Questão tormentosa no foro diz respeito à desconsideração da personalidade jurídica. Doutrinadores e julgadores não se entendem, gerando verdadeiro rebuliço sobre o tema. O art. 50 do Código Civil positivou a teoria ao permitir que o deverdor, bem como Ministério Público, requeiram a aplicação da desconsideração da personalidade jurídica sem que comprovados a confusão patrimonial e o desvio de finalidade. É certo que a sociedade é sujeito de direitos e obrigações, respondendo pessoalmente e com todo o seu patrimônio pelas dívidas contraídas. O art. 591 do Código de Processo Civil ratifica esta regra ao dispor que o devedor, para a satisfação do credor, responde com todos os seus bens, presentes e futuros
É comum confundir-se a responsabilidade da pessoa jurídica com a responsabilidade do sócio. Sempre sustentei que o Código Civil estabelece parâmetros subjetivos para aplicação da teoria, pois somente a admite uma vez comprovada a fraude em sentido amplo, hipótese em que, satisfeito esse pressuposto,os legitimidados podem requerer a extensão da condenação ao sócio ou sócios que tenham agido em fraude.É importante lembrar que, para adimplir obrigação assumida, o sócio pode ter seu patrimônio atingido independentemente da existência de ativo da sociedade. Entendimento diverso acabaria por beneficiar o sócio que se tenha servido do nome da sociedade, indevidamente, para auferir vantagem pessoal. O direito não pode acobertar situações antijurídicas. Neste caso, o credor poderá demandar tanto a sociedade como o próprio sócio.
Em recente julgado, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça decidiu que a aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica exige requisitos objetivos e subjetivos, ou seja, (1º) inexistência de ativos para cobrir o passivo e (2º) prova do uso malicioso da empresa, com intenção de fraude contra credores.
No caso recentemente enfrentado por aquela Corte, o credor exequente não teve seu crédito satisfeito, por inexistência de patrimônio da sociedade devedora (controlada), requerendo, dessa forma, a aplicação da teoria da desconsideração de outra sociedade controladadora. O pedido foi negado pelo juiz de primeiro grau, mas essa decisão foi reformada pelo Tribunal sob o fundamento de que o simples fato de o patrimônio da sociedade executada estar em nome da sociedade controladora evidenciava fraude(confusão patrimonial).
Infelizmente, a decisão abriu precedente para o sócio ou para a sociedade que agiu com fraude invocar sua responsabilidade subsidiária, ou seja, o requisito objetivo deve ser preenchido: prova da inexistência ou insuficiência de patrimônio da devedora. Não é crível que se admita que o credor, tendo prova inequívoca da fraude cometida, seja obrigado a demandar a sociedade devedora para que, somente em execução (cumprimento de sentença ou execução por título extrajudicial), possa requerer a aplicação da teoria.
Repito: o credor pode, ab initio, incluir no polo passivo tanto a sociedade devedora quanto o sócio que se utilizou indevidamente da pessoa jurídica, independentemente de comprovação da situação patrimonial deficitária. A inserção dos sócios no polo passivo, já no processo de conhecimento, não se dá em razão de responsabilidade patrimonial subsidiária ou por conta de eventual idoneidade econômica da sociedade executada, mas em razão de responsabilidade direta decorrente da prática de atos descritos na lei. A condenação solidária do sócio na ação de conhecimento atende aos princípios da segurança jurídica, da boa-fé, da razoabilidade, da eticidade e da efetividade, entre outros.
Em resumo: a desconsideração da personalidade jurídica tem por objetivo ampliar o ângulo de imputação de responsabilidade dos sócios. Defendo a responsabilidade solidária entre a sociedade e o sócio que dela tentou se utilizar em proveito próprio, sob pena de se fomentar a fraude. Desconsiderada a personalidade jurídica, o credor poderá demandar tanto a sociedade quanto o sócio responsável.
Scrivi un commento
Accedi per poter inserire un commento