tem em si mesmo o princípio para agir ou não agir, isto é, aquele que é causa interna de sua ação ou da decisão de não agir. A liberdade é concebida como o poder pleno e incondicional da vontade para determinar a si mesma ou para ser autodeterminada. É pensada, também, como ausência de constrangimentos externos e internos, isto é, como uma capacidade que não encontra obstáculos para se realizar, nem é forçada por coisa alguma para agir. Trata-se da espontaneidade plena do agente, que dá a si mesmo os motivos e os fins de sua ação, sem ser constrangido ou forçado por nada e por ninguém.” (CHAUÍ, 2000, p.464)
Por esse motivo, Truman só começou a conquistar sua liberdade quando passou a ser espontâneo e imprevisível. Quando entrou em seu carro e saiu dirigindo sem destino, vencendo o medo que lhe impedia de passar na ponte e sair da cidade. Quando pegou um barco e saiu velejando, até descobrir que o mar não era infinito, e, ainda por cima, que existia no seu “fim” uma escada que levava à saída, ao alcance de sua liberdade.
Dessa forma, quando o diretor do reality show afirma o direito à liberdade de Truman, pronunciando – em entrevista – que ele poderia partir quando quisesse, a afirmativa se mostra totalmente contraditória. Pois, minutos antes, o próprio havia afirmado que à medida em que o astro crescia, a produção foi forçada a criar maneiras de mantê-lo na Cidade Cenográfica.
Ora, se há coações externas, não se pode falar em liberdade nem em direito de escolha – e essa era uma das mensagens implícitas no filme.
Além do direito de liberdade, outro assunto que se extrai do filme diz respeito ao direito à vida privada e à imagem.
A Constituição Federal de 1988, em seu art. 5º, X, protege tais direitos estabelecendo que “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”.
O Código Civil Brasileiro também estipula em seu art. 18 que “sem autorização, não se pode usar o nome alheio em propaganda comercial.” E, em seu art. 21, que “a vida privada da pessoa natural é inviolável, e o juiz, a requerimento do interessado, adotará as providências necessárias para impedir ou fazer cessar ato contrário a esta norma”.
Mas o que se pode entender por intimidade, vida privada e direito à imagem? A palavra “intimidade” liga-se à ideia de família, amigos, relacionamento emocional.
Ser íntimo de alguém significa ter com essa pessoa relações estreitas, subjetivas, nas quais se tem acesso a informações de cunho pessoal. Portanto, quando se fala em direito à intimidade, trata-se de uma garantia que visa resguardar o direito de as pessoas não verem suas vidas serem devassadas injustificadamente ou sofrerem exposição à revelia de suas vontades.
Em função disso,
“(..) encontra-se em clara e ostensiva contradição com o fundamento constitucional da dignidade da pessoa humana (CF, art.1º, III), com o direito à honra, à intimidade e à vida privada (CF, art. 5º, X) converter em instrumento de diversão ou entretenimento assuntos de natureza tão íntima quanto falecimentos, padecimentos ou quaisquer desgraças alheias, que não demonstrem nenhuma finalidade pública e caráter jornalístico em sua divulgação.” (MORAES, 2008, p. 53)
É o direito protegendo as pessoas de não terem suas intimidades expostas pela mídia, pela tecnologia, pela opinião alheia. As relações de amizade, familiares e amorosas, só dizem respeito àqueles que nessas relações se encontrem envolvidos, sendo ilegal transformar o cotidiano de uma pessoa em entretenimento – sem sua anuência.
A palavra “privacidade” já é mais ampla – diz respeito não só à intimidade mas a todo tipo de relacionamento humano que não seja público. Nela se inclui, portanto, relações travadas no dia a dia, sejam elas comerciais, de estudo, de trabalho etc. (MORAES, 2008)
DINIZ (2009) sintetiza esses dois conceitos afirmando que a privacidade se liga às características externas da existência humana, tais como sigilo bancário, comunicação telefônica, hábitos pessoais etc; ao passo que a intimidade se liga às características internas, tais como segredos pessoais, relacionamentos amorosos e respeito à enfermidade ou à dor de alguém. E ambos compõem um direito mais vasto, que é o direito à vida privada.
HABERMAS (1984) explica que as palavras “público” e “privado” tiveram origem na Grécia, eis que a “polis” era a esfera comum a todos os cidadãos livres, enquanto o “oikos” era a esfera particular de cada um. Daí definir o domínio comunal como coisa pública, afirmando que o poço, a praça do mercado, são para uso comum, sendo publicamente acessíveis; enquanto a “esfera particular” é o particularizado, o separado.
Então, se público é tudo aquilo que é acessível a qualquer um, é de uso comum de toda sociedade e que pode se realizar perante qualquer pessoa, a privacidade é seu oposto. Por isso, ter direito à privacidade é ter direito ao reservado, ao secreto; é ter direito a não ser filmado 24 horas por dia.
Além disso, a Lei protege igualmente o nome e a imagem alheia. Estes, como integrantes dos direitos da personalidade, só podem ser relativizados em sua disponibilidade mediante aquiescência e contraprestação pecuniária de seu titular, se assim for desejado. A remuneração, no caso, objetiva combater o enriquecimento ilícito daqueles que se beneficiam com o uso de fotografias, do prestígio, enfim, da individualidade de outrem. (DINIZ, 2009)
Nesse debate,
“(…) toda expressão formal e sensível da personalidade de um homem é imagem para o Direito. A idéia de imagem não se restringe, portanto, à representação do aspecto visual da pessoa pela arte da pintura, da escultura, do desenho, da fotografia, da figuração caricata ou decorativa, da reprodução em manequins e máscaras. Compreende, além, a imagem sonora da fonografia e da radiodifusão, e os gestos, expressões dinâmicas da personalidade. A cinematografia e a televisão são formas de representação integral da figura humana.” (MORAES, 1972, p. 64)
Imagem, portanto, engloba desde a impressão que se faz de alguém até sua reprodução gráfica. Por isso, ela pode representar características físicas de uma pessoa ou pode simbolizar traços de sua personalidade, que são protegidos e só podem ser mercantilizados mediante autorização prévia.
É a norma proibindo situações como as do filme, em que o Reality Show exibe o dia a dia do protagonista – o vinculando a propagandas – sem sua autorização. A associação da figura de uma pessoa a produtos comerciais só pode ser feita com a observância de que ela tenha consciência sobre isso e que efetivamente tenha concordado para tal.
Considerações finais
A análise do referido filme viabiliza a coleta de subsídios substanciais para traçar um paralelo com aspectos da vida moderna. Nesse sentido, algumas características valem a pena ser destacadas, tais como a racionalidade estratégica dos meios de comunicação como segmento ativo na sociedade; a influência da mídia na maneira pela qual as pessoas concebem e compreendem a realidade; os efeitos da introjeção de comportamentos, visões e valores que passam a ser considerados naturais e comuns às pessoas; assim como observações referentes à indústria cultural, a qual visa atingir determinados fins econômicos, suscitando questionamentos éticos e morais acerca dessa realidade.
É oportuno e necessário, portanto, o destaque desse subproduto da modernidade, que é o conjunto dos meios de comunicação de massa, e imprescindível se pontuar a força e influência desses segmentos – sobretudo quando se fala em televisão.
Esta atua de maneira a “fisgar” o telespectador, o que a princípio é legítimo. O problema nasce com relação à forma, à estratégia utilizada pelas emissoras para se conseguir audiência.
Dentro dessa perspectiva, a indústria cultural é muito bem utilizada pela televisão, pois esta detém alcance considerável. Os programas, tal qual o Big Brother Brasil, exemplificam bem essa estratégia midiática de entreter a população, ao mesmo tempo em que servem como instrumento para direcionar e instituir padrões de comportamentos e de gostos – características essas que demonstram a natureza inequívoca das sociedades de massas.
Levando-se em conta o Brasil, por exemplo, em que a maioria das pessoas tem televisão, e destacando-se o fato de sermos uma nação cuja desinformação é patente, é natural a discussão em torno de como se dá essa relação dos grandes meios de comunicação, com suas informações e filtros que fazem da realidade, e a população.
A mídia – inegavelmente – possui muito poder e, obviamente, muitos interesses. Certamente que o principal deles é o econômico – ponto esse que vale a pena ser debatido, dada a relevância de se chamar a atenção para a maneira pela qual esses veículos poderosos de comunicação chegam a esse fim intrinsecamente ligado à sociedade.
Questões éticas e morais, nessa mesma linha, – analogamente às levantadas pelo filme – também podem e devem ser trazidas para um debate mais aprofundado. É certo que a mídia tem grande apelo com as imagens, podendo usá-las de maneira a manipular a massa em geral.
E é igualmente verdade que ela orienta as pessoas, determinando a percepção destas acerca de como devem enxergar o mundo.
Entretanto, a problemática maior não é com relação à inescapável filtragem da realidade (já que o importante é que se tenha diversidade de informações e de programações, privilegiando a pluralidade), e sim a ética e moral envolvidas na condução, pelos grandes donos dos poderes de comunicação, no trato das informações, programações, entretenimentos, e a honestidade desses meios para a consecução do fim último: o lucro.
Portanto, é salutar que a mídia desempenhe um papel que se oriente não só por critérios econômicos e políticos, mas também por critérios sociais. Porque no final das contas, a sociedade é um organismo vivo, delicadamente coordenado entre diversos segmentos interdependentes – como se se tratasse de um corpo humano. E isso nos leva à conclusão de que as partes envolvidas dependem umas das outras para desempenharem suas funções a contento e para garantirem a unidade e o pleno funcionamento do corpo social.
Referências
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HABERMAS, Jürgen. Mudança Estrutural da Esfera Pública: investigações quanto a uma categoria da sociedade burguesa; tradução de Flávia R. Kothe. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1984.
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Direito e democracia: entre facticidade e validade, volume I; tradução Flávio Beno Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997a.
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Filmes relacionados
WEIR, Peter. O Show de Truman – Edição Especial para Colecionadores. Estados
Unidos: Paramount Pictures, 2006. 102 minutos DVD-VIDEO. NTSC
1 MARTINS, Sérgio. Nos labirintos de uma geografia anti-histórica – Truman, o show da vida, in: Revista GEOUSP – Espaço e Tempo. São Paulo, n.21, 2007, p. 135-147 e MARTINS, Ederson Clavijo San. O Show de Truman: uma análise Frankfurtiana. In: Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação, n.30, 2007, São Paulo. Disponível em: http://www.intercom.org.br/papers/nacionais/2007/resumos/R0688-1.pdf. Acesso em 01/03/2011.
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