Os pressupostos da não admissibilidade do recurso de revista no contencioso administrativo vigente no ordenamento jurídico português

Vagli Giovanni 18/11/13
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O n.º 1 do art.º 150.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) afirma:

Das decisões proferidas em 2.ª instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.”

Com base na letra da norma acima indicada deduz-se prima facie que se trata dum recurso excepcional, que, embora constitua o terceiro grau de jurisdição no âmbito do contencioso administrativo, não adquire o valor de garantia e de direito absoluto de que se possa usufruir em todo o caso, porque a sua admissibilidade depende da satisfação de alguns requisitos, que foram expressos de forma muito vaga, mas cujo preenchimento não abrange todas e quaisquer as factispécies julgadas nos processos administrativos.

No mesmo sentido pronunciou-se o Supremo Tribunal Administrativo (STA)1: “… se olharmos à forma como o Legislador delineou o recurso de revista, em especial se atendermos aos requisitos que condicionam a sua admissibilidade, temos de concluir que o mesmo é de natureza excepcional, não correspondendo à introdução generalizada de uma nova instância de recurso, na medida em que, em regra, das decisões proferidos pelo TCA em sede de recurso de apelação não cabe recurso de revista para o STA.
Vide, nesta linha, Mário Aroso de Almeida, in “O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos”, 2ª edição, a págs. 322/323.”
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Para confirmar o mesmo conceito, o próprio STA afirmou também que: Com efeito, os acórdãos dos Tribunais Centrais Administrativos, proferidos em recursos de decisões dos Tribunais Administrativos e Fiscais, constituem, face ao actual contencioso administrativo, o último grau de jurisdição. / O legislador concedeu, no entanto, pelas razões referidas no n° 1 do art.º 150º, a título muito excepcional, que das decisões dos Tribunais Centrais Administrativos, proferidas em segundo grau de jurisdição, se pudesse interpor recurso de revista para este STA.”3

Vamos analisar melhor as condições que não permitem a concessão da revista; contudo, para o fazer, teremos que iniciar pelos pressupostos de admissão4.

Em primeiro lugar, “Das decisões proferidas em 2.ª instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excepcionalmente, revista para o STA quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica e social, se revista de importância fundamental …”.

A fórmula utilizada pelo Legislador é muito ampla; poder-se-ia pensar que isso foi feito de propósito para deixar ao STA uma grande margem de discricionariedade, com o fim de conceder a revista na maioria dos casos. Contudo, esta interpretação apresenta-se logo como incorrecta, porque nos termos da norma citada o recurso de revista só pode ser concedido excepcionalmente, ou seja em raríssimos casos, por isso a margem de discricionariedade para a concessão deve ser utilizada apenas quando for mesmo necessário. O legislador não quis indicar em pormenor os casos de concessão, para deixar ao STA a liberdade de decidir se, quando e como dar provimento ao recurso de revista.

Tudo isso significa que cabe ao próprio STA estabelecer os critérios específicos de concessão, obviamente dentro dos parâmetros legais, o que nos leva para a conclusão pela qual os referidos critérios têm que ser encontrados na jurisprudência expressa pelo órgão supremo de justiça administrativa.

Quanto à relevância jurídica e social que se revista de importância fundamental, Miguel Ângelo Oliveira Crespo, na sua Obra O Recurso de Revista no Contencioso Administrativo, Coimbra, 2007, 249-250, afirma que “Na jurisprudência já emanada são em número muito substancial as decisões de não admissão, nelas se invocando de modo variados as vias adoptadas para a demonstração do não preenchimento deste pressuposto. Importa começar pelo enunciado das proposições constantes desses arestos: a relevância jurídica é afastada pelo facto da questão já ter sido apreciada por duas instâncias; a existência duma abundante jurisprudência do STA, do TCA5 e do Tribunal Constitucional sobre a questão, impede a sua qualificação como de importância fundamental; a invocação de uma omissão de pronúncia das instâncias não logra a hipótese de importância fundamental; a suscitação de uma questão de constitucionalidade não funciona como parâmetro de relevância jurídica da questão de importância fundamental; a divergência entra as decisões da primeira e da segunda instâncias e a frontal discordância do recorrente quanto a esta segunda decisão não constituem indícios suficientes para a atribuição de relevância jurídica à questão de importância fundamental; a nulidade da sentença impugnada não configura uma situação de importância fundamental; …”.

Pode-se ver com facilidade que, quanto a este primeiro requisito, existe uma abundante jurisprudência que negou o provimento ao recurso de revista.

Vamos analisar mais em pormenor alguns dos acórdão que foram citados pela doutrina acima referida.

O STA, no seu acórdão de 29 de Setembro de 2004 (recurso n.º 891/04), afirmou que “… a questão a apreciar … não atinge aquele grau de relevância, quer social quer jurídica, que o legislador teve em vista ao prever mais este meio processual, depois da referida questão ter já sido apreciada por duas instâncias, uma de julgamento (TAF) outra de recurso (TCAS), … . / Acresce que o acórdão recorrido não afronta a jurisprudência antes se conforma com ela, não se verificando, assim, uma manifesta necessidade de uma nova e melhor decisão. / Pelo exposto, acordam em não admitir o recurso.” e no acórdão de 13 de Janeiro de 2005 (processo n.º 19/05) afirmou que a questão que se pretende seja apreciada por este STA não atinge aquele grau de relevância, quer social quer jurídica, que o legislador teve em vista ao prever mais este meio processual, depois da referida questão ter já sido apreciada por duas instâncias, uma de julgamento (TAF) outra de recurso (TCAS). / A tutela dos interesses em causa, pelas razões expostas, não exige, assim, a sua apreciação por este STA nem o acórdão recorrido afronta a jurisprudência para que se proceda a novo julgamento, não se verificando, pois, uma manifesta necessidade de uma nova e melhor decisão.”

Disso nota-se de imediato que o recurso de revista não constitui um terceiro grau de jurisdição “geral”, ficando normalmente o êxito processual na decisão de segunda instância.

O outro pressuposto da admissibilidade da revista reside no facto de o recurso ser claramente necessário para uma melhor aplicação do direito.

Mais uma vez o legislador optou por uma fórmula assaz vaga, por isso os critérios específicos foram adoptados pela jurisprudência administrativa.

Voltamos a citar o Autor atrás referido (ibidem, 257-259): “Como noutros acórdãos se lavrou, a melhor aplicação do direito justifica-se pela errada aplicação de uma norma legal, pela prolação de uma decisão em sentido contrário ao direito, sendo que estas verificações podem ter sido induzidas pela elevada complexidade das operações lógicas e jurídicas necessárias para a resolução do caso. Não é a complexidade das operações em si que alicerça a admissão do recurso de revista pela clara necessidade de uma melhor aplicação do direito, é a errada aplicação deste que pode ter sido motivada pela sua complexidade que justifica (ou não) a admissão. … / Mas as dificuldades com que o STA se tem defrontado no preenchimento valorativo do conceito indeterminado consistente na clara necessidade de uma melhor aplicação do direito não são facilmente superáveis e são até compreensíveis. Atente-se em mais algumas das justificações utilizadas para negar o preenchimento do conceito: o acórdão recorrido se conformar com a jurisprudência ou pelo contexto jurisprudencial excluir liminarmente a hipótese da melhor aplicação do direito; não se evidenciar a necessidade de uma melhor aplicação do direito porque o TCA confirmou a decisão do TAC; … a fundamentação da decisão impugnada na jurisprudência e na doutrina correntes afasta a necessidade clara de uma melhor aplicação do direito; … o TCA avaliza a decisão de 1.ª instância. …”.

Vamos ver mais atentamente as palavras utilizadas pelo STA aquando abordou o tema em questão, nos termos de alguns dos acórdãos citados em nota pelo Autor de referência.

No acórdão de 23 de Setembro acima indicado, foi proferido que “A tutela dos interesses em causa, pelas razões expostas, não exige, assim, a sua apreciação por este STA nem o acórdão recorrido afronta a jurisprudência para que se proceda a novo julgamento, não se verificando, pois, uma manifesta necessidade de uma nova e melhor decisão.”; no acórdão de 16 de Fevereiro de 2005 (processo n.º 172/05) foi asserido que: Mas ainda que assim não fosse, limitando -se a questão à decisão da inutilidade superveniente da lide, ninguém poderá ver nela qualquer importância fundamental no mundo jurídico a reclamar nova apreciação em vista da fixação de uma melhor orientação porquanto, se por um lado, está sujeita a pressupostos objectivos que são independentes do valor subjacente ao da respectiva acção, por outro, a elaboração jurisprudencial, quer deste STA, quer do TCA, sobre a mesma, é abundante pelo que, um novo julgamento, nada de novo traria sobre ela. … Consequentemente, não se mostrando preenchidos os pressupostos do nº 1 do citado art.º 150º do CPTA, acordam em não admitir o presente recurso de revista excepcional.”; no acórdão de 29 de Junho de 2005 (processo n.º 722/05) afirmou-se que: Não se verificam tais pressupostos de admissibilidade quando está em causa uma decisão do TCAS, proferida em 2.º grau de jurisdição que, confirmando a sentença da 1.ª instância, decidiu, em antecipação do juízo sobre a causa principal, condenar o R. …”; no acórdão de 16 de Março de 2016 (processo n.º 216/06) a decisão foi nos seguintes termos: No caso vertente a Recorrente apenas pretende a admissibilidade do recurso tendo em vista uma melhor aplicação do direito. / Mas sem razão. O acórdão recorrido, à excepção do 1° argumento invocado pela Recorrente só neste STA, fundamentou a sua decisão na jurisprudência e na doutrina correntes não se vendo que seja claramente necessária, como exige o n° 1, in fine, do art. 150° do CPTA, uma melhor aplicação do direito, … Por tudo o exposto, não se verificando os pressupostos previstos no n° 1 do art.º 150° do CPTA, acordam em não admitir o presente recurso excepcional de revista.”; finalmente, no acórdão de 27 de Abril de 2006 (processo n.º 340/06) ficou consagrado que “Por outro lado, tendo o TCAS avalizado, nos termos descritos, a decisão da primeira instância, não se entrevê qualquer necessidade e, muito menos, uma clara necessidade como a lei exige, de melhor aplicação do direito. / Assim, pelas razões expostas, e nos termos do disposto no art.º 15° nos. 1 e 5 do CPTA, acorda -se em não admitir a requerida revista.”

As conclusões que podemos tirar disso tudo vão mais uma vez no sentido da absoluta excepcionalidade do recurso de revista, sendo garantido de forma geral apenas o segundo grau de jurisdição. A concreta limitação do recurso de terceira instância parece-nos constituir actualmente uma orientação legislativo-processual que vem a ser adoptada no sistema português em todas as suas vertentes, não apenas naquela do processo administrativo.

 

1 Todos os acórdão citados neste artigo estão disponíveis em www.dre.pt.

 

2 Acórdão de 27 de Abril de 2006, processo n.º 333/06 (sublinhado nosso).

 

3 Acórdão de 27 de Abril de 2006, processo n.º 333/06 (sublinhado nosso).

 

4 Ao abrigo do n.º 5 do art.º 150 do CPTA, A decisão quanto à questão de saber se, no caso concreto, se preenchem os pressupostos do n.º 1 compete ao Supremo Tribunal Administrativo, devendo ser objecto de apreciação preliminar sumária, a cargo de uma formação constituída por três juízes de entre os mais antigos da Secção de Contencioso Administrativo.”

 

5 TCA significa Tribunal Central Administrativo. Trata-se do órgão de segunda instância no processo administrativo português. Pela Lei n.º 49/96, de 4 de Setembro a Assembleia da República autorizou “…o Governo a criar o Tribunal Central Administrativo e a alterar o Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais e a Lei de Processo nos Tribunais Administrativos.”; pelo Decreto-Lei n.º 229/96 de 29 de Novembro e no uso da autorização legislativa concedida pela Lei n.º 49/96, de 4 de Setembro e nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 201° da Constituição, o Governo decretou a criação e a definição da organização e a competência de um novo tribunal superior da jurisdição administrativa e fiscal, designado Tribunal Central Administrativo; pelo Decreto-Lei n.º 114/97 de 12 de Maio foi alterado o Decreto-Lei n.º 374/84, de 29 de Novembro, por forma a possibilitar a entrada em funcionamento do Tribunal Central Administrativo, criado pelo Decreto-Lei n ° 229/96, de 29 de Novembro; pela Portaria n.º 398/97 de 18 de Junho foi instalado, a partir de 15 de Setembro de 1997, o Tribunal Central Administrativo (cf. o “website” http://www.tca.mj.pt).

 

Vagli Giovanni

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