Sócio oculto e fraude

Monica Gusmao 09/12/10

O art. 305 do Código Comercial, revogado pelo Código Civil de 2002, presumia a existência de sociedade, sempre que alguém exercitava atos próprios de sociedade, e que regularmente se não costumavam praticar sem a qualidade social. Era o chamado sócio oculto que, por não poder ou não querer assumir a condição jurídica de sócio, não constava do contrato social, mas praticava atos se ocultando por trás do nome dos demais sócios, para exercer atividade empresarial.

É conveniente distinguir o sócio oculto que integra sociedade em conta de participação1, do sócio oculto que não integra sociedade, mas age na condição de sócio. Apesar de legal, a socie­da­de em conta de par­ti­ci­pa­ção não tem per­so­na­li­da­de jurí­di­ca por­que a pró­pria lei a dis­pen­sa de cer­tas for­ma­li­da­des essen­ciais, como o arqui­va­men­to dos atos cons­ti­tu­ti­vos no órgão competente.2 A des­pei­to de não pos­suir per­so­na­li­da­de jurí­di­ca, ou nome empre­sa­rial, a socie­da­de em conta de par­ti­ci­pa­ção não se con­fun­de com a socie­da­de em comum por­que a dis­pen­sa de for­ma­li­da­des decor­re da pró­pria lei. Não é de sua carac­te­rís­ti­ca a exte­rio­ri­za­ção da socie­da­de e dos atos socie­tá­rios. Não é pró­prio, con­tu­do, deno­mi­ná-la ocul­ta ou secre­ta, dado o cunho pejo­ra­ti­vo des­sas expres­sões.3 A exis­tên­cia da socie­da­de em conta de par­ti­ci­pa­ção pode ser demons­tra­da por todos os meios de prova ­usuais em direi­to.4 A socie­da­de em conta de par­ti­ci­pa­ção é for­ma­da por duas cate­go­rias de ­sócios: o osten­si­vo e o par­ti­ci­pan­te. O sócio osten­si­vo exer­ce a ati­vi­da­de cons­ti­tu­ti­va do obje­to ­social em nome pró­prio e indi­vi­dual, sob sua exclu­si­va res­pon­sa­bi­li­da­de.5 Assume obri­ga­ções em seu pró­prio nome, com res­pon­sa­bi­li­da­de ili­mi­ta­da. Pode ser pes­soa natu­ral ou jurí­di­ca, empre­sá­rio ou não.6

Dito isto, não podemos confundir uma sociedade que, embora destituída de personalidade jurídica, existe entre os sócios (ostensivo e oculto), para facilitar as relações empresariais, com uma sociedade regular, com atos devidamente registrados no órgão competente, e que, com intuito de fraude, não inclui em seu ato constitutivo determinado sócio por impedimento deste. A fraude é inequívoca. A sociedade, na condição de devedora, em regra se obriga perante seus credores, em razão do vínculo obrigacional surgido. Entendo que se o credor comprovar, através de quaisquer meios de prova admitidos em Direito, a existência do sócio oculto, pode lhe imputar responsabilidade em razão da fraude cometida. O Direito não pode acobertar situações antijurídicas. Não é diferente o entendimento de nosso Tribunal ao proferir a seguinte decisão7:

“EMBARGOS DE TERCEIRO – EXECUÇÃO CONTRA EMPRESA COMERCIAL – SÓCIO OCULTO – FRAUDE A CREDOR DESCONSIDERAÇÃO DA PESSOA JURÍDICA – POSSIBILIDADE – LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. O marido que se oculta por trás do nome da mulher, para exercer atividade empresarial, identifica-se como sócio oculto (Artigo 305 do Código Comercial) e responde com seus bens particulares pela divida da empresa, cuja personalidade jurídica pode ser desconsiderada. Configura fraude a credor firmar contrato de locação como falso representante da empresa locatária. Aquele que postula direito com fundamento em fato que sabe inverídico é litigante de má-fé (artigo 17, II, do CPC). Improvimento do apelo”.

Convém esclarecer que o Código Civil, no art. 987 permite que os sócios provem a existência de sociedade nas relações entre si ou com terceiros, por escrito, mas os credores podem prová-la de qualquer modo. Entendo que não só os credores podem provar a existência do sócio oculto, mas também a própria sociedade. Comprovada a existência de um sócio que optou por não ter o seu nome incluso no contrato social, para fugir a essa condição, terá responsabilidade ilimitada pelas obrigações sociais. Desde que comprovada a condição do sócio “oculto”, os demais sócios, poderão invocar a responsabilidade solidária e ilimitada daquele sócio. Sobre o tema8:

“EXECUÇÃO – EMBARGOS DE TERCEIRO – FIGURA DO SÓCIO OCULTO – LIMITE DA RESPONSABILIDADE. O SÓCIO OCULTO DA SOCIEDADE LIMITADA, NÃO PODE SE VALER PERANTE OS CREDORES SOCIAIS DOS LIMITES DA RESPONSABILIDADE ESTABELECIDOS NA LEI OU NO CONTRATO QUE REGE AS OBRIGAÇÕES PESSOAIS DOS SÓCIOS OU DA SOCIEDADE, RESPONDENDO, NESTE CASO, SOLIDÁRIA E ILIMITADAMENTE, DE FORMA SUBSIDIÁRIA, PELAS OBRIGAÇÕES SOCIAIS PERANTE OS TERCEIROS CREDORES”.

Em síntese: admite-se que terceiros comprovem a existência de sócio oculto através de quaisquer meios de prova, bem como da própria sociedade, por documento escrito, sob pena de se incentivar a fraude do sócio que deveria constar do ato constitutivo e assumir suas responsabilidades perante a própria sociedade e terceiros de boa-fé.

 

1 Cód. Civil, art. 991.

2 Cód. Civil, art. 992.

3 LOPES, Mauro Brandão. Sociedade em conta de par­ti­ci­pa­ção, Ed. Saraiva, 1990.

4 Cód. Civil, art. 992.

5 Cód. Civil, art. 991.

6 Cód. Civil, art. 991, caput e pará­gra­fo único.

7 TJRJ AC. nº 2006.001.04456 – Des. José Geraldo Antônio – Julgamento: 25/04/2006 – Sétima Câmara Civil.

8 TJDF AC nº 4871498 – Des. Edson Alfredo Smaniotto – Julgamento: 24/05/1999 – 2ª Turma Cível.

Monica Gusmao

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