O Código de Processo Civil, como é cediço, contêm três espécies de processo, cada qual com uma destinação específica. Distribuiu a matéria conforme a classificação que a doutrina moderna, de nítida inspiração italiana, costuma atribuir às funções jurisdicionais.
Esta é a razão, segundo Galeno Lacerda, pela qual o primeiro livro se destina ao processo de conhecimento, o segundo trata do processo de execução e o terceiro cuida do processo cautelar.
Essas espécies, ou tipos, correspondem às tutelares jurisdicionais perseguidas. Conforme a tutela, tal será o processo. Tratando-se de um pedido de uma providência urgente, provisória, com finalidade de assegurar a eficácia e a utilidade da sentença que virá a ser proferida na causa principal, de conhecimento ou de execução, estaremos diante do processo cautelar, destinado a ser o instrumento das ações cautelares ou preventivas.
Atribuiu-se a Chiovenda o mérito de, pela primeira vez, sustentar a autonomia da ação cautelar. Posteriormente, Carnelutti e Liebman aprofundaram o estudo da tese que a doutrina moderna acabou por consagrar. Essa autonomia decorre da peculiar natureza da pretensão que é deduzida nas ações dessa espécie.
O diploma processual pátrio, ao contrário do que aqueles vigentes em outros países de maior tradição jurídica, dá destaque ao processo cautelar, posto no mesmo plano dos processos de conhecimento e execução.
Galeno Lacerda, afirma que: "idêntico tratamento não se encontra em codificações apontadas como fonte de inspiração de nossos últimos Códigos de Processo Civil, como a alemã, a austríaca, a portuguesa e a italiana”
[1].
As Ordenações Afonsinas, Manuelinas e Filipinas continham disposições sobre a tutela cautelar. Estes diplomas legais vigeram ao tempo do Brasil-Colônia e do Brasil-Império, até o advento do Regulamento 737, de 1850, que tratou das medidas cautelares em seus arts. 321 a 409, no título destinado aos processos preparatórios, preventivos e incidentes.
Isto é o que ensina Sydney Sanches, poder cautelar geral do juiz no processo civil brasileiro, RT, 1978, acrescentando que, após a República, aos Estados abriu-se a possibilidade de legislarem sobre direito processual civil, sendo que o Código Paulista, de 1930, continha disposições de medidas cautelares em seu art. 11.
Unificado o poder de legislar sobre processo, a partir da CF/34, o CPC/39 tratou da matéria no Livro V, destinado a processos acessórios. No CPC em vigor, o processo cautelar foi regulado no Livro III.
O processo cautelar, no CPC/73, apresenta-se com maior destaque do que aquele que ostentava no CPC/39. Está disciplinado no Livro III, que é composto de um único título – Das Medidas Cautelares – tratadas nos arts. 796 a 889.
Tal título está subdividido em dois capítulos. No Capítulo I temos as disposições gerais (arts. 796 a 812) e no Capítulo II (arts. 813 a 889) os procedimentos cautelares específicos, quais sejam, arresto, seqüestro, caução, busca e apreensão, exibição, produção antecipada de provas, alimentos provisionais, arrolamento de bens, justificação, protestos, notificações e interpelações, posse em nome de nascituros, atentado, protesto e apreensão de títulos.
A fonte comum de inspiração na disciplina do poder geral de cautela, dos Códigos italiano, brasileiro e português é o art. 324 do Projeto Carnelutti, que tem a seguinte redação: "Quando do estado de fato da lide surja razoável receio de que os litigantes cometam violência, ou pratiquem antes da decisão atos capazes de lesar de modo grave, mas não fácil e seguramente reparável, um direito controvertido, ou quando no processo uma das partes se encontre em situação de grave inferioridade em face da outra, o juiz pode tomar as providências provisórias adequadas a evitar que o perigo se verifique. Em particular, mantidas disposições especiais da lei, pode ordenar o seqüestro de uma coisa móvel ou imóvel, vedar ou autorizar a prática de determinados atos, atribuir quantias provisionais, impor cauções".
Em razão da origem comum, são semelhantes as redações do nosso CPC em vigor, e dos Código de Processo Civil italiano.
Confira-se: o CPC brasileiro de 1939, art. 675, I e II: "Além dos casos em que a lei expressamente o autoriza, o juiz poderá determinar providências para acautelar o interesse das partes: quando do estado de fato da lide surgirem fundados receios de rixa ou violência, entre os litigantes; quando, antes da decisão, for provável a ocorrência de atos capazes de causar lesões, de difícil e incerta reparação, ao direito de uma das partes".
Artigos 798 e 799 do CPC brasileiro em vigor: "Além dos procedimentos cautelares específicos, que este Código regula no Capítulo II deste livro, poderá o juiz determinar as medidas provisórias que julgar adequadas, quando houver fundado receio de que uma parte, antes do julgamento da lide, cause ao direito da outra lesão grave e de difícil reparação". "No caso do artigo anterior, poderá o juiz, para evitar o dano, autorizar ou vedar a prática de determinados atos, ordenar a guarda judicial de pessoas e depósito de bens e impor a prestação de caução".
No Brasil foi inserido no CPC de 1939 e em Portugal no de 1940. Embora previsto em lei, entre nós a novidade, de início, não teve grande aplicação prática, em especial em razão da falta de obras esclarecedoras.
A possibilidade de o juiz deferir medidas cautelares atípicas ou inominadas, ou seja, que não estão previstas nominalmente no CPC, admitidas são em decorrência do poder geral de cautela, inserto nos artigos 798 e 799.
Também chamado de poder cautelar inominado ou atípico, constitui-se na possibilidade do Juiz determinar as medidas provisórias que julgar adequadas, quando houver fundado receio de que uma parte, antes do julgamento da lide, cause ao direito da outra lesão grave ou de difícil reparação.
Com o dispositivo do art. 798, o CPC em vigor realçou a existência de um poder geral de cautela conferido ao juiz, poder este que como já foi dito alhures, estava expresso no CPC/39, em seu art. 675, mas que a jurisprudência relutava em admitir em toda a sua extensão.
A hipertrofia do processo cautelar e a adoção da tutela antecipada como modo de expurgar do processo cautelar as demandas satisfativas urgentes, muitas vezes o poder geral de cautela, foi desvirtuado.
Galeno de Lacerda, um dos autores pátrios que mais se destacaram pelos comentários lúcidos e sistemáticos das medidas cautelares, já se mostrava preocupado com o desvirtuamento que poderia vir a sofrer esse poder geral de cautela, se em mãos de advogados improbos e juízes sem dignidade. Na verdade, o exercício desse poder quase que discricionário – o que não se confunde com arbitrariedade – exige, principalmente, do julgador, mais do que dignidade. Exige inteligência, perspicácia, capacidade de perceber as situações que, verdadeiramente, exigem a decretação da segurança. Infelizmente, não é de todos que se pode esperar tais qualidades.
Há que ficar entendido que, no processo cautelar, o interesse do requerente advém da necessidade de segurança para garantia do resultado útil do processo principal, de conhecimento ou de execução. Pode ser que, a par disso, possa existir um interesse material, mas essa não é a regra. De qualquer forma, não se pode, através do processo cautelar, buscar a satisfação de direito material.
Sobre a hipertrofia do processo cautelar, escreve Eustáquio Nunes Silveira:
nos últimos tempos, as medidas cautelares têm se tornado o remédio para todos os males, verdadeira panacéia para aqueles que necessitam ou simplesmente desejam uma prestação jurisdicional mais rápida e eficiente
[2].
Resultado, talvez, do desespero com a lentidão dos órgãos judiciais, os advogados e as partes pretendem se valer de um expediente mais veloz, em busca da solução da lide que os atormenta. Não encontrando no arsenal do Direito processual medida outra que possa lhes satisfazer o anseio, busca na ação cautelar o meio expedito de que precisam.
Com isso, o que se tem visto é uma verdadeira avalanche de medidas cautelares, as quais, de regra, em nada se parecem com o seu verdadeiro objetivo e com a sua natureza. Não são raros pedidos satisfativos do direito material serem feitos em ações ditas cautelares, pela só razão dessas ações comportarem liminar, ou seja, permitirem o adiantamento dos efeitos fáticos da sentença.
No entanto, embora compreendendo a insatisfação dos jurisdicionados com a lentidão dos processos, não se pode olvidar a verdadeira natureza da ação e do processo cautelares. No Brasil, com a previsão da antecipação de tutela, buscou-se expurgar do processo cautelar as demandas satisfativas urgentes, chamadas de "cautelares satisfativas".
Ovídio Baptista da Silva, afirma que:
para que se tenha uma visão adequada da reforma no que diz respeito ao Processo Cautelar, é indispensável distinguir entre a idéia de processo, como continente, e o conceito de lide como seu conteúdo. Nunca a necessidade da distinção entre esses dois planos se fez tão presente, como no caso de nossa experiência judiciária com o Processo Cautelar
[3].
É lícito afirmar que a tendência histórica que nos persegue desde os últimos estágios do direito romano, conduzindo-nos para a universalização da ordinariedade, com a separação entre cognição e execução, atingiu seu ponto culminante, em nosso sistema, com a edição do CPC/73. Esse tipo de procedimento – não vem ao caso discuti-lo agora – quando universalizado suprime a possível utilização de vias alternativas de tutela processual da urgência, coisa com que o Processo de Conhecimento não se preocupa, enquanto instrumento concebido para abrigar demandas plenárias, tratando-as sob forma ordinária. Esta circunstância provocou, como era de esperar, a utilização massiva do Processo Cautelar para, através dele, veicularem-se demandas satisfativas urgentes, que não encontravam meios jurisdicionais compatíveis com suas necessidades, no Processo de Conhecimento.
O Processo Cautelar no Brasil nasceu com notória vocação para abrigar demanda de tipo monitório, tornou-se, na experiência judiciária, o instrumento providencial para a tutela das pretensões de natureza urgente.
Criou-se, a partir desta contingência, uma situação singular em nossa prática judiciária. Sob a forma (exterior) de um processo cautelar, passou-se a veicular demanda satisfativas urgentes, algumas delas conhecidas, com uma boa dose de mau gosto e inteira impropriedade lógica, como ‘cautelares satisfativas’. Quer dizer, o Processo Cautelar contaminou-se de demandas satisfativas que, em princípio, haveriam de ser ordinárias, nas quais se incrustava, sem muita cerimônia, uma medida liminar, às vezes separando-as em um procedimento ‘cautelar’ preparatório. Esta prática, de resto, nada tinha de original, pois, como se disse, nosso Processo Cautelar era vocacionado para as formas de tutela antecipatória, as quais, pelo fato de o serem, haveriam necessariamente de ser satisfativas da correspondente pretensão de direito material. As vertentes italianas de nosso Processo Cautelar nunca esconderam essa realidade e sempre tiveram os provvedimenti d’urgenza de seu sistema como técnica antecipatória.
A nosso ver, embora o legislador tenha feito apenas algumas modificações, que poderiam ser consideradas superficiais, no campo do Processo Cautelar, a retirada de seu interior das medidas antecipatórias, transferindo-as para os arts. 273 e 461, teve o mérito inegável de purificar a tutela cautelar, em uma tentativa de tornar o respectivo procedimento, uma forma exclusiva da tutela de segurança, resultado sem dúvida altamente promissor, posto que acabará obrigando os juristas e especialmente os práticos a buscarem uma compreensão mais adequada do que seja realmente esta forma de tutela processual. A rigorosa conceituação do que sejam as medidas cautelares acabará suscitando a questão preliminar da existência ou não de uma pretensão à segurança como classe especial e autônoma de pretensão de direito material.
E este novo resultado seria indiscutivelmente desejável, se não por outras razões, pelo fato de recolocar, em tela de julgamento, a questão da existência e utilidade prática do conceito de pretensão de direito material, que a doutrina em geral não aceita".
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A crise que assola a Justiça não é privilégio nacional. O custo e a duração dos processos são problemas que preocupam em todo o mundo.
No Brasil, reformas têm sido feitas buscando-se uma justiça mais célere e efetiva. o sistema cautelar brasileiro é considerado como um terceiro gênero em relação aos processos de conhecimento e de execução.
O CPC brasileiro trata do processo cautelar no Livro III As medidas cautelares são provisórias, instrumentais e acessórias.
O escopo das cautelares, tanto no Brasil, é tornar útil e viável a prestação jurisdicional e não antecipar os efeitos da tutela de mérito, embora, por vezes, seja utilizada para este último mister.
Revela-se um rigor científico do CPC nacional, bem como que o problema da morosidade do processo não decorre somente de aspectos técnicos, mas também de valores de ordem política, econômica e cultural.
REFERÊNCIAS
CAPPELLETTI, Mauro. Problemas de Reforma do Processo Civil nas Sociedades Contemporâneas, Atualidades Internacionais de Direito Processual Civil. In Revista de Processo, nº 65, São Paulo.
CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de direito processual civil. V. 1, trad. de Paolo Capitanio, Campinas: Bookseller, 1998.
DINAMARCO, Cândido Rangel. A reforma do CPC. 3. ed., São Paulo: Malheiros, 1995.
__________. A instrumentalidade do processo. 5. ed., São Paulo: Malheiros, 1996.
__________. Aceleração dos Procedimentos. In Caderno de Doutrina Apamagis, São Paulo, jul.-ago./1998, p. 337.
LACERDA, Galeno. Comentários ao CPC. V. VIII, tomo I, 5 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1993.
MARINONI, Luiz Guilherme. Efetividade do Processo e Tutela Antecipatória, artigo publicado na RT/706, ago./1994, ano 83.
__________. A antecipação da tutela. São Paulo: Malheiros, 1998.
__________. Novas linhas do processo civil. 3. ed., São Paulo: Malheiros, 1999.
__________.Tutela antecipatória, julgamento antecipado e execução imediata da sentença. 3. ed., RT, 1999.
SILVA, Ovídio Baptista da. Do processo cautelar. 2. ed., Rio de Janeiro: Forense, 1998.
__________. Reforma dos Processos de Execução e Cautelar – RJ 231, jan./1997.
SILVEIRA, Eustáquio Nunes. Abuso das Medidas Cautelares. In Síntese Trabalhista, nº 65, nov./1994, apud CD Rom Juris Síntese Millennium, Editora Síntese, jul.-ago./2000.
WAMBIER, Luiz R. Curso Avançado de Processo Civil. V. 3 4 ed. São Paulo: RT, 2002.
[1] – LACERDA, Galeno.
Comentários ao CPC. V. VIII, tomo I, 5. ed., Rio de Janeiro: Forense, 1993, p. 1.
[2] SILVEIRA, Eustáquio Nunes. Abuso das Medidas Cautelares. In Síntese Trabalhista, nº 65, nov./1994, apud CD Rom Juris Síntese Millennium, jul.-ago./2000, p. 11.
[3] SILVA, Ovídio Baptista da. Do processo cautelar. 2. ed., Rio de Janeiro: Forense, 1998, p. 231.
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